Por Joanneliese Freitas *
A lama,
apesar de ter sido vomitada de modo repentino, contínuo e violento
para quem lá estava, chegou em minha mente e coração aos poucos.
Adentrou como é propriedade da lama aquosa: lentamente, invadindo
sem permissão, sub-repticiamente contaminando cada canto. E vai
secando e endurecendo ali onde eu ainda podia ter um pouco de
esperança.
A lama
vai secando e endurecendo minha visão e meu entendimento – em um
processo vagaroso e lento, porém contínuo e decisivo. Aos poucos,
tomo ciência, mas também em um processo contínuo e violento:
perdemos referenciais históricos, perdemos vidas. Acidente. Perdemos
peixes, perdemos um rio, não, a bacia hidrográfica, o bioma.
Acidente? Terror? Gente brigando por água.
Perdemos
o senso, e o futuro? Ah, o futuro deságua no mar... De repente:
bombas, bombas, gritos, tiros, confusão, o que está acontecendo?
Pessoas arrastando seus mortos pelas ruas de Paris! Paris! Não é de
lá que herdamos nossos valores de liberdade, igualdade,
fraternidade?
Ao
jogarem uma bomba em Marianne os estilhaços pararam em Minas Gerais.
Também nossa referência de luta pela liberdade, da negritude
aleijada produzindo arte, com suas riquezas agora jogadas no
inconsciente da lama coletiva. Marianne, embale e vele suas centenas
de mortos de uma noite, nós embalaremos e velaremos nossa noite de
lama por centenas de anos... Mas o dia em Curitiba amanheceu azul!
Será ainda um sinal de esperança? Não, pois os sonhos que também
herdamos de Beirute e de Bagdá com suas histórias que nos embalam
também ardem, a 1001 noites... Mas quem se lembra delas? São
histórias para crianças...
* Psicóloga, Professora da UFPR (Universidade Federal do Paraná).
Nenhum comentário:
Postar um comentário