quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

Fábio Amaro - Babel - Poesia

 


A LOUCA

Uma louca dançava
arrastando o vestido na chuva.

Não tinha paciência
para absurdos.

Quando a gente lhe dizia
sobre abrigar-se
das águas
ela respondia:

- Conjugo o que vem do céu
com as inexatidões do meu coração
e assim é que desabrocho meus jasmins.

Ninguém entendeu,
mas todos calaram a boca.


Fábio Amaro nasceu na fria noite de 28 de agosto de 1977, na cidade de Pelotas. É poeta, PhD em Relações Internacionais e Professor na Universidade Federal de Pelotas. Publicou dois volumes de poesia, O Carrossel dos Desvarios Voláteis, em 1999 e, O Terceiro Lado da Moeda, em 2017.

Propenso a desvarios, tem na poesia o reduto de seus despautérios e vislumbra nela o pilar de sua sanidade. 




sexta-feira, 12 de agosto de 2022

PROGRAMAÇÃO DA IV SEMANA DO PATRIMÔNIO DE JAGUARÃO/2022

 



13 AGO 22 (Sábado)


LOCAL : Prédio Tiaraju (Rua 15 de novembro, frente ao Museu Carlos Barbosa)


19:00 h : Cerimônia de abertura comissão organizadora e autoridades


19:15 h : Recepção para a abertura da Exposição do Pompílio Neves de Freitas

Mão Branca-Lucia Passos. A exposição estará aberta a visitações do dia 13 de agosto ao dia 21 de agosto, entrada franca


A exposição das Rainhas Negras do Clube 24 de Agosto

A exposição será na UNIPAMPA, na Galeria Intercultural Magliani – GIM



15 AGO 22 (Segunda Feira)


15:00 h Na Rua Uma Terra Só


Corredores Iluminados (UNIPAMPA) -Momento de Solenidade colocação da placa de Qr-Code do projeto.


20:00 h No Auditório do IFSUL


Olhares sobre o Patrimônio Cultural Uruguaio: uma conversa fronteiriça - Live com os arquitetos-Alberto Leira Regueiro e Rafaela Nieto Marques da Rocha, mediação com as arquitetas Adriana Pagliani Ança e Cláudia Anahí Aguilera Larrosa.


16 AGO 22 (Terça-Feira)


Exposição de fotografias da família de Carlos Barbosa - A exposição será no Museu Dr. Carlos Barbosa, entrada franca e iniciará no dia 16 de agosto ao dia 21 de agosto


09:30 h as 12:00 14:00 as 18:00 na Igreja Matriz do Divino


Visita Guiada - Padre Valdeir da Paixão Silva Marque sua visita: (53) 3261-1978


18:30 h Theatro Esperança


Abertura Oficial da Exposição artesanal - Registros de educação: Arte de rua, patrimônio e as paisagens da fronteira


19:00 h Theatro Esperança


Roda de Conversa: O saber fazer da lida campeira na pampa

Dr. Daniel Vaz-UFPEL e mediação Ma. Miriel Bilhalva HerrmannUFPEL.


17 AGO 22 (Quarta-Feira)


08:30 h Biblioteca Pública


I Simpósio Educação e Turismo nas Escolas - PETE SMED e Organização


14:00- 17:00h Fundação Carlos Barbosa


Oficina Museal com o Dr. Diego Lemos Ribeiro- UFPEL *Vagas limitadas 16 pessoas


18 AGO 22 (Quinta-Feira):


09:00- 12:00 h Theatro Esperança


Visitação a exposição- com a professora Andréa Lima e seus alunos (a)


14:00 h Cemitério das Irmandades


Visitação guiada - Rafael Schranck Chagas e organização - Marque sua visita: (53) 99155-7258


19:00 h Theatro Esperança

ABERTURA DA FALA 2022 - Feira Alternativa de Literatura e Arte da Fronteira. Mesa: Magnum Patron Sória (Presidente da Sociedade Independente Cultural-SIC), Kênya Martins - Coordenadora da FALA 2022 e Carlos José de Azevedo Machado - Prof. IFRS/Bento, vice-presidente da SIC e membro do Fronteras Culturales.


Apresentação do curta-metragem “CASA DE RIO” (do filme Fronteriz@s, uma produção conjunta da SIC e Fronteras Culturales). Bate papo com os seus produtores e organizadores: Temática: Integração cultural fronteiriça - Ricardo Almeida (Consultor em assuntos de fronteiras) da Coordenação do Fronteras Culturales e Produtor Geral do filme, Luiz Alberto Cassol (Diretor do Curta “Casa de Rio”), Maria Fernanda Passos (jornalista e roteirista do Curta), Jorge Passos, Mireya Brochado e outros protagonistas do Curta Casa de Rio.

19 AGO 22 (Sexta-Feira)

09:30 - 12:00 h UNIPAMPA

Talk show Experiências culturais - Unipampa Campus Jaguarão. Coord. Ângela Ribeiro, Kênya Martins /Curso tecnologia gestão Turismo Unipampa - Grupo de pesquisa turismo Fronteira e Desenvolvimento e Prof. Carlos José Machado-IFRS. Público-alvo: 3º ano do Ensino Médio e público geral.

Exposição Itinerante Rainhas Negras do Clube 24 de Agosto - NEABI Mocinha - Unipampa Campus Jaguarão.

09:30 – 12:00 14:00 18:00 h Igreja Matriz

Visitação guiada (Padre Valdeir da Paixão Silva) 1 – Marque sua visita: (53) 3261-1978

19:00 h Theatro Esperança

Roda de Conversa - Patrimônio Material e Imaterial com a Dra. Maria de Fátima Bento Ribeiro e Dra. Naiara de Souza

20 AGO 22 (Sábado)

15:00 h Rua João da Costa Chaves e Ilê Axé Mãe Nice D' Xangô

Visitações - Caminhos histórico cultural pelos patrimônios negros de Jaguarão Rua João da Costa Chaves - Profa. Dra. Giane Vargas e Ilê Axé Mãe Nice D' Xangô (Leandro Tavares)

Ativismo e protagonismo negro em Jaguarão/RS, fronteira Brasil-Uruguai - Liziana Farias Neves e familiares de João da Costa Chaves; e roda de Conversa Espaço Ilê Axê - Yalorixa Mãe Nice D' Xangô.

21 AGO 22 (Domingo)

14:00- 17:00 h Mercado Público

Exposição de automóveis antigos e clássicos - Jaguar Car Antigos e Museo de Medios de Transportes de Rio Branco - Organizador: Eduardo Monção Zart




domingo, 7 de agosto de 2022

UM DIA EN RIO BRANCO -URUGUAY ( Século XX)

Amanheceu. Da quinta vem o ruído da enxada limpando o pasto na volta dos morangos. São poucos, mas bem cuidados. O terreiro das galinhas já foi varrido e os ovos das poedeiras colhido. Ouço o trotezito do carro de la panaderia Los Claveles entregando o pão recém saído do forno. Rio Branco vai acordando. Tomo café para ir ao colégio das Freiras e o pai me avisa que a Rural não pegou. "Sobe lá na aduana e vê se não tem algum marinero, o Medina ou o Borges pra me ajudar a dar uma empurrada. "

Subo pelas escadinhas da ponte onde já se ve a correria com o carromotor chegando. Passou pela estação Presidente Getulio Vargas, Poblao de Vargas como se dice por acá. Vem apinhado.

No meio da ponte já está se aninhando na calçada o nego Véio vendedor de bananas. Ele larga as bananas ali no chão e os passantes, com suas maletas de garupa sobre os braços que vão comprar açúcar, yerba, rapadura y otras cositas más no Armazém Oscar Amaro em Jaguarão, ja vão adquirindo una penca que vai ser derrubada de uma sentada ali na sombra dos arcos da ponte.

Do outro lado, também de um trem, este, um Maria Fumaça que veio de Rio Grande e passou pela estação Basílio, vai descendo o pessoal cruzando a Mauá destino à Casa Azpiroz, Tienda Machado, Casa de las Lanas, Casa Simon, Casa Martinez, el almacen del basco don Amado e outros comercios chicos que vendem de tudo que é bom do Uruguay, lanas, cobertores, telas balmoral, casacos de burma, quesos, dulce de leche, aceite y galletas Maestro Cubano, aquelas que vem nuns latões grandes que depois é bom de guardar os mantimentos em casa. Algum desses viajantes até pensa em passar uns dias na fronteira hospedado ali no hotel italiano, comer una buena parrilla no Oásis acompanhado por una Norteña e quem sabe dar un paseo de bolanta por la cuchilla, visitar os parentes que aqui ficaram e curtir la sesion de sabado nel cine Rio Branco que en la cartelera anuncia la pelicula de guerra "Los Cañones de Navarone". Imperdible.

O velho, depois de me dar uma carona na rural até o colégio, já está na loja. As vezes, quando tem muito movimento, como parece ser hoje, até almoça por lá. De tarde, depois dos temas feitos, também vou pra loja, ajudo com algum pacote, cevo o mate, mesmo pra algum cliente que puxa conversa, e me entretenho, por entre o burburinho das mulheres , que essas são mais falantes, experimentando roupas, o recrecrec das tesouras cortando telas, as negaceadas murmuradas da balconista Muñeca dizendo pra minha mãe: "esa, baja todo y no compra nada."

Volta e meia, uma vez por mês, no começo da temporada, aparece algum viajante de Montevideo com sua mala cheia de novidades que vai abrindo e mostrando pro Velho. "Ney, eso se va a vender mucho este año" dizia o vendedor, enquanto eu e minha irmã menor ficávamos encantados ali na volta, só mirando porque não se podia falar, admirando aquele mascate fumando cachimbo com relogio de corrente de ouro e mostrando as mais lindas mercadorias da capital del país y que a los brasileños les iba a gustar mucho.

Depois, já à tardinha, sentado num dos degraus da loja, ficava só observando tranquilo aquele mundo de gente percorrendo a rua central do Rio Branco, num ir e vir, no fervor de consumo, a esperar a passagem das gurias que saem do liceo. 

Jorge Passos

Antigo Liceo- hoje Restaurante Batuva




sábado, 6 de agosto de 2022

Memória das Ondas - III Onda por Thadeu Gomes

 

Mestre Vado e Leitão


Vou resumir: o Tio Leitão, foi centroavante do Jaguarão; professor Pino, Eduardo Gatinha, o influencer dos anos 60, Sputinik, Cavalo Velho, Chico Canha, Ademir, Peninha e Monteiro. Tá bom para vocês? 

Não?! Hélio, Martin, Carlão, Jorge, Paulo, Fernanda, Pardal, Javali e Aldyr. Isso diz algo? Então, estou feliz. Ainda respiro Jaguarão. Sou guri, ali, abaixo dos trilhos, Rua do Cordão, mas no meu coração não há uma Jaguarão com divisórias, porteiras e aramados. Eu a respiro toda! Essa é a onda!

Mestre Vado, Monteiro e Gocha.



terça-feira, 26 de julho de 2022

O Encontro de Aldyr Schlee com Enrique Amorin y Jorge Luís Borges no Hotel Italiano

 


No vídeo acima, registrado na II Feira Binacional do Livro de Jaguarão, em dezembro de 2011, Aldyr Garcia Schlee nos fala sobre seu projeto de escrever o livro "Contos com Espelhos" onde seus contos dialogam com os contos Borgianos.
Narra seu encontro, ainda menino, un "niño guapo", como lhe diria o escritor e poeta uruguaio Enrique Amorin, com Jorge Luis Borges no Hotel Italiano em Rio Branco.
Imagens de Borges : Galería de escritores y artistas de 1928 a 1959 por Enrique Amorim

Hotel Italiano em Rio Branco, anos 40, cenário do encontro entre Schlee, Enrique Amorin y Jorge Luis Borges.

Meu encontro com Amorim (e Borges) 

Aldyr Garcia Schlee

SEMPRE tive de Enrique Amorim uma impressão que não é a de quem o conheceu realmente; e jamais será a verdadeira, pois na única vez em que nos encontramos, não recordo que cheguei a vê-lo e não me lembro se me animei a falar-lhe, embora ele houvesse me visto e me tivesse dito ola, qué niño guapo, quando eu tinha seis ou sete anos e me levaram pela mão a Río Branco e me puseram diante dele e disseram depois que ele estava lá sim, bem sentado numa poltrona de vime no restaurant do hotel do Boroni, e tomava três dedos de fernet blanca num copo com água de sifón, ao lado de um enigmático amigo argentino que o vinha acompanhando sem pressa numa comprida viagem de automóvel ao longo da fronteira brasileira, parece que desde Salto a Artigas, depois a Santana do Livramento, por Tacuarembó, e de lá – quem sabe – a Bagé ou Aceguá, até Melo para, finalmente, chegar aqui, do outro lado do rio Jaguarão, hospedando-se ali mesmo, em Río Branco.

Se Enrique Amorim dispôs-se a atravessar a Ponte, vindo a Jaguarão, não sei; não soube nunca e não perguntei a ninguém. Desde então, muito tempo passou, apagando definitivamente de minha memória as improváveis lembranças que eu teria do autor uruguaio; e só outro dia fiquei sabendo que quem o acompanhava na viagem, como a própria razão de ser daquele longo périplo mítico sobre os coincidentes limites extremos do Norte uruguaio e do Sul brasileiro, num “país indocumentado”, era Jorge Luis Borges.

Hoje, passados de sessenta e sete a sessenta e oito anos, o anoso prédio do Hotel está transfigurado numa asséptica e arcondicionada duty free de artigos importados, onde já não sobram mais do que a bela fachada, na calle General Artigas e, pela calle General Rivera, diante do Banco de la República, a grossa parede lateral de dois pisos (nesta, não terá havido reboco nem pintura suficientes para apagar uma clara cicatriz em forma de porta, que perdura até hoje*, entre as vitrinas de baixo e sob as janelas de cima, denunciando que ali existira uma saída para a rua).   

Foto: Luis Carlos Vaz

Hoje, de Enrique Amorim já li quase todos os livros, já traduzi muitos de seus contos, já repassei grande parte de sua correspondência, já tive acesso a muitas de suas imagens fotográficas; mas, mesmo assim, não consigo imaginá-lo como ele terá sido na poltrona de vime do restaurant do hotel do Boroni, bebendo fernet-blanca. Não chego a reconhecer nas fotografias o homem sério de rosto comprido e magro, de testa alta e olhos distantes; não consigo ouvi-lo repetir qué niño guapo com a sua mesma voz que está gravada em disco e preservada pela História. 

O Henrique Amorim que me terá conhecido, eu o imaginei outro: gordo e de terno branco – como meu tio Carlos; talvez de óculos como Zé Lins; ou capaz de grandes gargalhadas por nada, como o Amorim marido de uma tia de minha futura mulher. Aquele, o que a mim me terá dito ola, aquele era outro – que não reconheço; que não era gordo nem usava óculos nem dava grandes gargalhadas; mas era muito rico, ilustrado e viajado, exatamente como o padrinho de minha irmã (o padrinho de minha irmã, esse tinha uma grande biblioteca, uma tentadora amante francesa, e passava todos os invernos no Rio de Janeiro, onde mantinha auto com chauffeur, dispondo permanentemente de apartamento no Hotel Avenida).

De Amorim, desafiam-me retratos sobre a mesa. Como reencontrá-lo e reconhecê-lo agora, nessas fotografias antigas, se nunca o encontrei de verdade ou o conheci de mentira em minhas lembranças, apesar de sempre ter guardado e resguardado em meus olvidos sua imagem? 

Esforço-me como se quisesse reencontrá-lo e reconhecê-lo nessas fotografias, de onde me olha como nunca o vi, entre gentes conhecidas e desconhecidas, homens e mulheres, sempre muito sério ou muito sorrindo, às vezes de chapéu bem posto, às vezes de cabeça descoberta, com seu mesmo cabelo penteado com gomina e repartido do lado. Uma vez está em 1943, como teria estado em Rio Branco, dois ou três anos antes, diante de mim, ao lado de seu companheiro de viagem e do padrinho de minha irmã; mas está também em 1945, encarando-me de frente, ao lado de Nicolas Guillén, Cândido Portinari e Toño Salazar; mirando-me firme como George Raft, ameaçadoramente como George Raft, bem como George Raft; e não me adianta admirar a risada aberta de todos os dentes de Guillén ou o contido sorriso de simpatia de Portinari, nem o risinho coadjuvante de Toño Salazar.



O padrinho de minha irmã, sabe-se lá de que forma, fora encarregado por Amorim de reservar-lhe habitação no hotel do Boroni, o Hotel Italiano, que todos tínhamos como um refinado estabelecimento hoteleiro. E conseguiu mais do que arranjar aposentos para Amorim e Borges: ele conseguiu que o Boroni abrisse uma porta diretamente do quarto reservado para a rua, na lateral do prédio, garantindo a privacidade dos dois hóspedes e dispensando-os de entrarem pelo restaurant do hotel.

Eu tinha, seis ou sete anos: só sei dessas coisas por ouvir contar; mas nunca as esqueci, na esperança de imaginar -- como se relembrasse -- o que foi dito e visto, aquele dia imemorável, numa mesa do Hotel Italiano, antes que a marca tumular da porta aberta na parede se transformasse no único testemunho concreto de meu encontro infantil com Henrique Amorim. E Jorge Luis Borges!
_____

* Entre maio e julho de 2010, o autor esteve sem ir a Jaguarão. Quando voltou, já não encontrou a porta, a marca da porta, a marca da porta empedrada na fachada lateral do antigo Hotel Italiano, quase na esquina, diante do Banco de la República, em Rio Branco. O prédio fora, finalmente, reformado – para atender à necessidade de esconder suas feridas e revelar sua pulcritude climatizada.  Mas restaram fotos de como tudo era; de tudo como fora antes.

Foto:Luis Carlos Vaz



Los hermanos Azpiroz, Esteban, Rufina y Simon. 
Provavelmente sentados nas poltronas de vime do Hotel Italiano 


sábado, 23 de julho de 2022

Memória das Ondas - II Onda

 


Por Thadeu Gomes

Volte sempre! Será que ainda vai dar tempo? 

Preciso encontrar rapidamente o Gilnei Ocacia; tomar um chimarrão no banco da praça, me estabilizar, pois estou perdendo as referências... 

Não, não tenho granja no Uruguai, nem fazenda no Cerrito. Estou de passagem. Fiquei sabendo que o Cléber tem um recado para me dar. Hoje, no Cine Regente, vai passar o filme dos Beatles, e eu quero estar lá. Help! O Zé Paulo, da Rádio Cultura, me chamou para cantar Certo da Pólvora, ao vivo, no seu programa. Não. Não sou artista e ainda sou tímido, fica para depois... Mas a pergunta roda e a consciência me inquere: o que você está procurando aí, cara? O seu passado, o seu presente ou seu futuro? Lembro da canção do Vinícius: Onde anda você? 

Pois é, uma coisa eu digo: viva o Black Mouse, viva a professora Edna, viva o Curuca e o Bacana! Desde sempre!

terça-feira, 19 de julho de 2022

Memória das Ondas - I Onda

 

Fisco
Por Thadeu Gomes

Distraído que estava, naquele banco de praça, das mãos de um desconhecido passante, recebi o tal bilhete que dizia: "vá atrás, siga os rastros e encontrarás..." Não sei se era um uruguaio ou um desses andantes que acabam em nossas terras por problemas complexos em seu País. Era ligeiro, e desapareceu, ali na quebrada da Rua XV. 

Subi a Barbosa Neto, passando pelo Calão e pelo Zica. Dei no Asilo das Freiras, onde lembrei do campinho de pelada. Parece que lá tem uma Universidade... Acabei dando de frente com o Colégio Espírito Santo, mas o seu Leonel não estava mais lá; no campo do Navegantes me vi guri tentando dar o meu melhor para o técnico Marçal. Na porta da Estação de trem havia uma estrela, um compasso, uma régua. Um sujeito de terno preto me disse: os desígnios celestes estão te observando... Parece que ali, aquele Olho incandesceu. 

Fui para a Vila, atrás do grande Guru. Ele já havia partido... Para as estrelas ou para a Luz... Um cara numa bike insinuou: você está longe, mas não desista! Eu pensei: dê uma chance à paz! Acreditem vocês ou não, eu sou um cara de boa! Estou com o Tomate, com o Lica e com o Oscarito! Na Avenida Beira- Rio, estive com o Rei, que disse que o quaco era bom pro peito. Onde vou encontro um, mas ninguém sabe o que procuro...! Pensei no professor Cléo, na professora Silvia e no Nilo Jorge, mas eles também, não se encontram mais aqui. Então desisti e fui pescar no Fisco. Lá tem uma santa das águas. Escutei ela dizer baixinho: volte sempre, filho! 

Eu e o amigo Too Mutch


segunda-feira, 30 de maio de 2022

Jaguarão e Lago Merín - Refúgios de Belchior na Fronteira Sul

 

Programa Café da Manhã do DCM recordou a passagem
 de Belchior por Jaguarão e Lagoa Mirim- Aqui sendo recebido na Casa de Cultura


Montevideo - Rapaz Latinoamericano

O ano era 2010 e estávamos em Montevidéu, no famoso café Tribunales, à espera de um rapaz latino-americano que, em 1976, tinha 25 anos de sonho, de sangue e de América do Sul. Nada podia ser mais surpreendente para as nossas vidas provincianas do que estar ali, à espera dele, ainda que suas canções falassem de uma América que era muito próxima ao nosso cotidiano. Éramos fronteiriços, nascidos e criados entre um país-continente de língua portuguesa (a do Camões que ele tanto conhecia: Mas ando mesmo descontente/desesperadamente eu grito em português) e um continente de língua espanhola (a que ele por diversas vezes aludia em suas músicas inesquecíveis: El condor passa sobre os Andes/e abre as asas sobre nós/Na fúria das cidades grandes/Eu quero abrir a minha voz...).

Meses antes havíamos sido contactados por um amigo que trabalha na Casa de Cultura de Jaguarão, a nossa cidade. “O Belchior esteve aqui e eu o presenteei com um cd de vocês... ele e a companheira dele disseram que queriam falar com vocês... passei o número de telefone... disseram que vão ligar... acho que voltaram para o Uruguai”.

Belchior e a Edna, assim se chamava sua companheira, tinham estado em Jaguarão, do lado brasileiro da fronteira com o Uruguai, provavelmente para que ele conseguisse receber seus direitos autorais. Isso só descobriríamos bem depois.

Após alguns dias, efetivamente, o meu amigo, parceiro de grupo musical, mandou um recado dizendo que o Belchior, através da Edna, tinha mandado uma mensagem eletrônica onde falava que queria nos encontrar. Um único detalhe: eles estavam em Montevidéu e demorariam para voltar à fronteira. Perguntavam se não era possível irmos até lá, pois tinham algo importante para propor.

Assim começava para nós uma espécie de filme de espionagem, onde tudo sempre seria em meias palavras, ou em revelações impactantes sempre adiadas no último segundo. Porém, era o Belchior e não era só o nome dele que chamava nossa atenção. Sabíamos de cor suas músicas, suas letras de rebeldia jovem e singular e, também, conhecíamos algo que poucos sabiam - ou pensávamos que poucos sabiam: suas ligações com a música do Rio da Prata. Do Uruguai e da Argentina.

Há tempos havíamos descoberto que ele havia gravado com o duo folclórico Larbanois-Carrero e com uma amiga nossa, que cantava em nossos cds, Maria Conceição. Depois outra cantora participaria nesse trabalho, a excelente cantora uruguaia Laura Canoura. Ouvíamos também uma outra ótima cantora e atriz argentina, Sandra Mihanovich, que havia gravado diversas músicas suas. E, justamente, naqueles tempos pós 500 anos da chegada de Colombo, uma das canções que embalava nossas mentes de rebeldes latino-americanos, seguidores de ícones como Mercedes Sosa, Atahualpa Yupanqui, Violeta Parra e Víctor Jara, era um contundente manifesto em defesa da América indígena, escrito por Belchior, e musicado pelo uruguaio Mario Carrero (do duo Larbanois): En America la nuestra/de açúcar, cobre y café,/ no hay motivo para fiesta,/ 500 años de qué?

Essa ligação belchiorana com o cone Sul da América talvez explique um pouco a razão de ter escolhido viver seu autoexílio no Uruguai. Lembro sempre que na minha parede de universitário, na república estudantil da cidade de Rio Grande, eu tinha a frase que marcou indelevelmente o que eu queria dizer nas músicas que eu um dia, por ventura, escreveria: O tango argentino me vai bem melhor que o blues. Eu sempre soube que não era algo contra a maravilhosa música afro-americana, claro que não. Era algo que dizia de forma genial que éramos latino-americanos, como Neruda, como García-Márquez, como Benedetti, como Guimarães Rosa. Belchior, para mim, havia dito tudo isso em uma simples frase. A dimensão disso é difícil de conceber. Muitos já disseram que o difícil é fazer o simples. E o que ele escreveu e cantou, em várias de suas obras é simples e simplesmente genial.

------

Assim, voltando ao fio da meada, lá estávamos, minha esposa, meu amigo e eu, no Café Tribunales, na plaza Independência, centro de Montevidéu, esperando há algo em torno de meia hora, quando entrou o casal. Ela, pequena e falante, ele, quase indistinguível, escondido em uma gabardina pesada, que parecia um pouco fora de contexto, pois o frio não era tanto naquele dia. A gola alta deixava ver pouco seu rosto, porém a voz, nos raros momentos em que falou, tinha o sotaque e a tonalidade nasal dos discos que ouvíamos. Essas eram características inconfundíveis. Edna falou e falou, por duas horas ao menos, dizendo que estavam sendo perseguidos, principalmente por uma emissora de televisão que os havia encontrado no centro do Uruguai. E dizia enfaticamente que não poderíamos tirar fotografias pois mostrariam onde estavam e isso seria muito perigoso para eles. E assim, colocando um clima sombrio no ambiente, seguiu falando e falando. De tudo, além de umas poucas palavras do Belchior (ele sempre chamava seus interlocutores de “professor”), eu só recordo que notamos que não tinham como pagar o que pediram. Estavam com fome e isso podíamos perceber claramente. Pagamos de bom grado o que consumiram e, ao nos despedirmos, perguntaram se não podíamos nos encontrar no outro dia, na hora do almoço. Lembrei-me que esse era o título de outra de suas canções. Ela frisou então que o Belchior só comia peixes e frutos do mar. Lembramo-nos de um restaurante na orla de Montevidéu. Ártico, isso, Ártico, no bairro de Punta Carretas. Combinamos o encontro.

No outro dia - um desses em que o céu de Montevidéu não se decide entre uma chuva fina, a famosa llovizna, e um sol de inverno - chegamos ao restaurante. Eles já estavam lá, ao fundo, em um lugar em que se podia enxergar os campos onde havia alguns uruguaios jogando futebol, fazendo pouco caso do chuvisqueiro. Era sábado, dia ideal para exercício naquela orla magnífica.

Edna novamente conversou por todos, mas de vez em quando se ouvia o Belchior falando. Ao pronunciarmos esse nome, ela pediu que mudássemos para “Antônio”. O mistério aumentava. Respeitamos seu pedido e esse passou a ser o nome usado por nós desde então. Perguntamos se comia paella, assentiu. Creio que pedimos dois pratos grandes. Passou o tempo, conversas e conversas, sem a revelação do que eles realmente queriam de nós. Chegou a hora de fechar o restaurante. Edna perguntou se podiam sair conosco à noite para algum outro restaurante. Concordamos. Afinal, era para isso que tínhamos vindo a Montevidéu. Combinamos o encontro.

À noite nos encontramos na frente da parrillada El fogón, aonde sempre íamos em nossas estadias anuais na capital uruguaia. Essa parrillada, uma das melhores de Montevidéu, fica na calle San José, atrás da principal, 18 de Julio, bem no centro da cidade. Nessa noite aconteceu, embora poucos ali percebessem, um dos maiores encontros de músicos latino-americanos da região, pois, ao lado da nossa mesa sentou uma família em que um de seus membros era Daniel Viglietti, o compositor de A desalambrar, Milonga de andar lejos, Canción para mi América, e de outras pérolas do cancioneiro latino-americano. Tínhamos o seu disco A dos voces, com o poeta Mario Benedetti. Um dos trabalhos artísticos fundamentais para quem quer conhecer algo da cultura e da música uruguaia. Belchior, ao vê-lo ali tão perto, em um gesto marcante, fez questão de se levantar e ir falar com seu colega uruguaio. Conversaram um pouco, não mais que 5 minutos, e ouvi que ele dava um “bom proveito” para os que estavam em volta da mesa do Viglietti, despedindo-se. Sobre o que falaram não sabemos. Achei que não me cabia perguntar. Gosto de pensar que falaram de alguma música, de alguma parceria possível, de outros artistas de sua geração, de amigos comuns, ou de encontros que tiveram em festivais pelo mundo.

Daniel Viglietti ao centro
Show no Theatro Esperança de Jaguarão 1998

Na saída do El Fogón, Edna pediu para que os deixássemos onde estavam hospedados. Era um pequeno e velho hotel na rua logo abaixo da San José, mais próxima à rambla (orla). Uma zona menos iluminada e um pouco menos segura. Até os dias de hoje, sempre que vou a Montevidéu, passo em frente ao lugar e relembro a cena. O hotel fica na calle Soriano, já próximo ao seu final (ou seu início), umas três ou quatro quadras do Teatro Solís e do mágico bar Fun Fun (aquele que tem a assinatura do Carlos Gardel no balcão). Antes de deixarmos o casal no hotel, que não recordo o nome, combinamos pegá-los no dia posterior para irmos até a feira de Tristán-Narvaja, no bairro Cordón, evento que sempre ocorre aos domingos sobre as ruas desse mesmo nome.

Ali, sentaram-se em um banco um pouco longe da feira, pois não quiseram percorrê-la conosco. Certamente para ele não ser reconhecido. Sem dar espaço a contra-argumentos, a Edna disse que nos esperariam para a despedida. Quando voltamos estavam ali, no mesmo lugar. Edna então pediu para que arranjássemos um lugar para eles do lado uruguaio da nossa fronteira. Foi com essa proposta na mente que nos despedimos. E partimos rumo ao Brasil, para Jaguarão, com 420 km de estrada plana, tendo a verde e bucólica campanha uruguaia em nossa visão. Essa paisagem é sempre um bálsamo para quem gosta de viajar.

Jaguarão - Lago Merín – Divina comédia humana

Lago Merín - UY - O paraíso ecológico que acolheu Belchior

Mais de dez anos já se passaram, velozes, fugazes como aqueles momentos de Montevidéu e do novo encontro, e cá estou eu, tentando juntar cacos de memórias de imagens que não deveriam ser definitivas, mas que, infelizmente, foram. Sempre pensei que encontraria o Belchior outra vez – e reviveríamos tudo outra vez (outro título de uma de suas canções) - em um show, ou em algum restaurante, talvez em Porto Alegre ou em outro local, onde ele, cercado de fãs, dando autógrafos e sorrindo por baixo do imenso bigode, reconheceria em nós os guris de Jaguarão que foram a Montevidéu encontrá-lo. Diria certamente: “Como vai, professor?”.

Creio que era julho, mas poderia ser agosto, quando fomos encontrá-los novamente. Desta vez em Rio Branco, a cidadezinha uruguaia que fica do outro lado do rio Jaguarão. O combinado por mensagem era que eles desceriam antes do terminal de ônibus, no lugar em que se fazem os documentos de entrada e saída do Uruguai, os vistos, no chamado Passo de Fronteira. Eu havia trabalhado ali e conhecia cada recanto dessa construção. Mas jamais esperava que estivessem sentados, sem malas, no banco que fica do outro lado em relação àquele que chegávamos, ou seja, do lado que aponta para Montevidéu, de onde eles tinham vindo. Por isso passamos diretamente da primeira vez, sem vê-los, e só quando empreendemos a meia-volta com o veículo, já achando que não tinham vindo no ônibus da Expreso Rio Branco, é que nos deparamos com a cena. Os dois sentados, sem nem fazer menção de estarem preocupados com uma não vinda nossa e com apenas uma única maleta como bagagem. Ainda hoje é essa a imagem que mais nos marcou de seus encontros. Ambos ali imóveis, num banco de estação, olhando para o Sul da América, para a imensa planura uruguaia. Esse quadro da memória sempre me lembra a música Carito do argentino León Gieco (para mim um Belchior, em sua versão platina): Sentado solo em um banco en la ciudad/con tu mirada recordando el litoral...

Havíamos conseguido uma casa com uma amiga de Rio Branco, Helen Noble. Seu marido havia morrido faz pouco. Ambos eram os grandes amigos que tínhamos do outro lado do rio. Estavam sempre envolvidos com questões artísticas e de integração. Pouco antes da partida do Carlitos - o marido, que era cantor de murga (maravilhoso teatro cantado uruguaio) e edil (vereador) local – o casal tinha levado o nosso grupo ao Fórum Social Binacional realizado no Chuí. Sensível, solidária, ativista cultural, ela era a pessoa indicada para emprestar uma casa para um artista como o Belchior. E assim foi, de muito bom grado, sempre magnânima, entregou-nos a chave. O lugar onde os hospedamos, Lago Merín, é um balneário tranquilo que fica a uns 20 km de Jaguarão, do lado uruguaio, como eles haviam pedido que fosse. É uma praia de água doce que só tem um movimento considerável nos meses de janeiro e fevereiro. Nos outros, ficam ali só umas duas ou três dezenas de moradores, quando muito. Assim, era certo que não teriam muito com que se preocupar sobre possíveis encontros não desejados. Quanto à alimentação, traríamos tudo o que precisassem uma ou duas vezes por semana. E podiam sempre contar com os peixes que eram pescados na noite anterior, de um ribeirinho que morava a uma quadra da casa da nossa amiga.

La casa de Helem, refúgio de Belchior no Lago Merín

Tudo correria bem, não fossem alguns senões. Mas, porém tem um porém... A casa era de praia e a Edna logo fez questão de mostrar que não estava à altura do que esperava de nós. Sempre que íamos, ela falava de uma casa melhor, mais nova. Quanto ao Belchior, posso afirmar que jamais reclamou de nada. Há que se dizer também que essa casa segue sendo alugada e que ainda nos parece muito propícia para um veraneio em um paraíso natural como é o balneário Lago Merín. Tempos depois foi a mesma casa em que viveu por 6 meses o filho do Atahualpa Yupanqui, para quem conseguimos hospedagem da mesma forma. Até hoje, O Roberto Chavero, conhecido por Coya Yupanqui, que mora na província argentina de Córdoba, fala em retornar e veranear na mesma casa.

Voltando ao Belchior. Nesses meses de convivência na fronteira, tivemos uma dúzia de encontros. Pouco mais ou pouco menos, não recordo todos. Lembro-me de alguns deles. Uma janta no restaurante do hotel, vários peixes assados na grelha, diversos passeios com ele sempre escondido no banco de trás do veículo. Tudo fica bastante difuso quando as imagens e os locais se repetem.

Lembro que ele pediu material para pintura. Em seguida conseguimos. E vimos que pintava impressionantemente bem. Anos depois o amigo, jornalista e crítico musical, Juarez Fonseca, uma das maiores autoridades sobre música do Brasil, mostrou-me algumas pinturas e desenhos do cantor, a maioria com imagens do Carlos Drummond de Andrade, os quais recebera como presente e haviam sido publicados anteriormente por uma revista e também publicados em um livro em parceria com o cartunista Mino. Eram estupendos. Aliás, esse termo “estupendo”, era um que ele utilizava bastante. Naquele então, no seu autoexílio no Lago Merín, na casa da Helen, vimos que ele fazia de cavalete uma mesinha, forrada com uma toalha de linho, onde distribuía os pincéis harmonicamente.

As pinturas do Drummond, álbum especial, presente aos leitores da revista Caras. 
 Os desenhos, livro do Belchior em parceria com o cartunista Mino.

Em uma das primeiras tertúlias que fizemos recordo que pedimos para que cantasse algo. Edna interveio dizendo que ele não podia, pois a gravadora não permitia. Em outra vez, o meu irmão, depois de cantar uma música, em um gesto espontâneo, passou o violão para ele. Foi uma expectativa imensa quando vimos que tomou o violão em suas mãos. Ela estava em outra sala, mas percebeu o que ocorria, talvez pelo silêncio expectante do momento, e chegou logo dizendo que ele não podia, repetindo que estava proibido terminantemente pela gravadora. Nunca soubemos a que gravadora se referia. Ele, constrangido, entregou o violão, concordando com ela que não podia cantar, mas completou que recitaria uma poesia do Baudelaire e prontamente nos brindou com um excerto que creio ser de Fleurs du mal, em um francês que para nós, brasiguaios, sem muito conhecimento do idioma de Victor Hugo, pareceu-nos (e devia ser) perfeito. Penso que lembrei logo, sorrindo, que era também contraditório, pois ele havia dito muito antes: Minha fala nordestina/quero esquecer o francês...

Nessas noites de encontro com eles nos fundos da casa da Helen, onde ficava a parrilla para os assados, levávamos um amigo nosso árabe, conhecido por ser bom cozinheiro e, também, por estar sempre disposto para uma festa. Era ele quem assava os peixes para o “Antônio”, descobrindo os gostos culinários do cantor. Sempre recebia em troca palavras elogiosas para o tempero e a textura dos peixes que preparava. “Estupendo”. Em uma dessas vezes, ele, para agradar, resolveu fazer uma torta especialmente preparada segundo as preferências do Belchior. Para sua surpresa, quando, depois da janta, trouxe do carro a iguaria, foi cortado abruptamente pela Edna, que logo atalhou dizendo que ele não poderia comer algo que era nocivo à sua saúde. E que ele não poderia nem mesmo ver a torta, fazendo com que o Said, o amigo árabe (chamado de turco, como todos seus compatriotas da fronteira), com a torta ainda sendo equilibrada perigosamente na mão, voltasse quase instantaneamente com a sua surpresa para o nosso carro. No momento rimos muito da cena. O “turco-árabe-palestino” não gostou nada do que ocorreu e lembra até hoje da afronta.

Por último, recordo que montamos uma estratégia. Enquanto minha esposa conversava com a Edna, eu falaria com o Belchior. Nas poucas palavras que dizia, ele sempre gostava de falar comigo sobre literatura e um pouco de filosofia. Falava que estava trabalhando em umas traduções, creio que do Dante. Como eu tinha diversos livros que poderiam lhe interessar, combinamos que eu levaria alguns para que ele pudesse retomar seu hábito de leitura. Disse-lhes alguns títulos, ele escolheu os que queria, ou que não tinha lido. A memória pode me enganar, mas se não recordo com clareza, ao menos imagino um brilho diferente em seu olhar, ou mesmo um leve sorriso.

No próximo encontro, que foi o último, levei os livros que me pediu. Pedro Páramo, Por quem os sinos dobram, Sobre heróis e tumbas... creio que eram esses. Quero, mas não consigo recordar como foi exatamente a despedida. Havia um certo clima diferente, porém nunca fui dado a percepções mais detalhistas. Tenho para mim que deve ter sido somente um “até mais, professor”, como das outras vezes.

O certo é que, alguns dias depois, recebi uma mensagem eletrônica onde o contato deles dizia:

Prezado. Falei com a Edna e com o Belchior, e eles me pediram para te enviar este recado: Agradecem pelo empréstimo dos livros e DVDs. Os seus pertences estão na casa da sra. Helen. No entanto, outros dois livros seus e um livro e canetas da sra. Helen ficaram no hotel em seu nome, onde eles disseram que jantaram com vocês uma noite. Até. Rafael.

Assim, abruptamente, terminavam os nossos encontros com o Antônio, mais conhecido por Belchior, um dos poetas-músicos-filósofos mais importantes da música brasileira e latino-americana.

Em respeito ao que nos foi pedido, jamais tiramos uma fotografia ao seu lado. Nem em Montevidéu, nem no Lago Merín. Essa não-evidência em imagens é justamente o que nos faz sentir mais próximos a ele. Tenho certeza de que se ele tivesse seguido seu caminho natural e nos encontrasse hoje em dia, certamente diria, com seu maravilhoso sotaque nordestino: “Obrigado, professor!”.

P.S.:

Tempos depois eu soube que o Belchior seguiu vivendo mais um ou dois meses no Lago Merín, hospedado por um conhecido personagem local. A prova inconteste disso era uma série de fotografias. Fotografias... e não eram 3x4. Eis a divina comédia humana. Soube também que houve um dia em que uma das músicas dele, de eterna incompreensão, de alguma forma havia se materializado em Jaguarão. Mas por favor, não saque a arma no saloon, eu sou apenas um cantor....

Nesse dia, a Leci Brandão tinha vindo fazer um show na cidade. Ao saber disso, Belchior conseguiu que o levassem discretamente de carro até a frente da Casa de Cultura, local onde a cantora estava aguardando para a hora do espetáculo que iria se realizar no Largo das Bandeiras, o ponto central de Jaguarão. Então, segundo o que me foi contado, ele pediu para alguém avisar a Leci que “o Belchior queria falar com ela”. A Leci, obviamente, ficaria surpresa com a notícia e, também, obviamente - imensamente solidária como sempre foi, ativista cultural, além de cantora da gema -, iria ao encontro do famoso colega na mesma hora. Mas qual? Um dos promotores do evento, talvez se arvorando de protetor da contratada, simplesmente barrou o mensageiro e, ainda pior, barrou a própria mensagem. Creio que a Leci nunca soube do fato e o Belchior voltou para o balneário como um simples adolescente que fora barrado em um baile. Em cada esquina que eu passava, um guarda me parava, pedia os meus documentos e depois sorria, examinando o três-por-quatro da fotografia....


Sim, Antônio, ou melhor, Belchior, tinhas razão, sempre tiveste razão. O tempo passa, as gerações mudam, mas ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais.

Martim César - Jaguarão, maio de 2022. 

sábado, 19 de março de 2022

Cine Rio Branco - Martim César

 Dedicado a la família Bittar y su pasión por el cine.

CINE RIO BRANCO (Martim Cesar)
Sabemos que já faz tempo
Mas parece que foi ontem
Quando Jaguarão em peso
Cruzava os arcos da ponte
O cine Río Branco anunciava
Outro êxito em cartaz
E três sessões não bastavam...
Todos queriam bem mais
Tinha o porteiro Patrón
Y aquel hombre del ‘franfrut’
E após duas matinés
A famosa sesión ‘Vermut’
Ver algum beijo na tela
E nas poltronas também..
No intervalo em que a lanterna
Relampeava mais além
Quantos encontros vividos
No entrevero de idiomas...
Quantos romances nascidos
Dos olhares nas poltronas!
De vez em quando se ouvia
Nomear fulano de tal
‘Su presencia se exigía...
Fulana estaba en el hall’
E ano 50... quem estava
Jamais esquece um segundo
Parou o filme... o locutor gritava:
Uruguay... ¡Campeón del mundo!
Um dia a enchente invadiu
Grande parte da plateia...
Parecia até que o rio
Também vinha ver a estreia!
O mundo ali foi conhecido
Num balão de Júlio Verne
E o outro mundo... o proibido!...
Numa sessão ‘Franja verde’ !
Poucos lembram quando o cine
Cerrou suas portas pra sempre
Mas Jaguarão ficou mais triste!
E Río Branco... mais carente!
Hoje os turistas te invadem
Sempre apressados, dispersos...
Tudo compram! Nada sabem!...
Mas já morou em ti... o universo.
Fotos: Asientos y cartelera: acervo del museo historico de Juan Carlos Muniz
Franfrut : Ricardo Hernandez.
Fachada del Cine donde estaba ya alquilada al transporte Rio Branco: Maria Fernanda Passos

MERCEDES SOSA Y UN FRONTERIZO EN PORTO ALEGRE

 

   El “Gigantinho”, estadio cerrado del club INTERNACIONAL de Porto Alegre, contiguo al “Beira Rìo” perteneciente a la misma institución, estaba abarrotado por mas de quince mil personas, ochenta por ciento de las cuales èramos argentinos y uruguayos en aquel turismo de mil novecientos ochenta. Nos había convocado la presencia allì de la cantora tucumana Mercedes Sosa, quien iba a brindarnos un èpico recital. Meses antes, se había producido la reapertura democrática en Brasil. En cambio, los países del Plata seguían atosigados por feroces dictaduras. Escuchar a un ícono de la lucha de nuestros pueblos contra los dictadores, en vivo y directo no era un espectáculo que se presentara todos los días. Mercedes había padecido en carne propia la política represiva instalada en su país por Videla y los demás genocidas. Amenazada por la organización paramilitar TRIPLE A, debió partir al exilio para salvar su vida, convirtiendo ese destino errante en una trinchera de denuncia a los salvajes atropellos padecidos por quienes vivían en su patria…. 

Yo jamás había estado en la capital de Río Grande del Sur, ese maravilloso estado que linda con nuestro país. Aquel turismo, me decidí a hacerlo. Disponía de unos cuantos pesos, y la economía brasilera era tan accesible que resultaba más barato ir a pasear allá que quedar en Uruguay, aunque fuera en nuestra propia casa. Unos días antes de partir estuve en Melo, con mi pariente Lito Abelar. Lito me dijo que también pasaría la semana en la metrópolis “gauya”."Nos vemos el sábado en la Rùa da Praia", la equivalente a Dieciocho de Julio de Montevideo”, me dijo Lito a modo de despedida…. El primer sábado de ese turismo, tomé un ómnibus en Yaguaròn y seis horas después bajé en la estación terminal de Porto Alegre. Quedé atónito por el movimiento infernal; la enorme cantidad de gente. Nunca había estado en lugar semejante (Montevideo no contaba aún con su terminal). Al rato logré ascender a un taxímetro e indiqué al chofer la dirección de un hotel económico recomendado por un amigo días antes. Mi único equipaje era una mochila donde llevaba lo esencial para pasar la semana. En un bolsillo llevaba la tarjeta del hotel, aportada por quien me lo había recomendado. Se la presenté al amable conserje, manifestándole mi intención de alojarme toda la semana allí. No pude tener peor “bienvenida”. Aquel buen hombre, con cara y palabras de circunstancias, me informó que el hotel estaba reservado para toda la semana. Y lo peor: que me iba a resultar imposible conseguir alojamiento en lugar alguno. “Porto Alegre, por la ventaja del cambio, está repleta de turistas argentinos y uruguayos. Hoy no se consigue un cuarto de hotel ni por una noche”, remató…. 

Eran las seis de la tarde. Con toda la desazón del mundo, mi cabeza comenzó a pensar en la posibilidad de retornar a la estación y tomarme el primer ómnibus que saliera hacia Yaguaròn. Palabra va, palabra viene, el conserje se percató de mi desilusión e indagó si yo tendría problemas en pernoctar, al menos esa noche en una “pensión familiar” de un conocido suyo. Ante mi consentimiento, escribió en una hoja del hotel “Plaza San Gerònimo 116”. “No le garantizo nada, pero ahí puede haber algo”, me expresó al darme la mano… 

Otro taxi, en medio de un mar de “fuscas”, transitando avenidas cuya existencia desconocía, hablando a los gritos con el chofer. Al final del viaje, el 116 de la plaza “San Gerònimo” indicaba la puerta cerrada de un viejo caserón, sin dudas construido muchas décadas antes. En aquella puerta de cinco metros de alto y dos de ancho, di dos o tres golpes con mis nudillos, hasta que la abrió un muchacho de mi edad. Con mi rudimentario portugués le hice saber cómo y a que había llegado hasta allí. El muchacho me franqueó la pesada puerta. Subí tras de él una escalinata de seis o siete escalones y se presentó como el encargado de esa “pensión”… Para consuelo, puso a mi disposición el cuarto donde èl vivía. “Mientras usted esté, yo duermo en ese sofá”, me dijo. Bárbaro!!!!!! Tenía alojamiento, aunque ignoraba por completo que lugar de la ciudad era aquel. El precio era de risa: a valores actuales, debían ser cien pesos el día, con baño compartido pero prolijo. Una vez me bañé para sacarme el cansancio, me dirigí al “dueño de mi hospedaje”. Eran las siete de la tarde. “Voy a dar una vuelta, le expresé. Donde queda Rùa da Praia?”. “Queda acá cerca, pero la pensión cierra a las ocho y luego no se puede entrar”. Se me cayó el mundo encima. Así que a las ocho se terminaba mi noche, para recluirme como un monje en aquel “convento” de principios del siglo veinte!!!! 

Pensión San Jeronimo
Pensión San Jeronimo

Con ese panorama, siete y pico de la tarde, me dirigí hacia “Rùa da Praìa”, que estaba allí, a cuatro cuadras según información de mi casero. Cuando mis pasos llegaron a ese lugar, la visión de la calle fue surrealista. Nunca se irá de mis retinas. Era, como había dicho Lito Abelar, la “Dieciocho de Julio” de Montevideo. Pero sin vehículos, llena de gente. Aquello parecía un acto de cierre de campaña del FRENTE AMPLIO!!!!!! Aparte de no encontrar a nadie, lo más probable era que terminara perdiéndome en medio de aquel gentío. De inmediato me percaté de que estaba siendo víctima de una broma del genial humorista que es Lito… Me sumergí en aquella multitud. Llevaba tres o cuatro cuadras caminando, sin saber aún donde estaba, cuando alguien me toma del brazo. Era “Lito” Abelar!!!!!! Hasta ahora no he logrado saber cómo se dio esa casualidad. Siete y pico de la tarde, ya tenía que volver a mi “alojamiento” antes que cerrara…. Sin poder dar crédito a esa enorme prueba de que el azar existe, le narré a Lito la absurda situación que estaba viviendo. Pronto serían las ocho y yo debía estar en la pensión, de lo contrario no tendría donde dormir. Había decidido que al otro día regresaba a Uruguay…. 

En eso estábamos cuando veo aparecer a Mónico Aguilera, un amigo guitarrista de Melo, radicado desde hacía añares en Brasil. Al gritarle, se arrimó, y luego del abrazo, ofreció acompañarme a mi alojamiento y buscarle alguna solución a aquel problema digno de Kafka… Con su auxilio, logré que el muchacho encargado de la pensión me facilitara una llave de la puerta de calle. Aquella enorme pieza de cerrajería que me entregó, digna de un museo (casi veinte centímetros de largo y un peso aproximado a los cien gramos), me iba a posibilitar la entrada y salida a la hora que quisiera…. Cambió mi ánimo; se transformó la noche; mudaron las perspectivas. 

Estaba instalado en un alojamiento que se ubicaba en pleno centro de Porto Alegre, pagando un precio ridículo por el mismo. Tenía dinero para pasar un año en aquellas condiciones…. Dejé la mochila en el cuarto, le pedí orientación a mi casero sobre donde ir a cenar, y salí a recorrer la noche “portoalegrense”. Como primer paso, al ir a la “Rùa da Praìa”, constaté que ésta seguía igual de llena. De Lito Abelar ni rastro. Por allí encontré una enorme churrasquería, llena de gente. La mayoría hablaban en castellano, por lo tanto no había dudas que se trataban de turistas "platenses". Luego de tomarme dos whiskies, comí un exquisito asado a las brazas, pagando por todo ello algo así como veinte pesos actuales… En un diario que el mozo me alcanzó leí que allí cerca se exhibía la mítica película “Estado de sitio”, filmada por el griego Costa Gavras, y cuya trama narra la lucha de los tupamaros contra el gobierno y ejército uruguayos en 1970. En aquel entonces, se organizaban excursiones de uruguayos a las ciudades brasileras donde era exhibida dado que en nuestro país, si la dictadura seguía gobernando, jamás iban a permitir pasarla…. Esa noche disfruté con la cena “regalada” en aquella churrasquería y luego mirando como los tupamaros hacían justicia con Dan Mitrione, en la magistral obra de Gavras, con música de su compatriota Theodorakis…. 

Próximo a la media noche, regreso a mi “hogar riograndense”. Buen abrigo para la temperatura que el otoño trae a este lugar del mundo en esa época, me acosté a dormir, pletórico de sensaciones, pero más que nada de LIBERTAD SIN DICTADURA!!!! A las seis y pico de la mañana, me despierto al escuchar músicas de acordeones, de guitarras, de cantos propios de la región donde estoy enclavado. Con asombro e incertidumbre me arrimo a una ventana de mi cuarto, que daba a un amplio patio interior de aquel caserón: allí estaban varios “gauyos”, ataviados con sus ropas características, afinando sus instrumentos, cantando, tomando mate y caña brasilera, entre bromas y chanzas. Mi pensión resultó ser un recinto donde se alojaba esa buena gente del interior riograndense, que concurría a la capital a participar de las criollas a realizarse en “Esteìo”, el símil a nuestra semana criolla del Prado montevideano… Una tarde me arrimé al fogón donde se elaboraba un exquisito asado. Al presentarme, me preguntaron si con esa voz, trabajaba en radio o era cantor. "Ninguna de las dos cosas. Aunque a veces, en ruedas como ésta, luego de tomar algún trago y si tengo quien me acompañe, me animo con alguna canción". Ante ello, luego de tres o cuatro copas, comencé a canturrear. No faltó un brasilero que se ofreció a acompañarme con su guitarra, para culminar con "GUITARRERO VIEJO", una de mis preferidas de Zitarrosa, recibiendo un estruendoso aplauso por parte de aquel selecto auditorio.... 

Esa tardecita, voy al hotel “cinco estrellas” donde estaba Lito Abelar, a escasas cinco cuadras de San Gerònimo 116. “Esta noche canta Mercedes Sosa en el “Gigantinho”; ya tengo entrada para vos”, me dice el querido pariente, a modo de saludo… Allí fuimos. De entrada, el clima era alucinante. Miles y miles de uruguayos y argentinos haciendo cola para entrar. Banderas de ambos países del Plata. Y aunque nos pareciera un sueño, banderas de nuestro FRENTE AMPLIO, tantos años escondidas…. Nos sentamos anhelantes de escuchar, de participar de aquel acontecimiento mágico, sabiendo que éramos participes directos también de un hecho inédito. Subió Mercedes con su bombo, sus acompañantes en guitarras, charangos y otros instrumentos. “Queridos hermanos, acá estamos con nuestro canto; con nuestro mensaje de libertad. Sabemos que la mayoría de ustedes son argentinos y uruguayos. Bienvenidos”, palabras más, conceptos menos, así comenzó su concierto…. Cuando ya a los uruguayos nos había hecho llorar a lágrima viva al interpretar “El violìn de Becho” y hacerle un homenaje conmovedor a ALFREDO, sonó el estruendo de una bomba en medio de las tribunas, para de inmediato nuestros ojos comenzar a sentir un escozor brutal. La derecha no dejaba de pasar boleta a semejante expresión popular y atacaba arteramente haciendo explotar gases lacrimógenos para interferir en aquel concierto único… 

Mercedes, con un dominio absoluto del escenario, ordenó encender las luces de todo el estadio. “Claridad, por favor, claridad. Los lobos traicioneros se escudan en la sombra”… 

LALO LARREGUI / SETIEMBRE 2015

Clandestino - Gilberto Isquierdo e Said Baja

  Assim como o Said, milhares de palestinos tiveram de deixar seu país buscando refúgio em outros lugares do mundo. Radicado nesta fronteir...