terça-feira, 12 de março de 2013

Fronteira - Além dos Limites


A fronteira, no seu sentido tradicional, vista como limite, como uma linha divisória fixa que separa duas regiões ou países, é uma concepção pouco perspicaz da realidade e, portanto, errônea. Ela, na verdade, é móvel e compreende um espaço bem mais amplo que o limite, abrangendo-o; sendo maior ou menor conforme a efervescência humana das suas margens, sobretudo nas chamadas “fronteiras vivas”, que no dizer de Enrique Padrós (1994), “são aquelas caracterizadas por uma presença demográfica relativamente importante, manifestando uma integração informal que sobrevive às conjunturas políticas de fechamento e de corte” (p. 76). Esse aspecto da relação humana que se forma entre os habitantes de um lado e de outro, também é ressaltado por Benedikt Zientara:

A ideia, universalmente difundida, de fronteira como linha que separa duas regiões diferentes, é errada.[...] as populações que vivem numa zona de fronteira dão origem a uma comunidade fundada em interesses particulares, mantêm entre elas, do lado de cá e do lado de lá da fronteira, uma intensa comunicação. (1989, p. 307-309)

Como intersecção entre dois espaços separados politicamente, conformando, portanto, um “terceiro espaço”, a fronteira apresenta características próprias, sendo um local de contato onde as diferenças se encontram e um lado interfere no outro. No caso das fronteiras entre nações, especificamente onde convivem aglomerações humanas, há uma situação bastante complexa, onde uma linha imaginária divide por vezes as famílias, mas não consegue desfazer a margem de fronteira que, independente das nacionalidades, faz com que uma boa parte dos indivíduos que ali habita viva de uma maneira própria, transformando, de certa forma, aqueles dois confins de países distintos em uma pátria particular.

Mas fronteira é uma região, que envolve a linha limítrofe. Região que pode ser geográfica, mas é, sobretudo, cultural e simbólica.(...) é um portal que muda o status das pessoas e das coisas. Uma zona de transição. Com este poder quase mágico, uma fronteira pode libertar ou aprisionar. Pode antagonizar. Mas pode também integrar. (AXT in GARCIA, 2010, p.13-14)

O termo “fronteira” advém do latim fronteria ou frontaria, significando o território in fronte. Provém do período de expansão do Império Romano e denominava a margem do território a ser defendida e projetava o que deveria ser conquistado. Processo semelhante ocorreu na China Imperial, que estendeu suas fronteiras até encontrar a resistência dos povos do norte, resultando na construção da grande muralha. Nas margens, ou seja, na fronteira que avançava na conquista ou estacionava na defesa, havia sempre o conflito, em maior ou menor grau, inerente ao encontro de culturas diferentes.

Outro enfoque importante, ao se definir a fronteira, é a questão geopolítica. Segundo Zientara:

a doutrina pseudo-científica dos confins naturais, chamada geopolítica (...) atribuía aos fatores naturais uma função determinante na história política (...) afirma que a própria natureza apontou aos vários povos as direções que deve tomar a sua expansão. (1989, p. 308-309)

Essa análise se torna relevante por ter sido a geopolítica, historicamente, usada repetidas vezes como argumento de Portugal, e depois Brasil, para estabelecer a fronteira sul no natural confim do Rio da Prata.

integrar não deve significar perda de identidade nacional, e sim, contato com outras identidades nacionais. É claro que a ideia de integração entre Estados implica também a transformação de mentalidades. (1994, p. 66)

A visão tradicional, que ocasionou uma separação cultural relevante, muito utilizada para a questão política de formação da identidade dos países, então em fase ainda de nascimento, e que perdurou até bem pouco tempo atrás é, portanto, uma perspectiva ultrapassada. A mentalidade que se busca, hoje em dia e doravante, é a de uma integração efetiva, em muito baseada na convivência educacional mútua, que leve a uma real integração cultural dos seres que habitam este espaço territorial: a fronteira.

Elisangela Vasconcellos
Acadêmica de Pós Graduação em Cultura, Cidades e Fronteiras 

Texto publicado na Coluna Gente Fronteiriça do Jornal Fronteira Meridional no dia 27/02/2013 


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