quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Poesia na Mesa: para comer, degustar e sentir


A Mandinga Arte Literatura tem como um dos objetivos fomentar a discussão, o debate, a reflexão e o intercâmbio com temas relacionados à poesia. Pensando nesta importância em compartilhar e expressar em forma de conversas e experiências poéticas, foi criada a ação “Poesia na Mesa”, que consiste em três encontros, dois na Bibliotheca Pública Pelotense e um no Casarão 06, durante a 41ª Feira do Livro de Pelotas, com diferentes temas postos à mesa.

Atividade com debates em torno da poesia traz o cotidiano de três autores na primeira edição.

Pensar a poesia como parte da vida de cada poeta, explorando as suas mais diversas formas de vivências, é uma das propostas da primeira atividade do Poesia na Mesa. Abrindo com o tema “Lugar Comum – Vida e Movimento”, três poetas de diferentes formas e relatos, estarão compartilhando suas experiências e suas excitações com a poesia no seu cotidiano.

A primeira noite da ação Poesia na Mesa, terá como convidados os poetas: Álvaro Barcellos, Marília Kosby e Valder Valeirão. Com mediação de Junelise Martino, o evento ocorre na Bibliotheca Pública Pelotense, às 18h30, do dia 2 de Novembro (sábado). 


O quê: Poesia na Mesa – Lugar Comum – Vida e Movimento.
Quando: Sábado, 2 de Novembro de 2013.
Onde: Bibliotheca Pública Pelotense, às 18h30

Realização: Mandinga Arte Literatura

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Pessoas que marcam uma cidade

Desfile da SAC abre o Carnaval na sexta-feira

De vez em quando fico pensando nas coisas de minha cidade. Dos eventos, das situações interessantes. E começo a observar que em muitos acontecimentos que viraram tradição, acabamos identificando pessoas que foram muitas vezes "pivôs" para que eles se propagassem. Acho importante reverenciá-las. Eu costumo chamar estas de "pessoas estrela". Pois passam por algum lugar e deixam marcas iluminadas. Claro que, em geral, grandes coisas não se faz sozinho, mas com certeza estas coisas não saem do papel se alguém não se proponha a dar o "pontapé" e dizer "vamos".

A partir daí, vou citar dois exemplos daqui da região do Rio Jaguarão, que me traz à mente uma pessoa que teve participação fundamental para que estes eventos surgissem e se tornassem o que são hoje.

Começamos então por aquele que se transformou na Abertura Oficial do Carnaval de Jaguarão. O desfile da SAC, Sociedade Amigos do Coronel, idealizada pelos filhos do "Coronel Lima" e amigos, no comecinho dos anos 80. O coronel Lima, ou Major Lima como o conhecia na época, foi meu professor de Matemática Financeira, aliás fantástico professor. De uma simples brincadeira, uma "Rainha das Piscinas", só que com homens vestidos de mulheres, se transformou nesta imensa festa que acontece todos os anos na sexta de carnaval. Já o outro evento vai aparecer por volta de 2005, no Balneário Lago Merin (aqui no lado Uruguaio) com uma festa na casa de um dos filhos do "Coronel Lima", que pela envergadura que foi alcançando, passou a ser organizada em outros locais bem como a participação de outros grupos, além dos "vecinos del Lago", também o Poder Público. Hoje tornou-se, nada menos, que a abertura da temporada de verão na Lagoa. Para quem acompanha vai perceber uma multidão que desfila pela principal rua do Balneário, muita música e com direito a vários Shows, que começam bem cedo e vara a madrugada. Trata-se do Luau no Balneário Lago Merin, aqui do lado uruguaio.

Para aqueles leitores que conseguem visualizar estes dois acontecimentos, não tenho dúvida que vem logo à mente a figura do amigo Kiko Lima. Este nosso conterrâneo esteve na articulação e criação destes dois eventos que "simplesmente" abrem dois grandes acontecimentos da região: O carnaval de Jaguarão e a Temporada de Verão no Lago Mirim. E tem outro, tão significativo como os citados. A limpeza anual do Rio Jaguarão organizada em conjunto com o Rotary e voluntários. 

Assim, aproveitei este espaço do Gente Fronteiriça para agradecer e reverenciar esta simples e grande personalidade da fronteira: Francisco "Kiko" Lima.

Carlos José A. Machado (Prof. Maninho)

Publicado na Coluna Gente Fronteiriça do Jornal Fronteira Meridional em 23/10/2013 


sábado, 26 de outubro de 2013

ZH - Aldyr Garcia Schlee fala da presença da fronteira em sua obra

Aldyr Garcia Schlee trata da fronteira imaginada em sua literatura na sétima entrevista da série

Foto: Fernando Gomes / Agencia RBS

"Meus personagens são os rejeitados", diz escritor

Carlos André Moreira
carlos.moreira@zerohora.com.br

Em três décadas de uma carreira paciente, Aldyr Garcia Schlee tornou-se um dos grandes contistas do Estado. Nesta sétima entrevista da série, ele fala da Fronteira imaginada de sua literatura.


Zero Hora — Seu primeiro livro sai em 1983, em uma época em que o senhor já contava por volta de 50 anos e tinha uma carreira como ilustrador e artista gráfico. Por que tão tarde?
Schlee — Acho que porque, naquela época, não havia muita oportunidade de publicação, ao contrário do que acontece hoje. Era caro e impensável alguém se lançar literariamente mandando imprimir por conta seu próprio livro. Não passava pela minha cabeça isso. Por isso, concorri em alguns concursos literários, em todos com alguma marca que me incentivou a continuar. Tentei primeiro aqui no RS, com um livro chamado Jaguarão e o Resto do Mundo, que ganhou menção honrosa. Depois, concorri duas vezes ao prêmio José Lins do Rego, também com um livro chamado Jaguarão Universo, em que, de certa maneira, recolhi uma parte do Jaguarão e o Resto do Mundo, e esses dois acabaram sendo publicados posteriormente em cada uma das partes do Contos de Sempre. Então, eu esperava uma oportunidade de publicar.

ZH — Contos de Sempre e Uma Terra Só, seus dois primeiros livros, parecem comungar de um propósito comum: mostrar a fronteira como uma região de identidade única no tempo, no caso de Contos de Sempre, e no espaço, em Uma Terra Só. Foi um projeto consciente?
Schlee — Eu não gosto de dizer que eu tenha um projeto literário, que tenha pretendido exatamente: “vou fazer assim”. Não consigo entender nenhum colega meu, nenhum autor que tenha um projeto literário, não creio nessa definição. Comigo, o que aconteceu foi que eu tinha esses dois livros de contos que haviam vencido concursos, e os dividi no primeiro livro, mas tinha o impacto do tempo decorrido, e eu os inverti no volume, a seção que eu denominei Contos de Ontem eram os mais recentes, e os Contos de Hojeeram os mais antigos. Essa era uma perspectiva estritamente temporal. Já no livro seguinte, Uma Terra Só, eu tinha pretensão de fazer o leitor atentar para um mundo que não é o verdadeiro, e sim o meu mundo imaginado, meu mundo literário, que eu pretendi conquistar e acabei por ele conquistado, porque não tenho condições de sair dele.

ZH — É estranho o senhor falar na ausência de um “projeto”, já que os seus livros caracterizam-se por uma unidade temática (O Dia em que o Papa Foi a Melo, Contos de Futebol).
Schlee — São livros em que trabalho em cima de uma tese. Há um determinado momento nesse meu mundo literário em que descubro alguma coisa para desenvolver em forma de tese, para demonstrar ao leitor minha visão de mundo. Nesse aspecto, há um certo conteúdo pedagógico. É uma pretensão grande, mas eu vejo assim. Então, quando eu parto para um livro como O Dia em que o Papa Foi a Melo, estou perplexo diante dessa visita do Papa, sendo o Uruguai um país laico declaradamente. Não só porque está expresso na Constituição, mas porque o Uruguai é laico de fato, e em 1904 já não havia mais crucifixos em repartições públicas, uma discussão que fomos ter agora aqui no Brasil. Sabendo que nesse país laico, na sua zona mais pobre, paupérrima, o papa iria fazer uma visita, fiquei atônito. Então resolvi não ir a Melo no dia 8 de maio de 1988, o dia em que ele foi. Mas fui na semana seguinte. E consegui entrevistas e toda uma documentação para escrever um livro de contos.

ZH — O Dia em que o Papa Foi a Melo é um relato da visita da maior autoridade da cristandade ao Uruguai, mas o primeiro conto, o que abre o livro, enfoca um padre em crise de fé que decide não ver o papa. É a representação desse confronto que o deixou perplexo entre a figura do papa e a laicidade do Uruguai?
Schlee — Exatamente. Esse padre, que, de certa maneira, sou eu, vai negar tudo, mesmo com todo seu conhecimento do cerimonial religioso. Ele não nega apenas a questão da visita do papa, o que é elementar, superficial. Ele contesta tudo, e isso está representado em pequenos detalhes de sua indumentária, da desolação do espaço onde ele vai se meter, uma paisagem à qual o Papa não iria. Tudo isso está pesando em um conjunto do qual tentei fazer a receita desse conto, que é, de fato, uma história chave do livro. Depois tem algumas coisas no livro, como a negação do milagre, da possibilidade de um milagre... Eu não escrevi na ordem em que pus, fui alinhavando até chegar ao Conto do Turco Jaber, que é um conto louco, que denuncia, entre outras coisas, essa questão da gauchidade. Porque nós temos uma dificuldade muito grande de sermos sul-rio-grandenses. O gentílico é dominado pela palavra “gaúcho”, que se tornou sinônimo. A distância é tão grande entre o gentílico e o significado maior da palavra “gaúcho” que escandaliza.

ZH — Por que o conto? Ao longo de décadas de carreira, o senhor escreveu um único romance, e um livro de contos que se interligam, mas permaneceu focado na forma curta. Essa preferência é uma questão de fôlego literário?
Schlee — Acho que sim. Tem aquela ideia do Cortázar de que o conto é um punch, como no boxe, no qual a gente luta com o leitor e tem a chance de ganhar por nocaute. No romance, a gente ganha por pontos. Acho que por trás disso está a capacidade que a gente possa ter de tratar de um assunto de modo a manter o leitor preso a cada parágrafo ou a cada página.  O conto me garante também a proximidade do final. É um tiro curto, são mil metros no máximo, numa cancha reta, uma carreira de fôlego curto.


ZH — E o que o leva a Don Frutos, um romance de 600 páginas?
Schlee — Eu não tinha alternativa. Estava atulhado de informação e comprometido com a necessidade de abordar o fato de que Fructuoso Rivera, duas vezes presidente do Uruguai, esteve em Jaguarão, minha terra... Um sujeito desses passando pela minha cidade não pode me escapar. Então eu tive que me atirar em cima dessa história, com a ajuda de um pesquisador chamado Amilcar Brum, que se deu ao trabalho de ir a Montevidéu para desencavar tanto material que eu poderia ter escrito três livros, separando por temas. Por exemplo, coisas que não aparecem muito no livro, como a intervenção brasileira, uruguaia e argentina no Paraguai, que não está lá porque o Rivera morreu antes. Mas eu tinha o tema do Rivera em Jaguarão e por ali fiquei.

ZH — Don Frutos parece singular não só pela extensão. É a única história em que o senhor enfoca diretamente uma figura de poder. O fato de Rivera estar doente quando chega a Jaguarão foi o elemento que tornou esse vulto “humano” para ser abarcado pela sua ficção?
Schlee — Exato. No primeiro capítulo do Don Frutos, a decadência física dele é notória, com o homem se mijando, dependendo da mulher e de um outro cara para ajudar a se movimentar, sem ter mais nada. E adiante no romance, a morte do Rivera pode ser lida de várias maneiras, até mesmo por quem domina a grande literatura uruguaia moderna, ao saber que aquele militar que era o secretário particular do Rivera, Onetti, era de fato parente do Juan Carlos Onetti. Há um falso diálogo final, no qual Rivera se refere a seu ajudante Capitão Onetti, que é feito com uma colagem de textos do Onetti escritor.

ZH — Havia, então, uma dificuldade em lidar com o caráter biográfico da narrativa de um símbolo político, dificuldade expressa na estrutura do livro?
Schlee — Tem outras coisas, como por exemplo a vinculação com os índios, ou o fato de ele os ter traído ou não, aquela famosa matança dos charruas. Eu estava sempre no fio da faca. O que eu tenho de documentação real do Rivera, conseguida pelo Amilcar Brum, são papéis do governo, da Assembleia Constituinte, da Câmara, do Senado, das igrejas. Agora, biografias do Rivera, eu tive que repassar todas as que havia disponíveis. Para as escritas pelos blancos, o Rivera era um bandido, ladrão, safado. Para os colorados, era um herói nacional, fundador do país. Eu tive que ficar em cima disso, e em nenhum momento pretendi que o leitor acreditasse que ele era bom ou mau, eu queria, como fiz em toda minha ficção, fugir do  maniqueísmo.

ZH — O senhor é conhecido no Rio Grande do Sul e no Uruguai, mas não no Brasil. Crê que paga o preço por lidar com um território ficcional tão restrito?
Schlee — No Uruguai eu sou considerado autor uruguaio, e fiz parte de uma coleção publicada pela editora Banda Oriental. Mas eu não quero me enganar em cima de proporções. Se em um país com 3 milhões de habitantes e um território menor do que o RS, se lá eu sou muito mais conhecido, proporcionalmente, do que no Brasil, é porque não há proporcionalidade cabível entre Brasil e Uruguai. A minha literatura, que pode ser muito conhecida dentro do Uruguai, é virtualmente desconhecida no Brasil, primeiro pela dificuldade temática. O meu mundo literário tem pouco a ver com o Brasil. E não sairei desse mundo em um esforço falso para ganhar leitores, porque se eu deixá-lo, estou perdido.

ZH — O senhor lida com o lado B da mitologia da formação do território. Quando lança Contos de Futebol, esse olhar se dirige ao lado avesso de outra mitologia, esta contemporânea, a do futebol. Foi um passo consciente?
Schlee — Não, eu queria apenas escrever um livro de futebol. A explicação está em um conto chamado Encanto de Futebol, cujo título diz tudo. Esse “encanto de futebol” contaminou uma série de coisas relacionadas à minha vida, o encanto com o futebol uruguaio em particular. Por isso esse livro saiu como Cuentos de Fútbol primeiro no Uruguai. É um livro uruguaio,  ainda que não tanto como o Limites do Impossível e principalmente O Dia em que o Papa Foi a Melo.



ZH — Em Contos de Verdades,  o senhor escreve “causos”, mas os chama de “verdades”, mesmo sendo histórias que se apresentam como verdadeiras, mas podem não ser.
Schlee — Eu não havia pensado nisso, mas é assim mesmo. Eu estou falando de “verdades” nesse livro mais ou menos do mesmo jeito que se desenvolvem os “causos”, as “fofocas”, para usar uma expressão mais vulgar, e que dão origem à construção de uma verdade que não é necessariamente verdadeira.

ZH — Em Contos de Sempre e Uma Terra Só seus personagens se expressam em uma mistura de espanhol e português, como na fronteira. A partir deLinha Divisória, não apenas o personagem no diálogo, mas o próprio narrador deixa um idioma contaminar o outro. Por quê?
Schlee — Eu aprendi que é possível o narrador assumir a maneira de ser do personagem, deixando de narrar à sua própria maneira. Então, no momento em que estou fazendo uma narrativa referente a um personagem, eu me sinto autorizado a usar esse recurso. Porque há uma dificuldade muito grande para qualquer autor que, como eu, trabalha com personagens rústicos, geralmente pobres, sem educação formal, como são os párias. Os meus personagens são os rejeitados da sorte. Essas pessoas não têm a minha formação, mas têm seu próprio modo de pensar. E quando tento reproduzir o pensamento deles, eu me sinto autorizado a usar esse recurso. É uma coisa que eu vejo que enriqueceu muito a literatura do Simões Lopes Neto, por exemplo.

ZH — Os Limites do Impossível: Contos Gardelianos é um livro em que o senhor mescla conto e novela ao narrar uma trama única tecida das histórias das mulheres que orbitaram o pai de Carlos Gardel. Como chegou a essa história?
Schlee — Essa história eu resolvi escrever no momento em que tive certeza de que era preciso denunciar as arbitrariedades do então presumido pai de Carlos Gardel a partir de tudo o que ele fez na política do Uruguai, mas particularmente em relação ao nascimento desse filho, fruto de estupro e incesto. Então achei que a narração não deveria se referir diretamente a ele, mas às mulheres que tiveram a ver, direta ou indiretamente, com o nascimento de Carlos Gardel.

ZH — O Dia em que o Papa foi a Melo e Os Limites do Impossível, a bem dizer, anteciparam respectivamente O Banheiro do Papa, longa ficcional de Cesar Charlone, e o documentário El Padre de Gardel, que teve uma sessão recente na Capital. Como vê essa circunstância, uma vez que em ambos os casos não parece ter havido menção a seu tratamento anterior do tema?
Schlee — O que eu fiquei estranhando é o quanto sou desconhecido. O Banheiro do Papa tem uma história que poderia ser inspirada no Conto V de O Dia em que o Papa Foi a Melo, também chamado de Melo Era uma Festa, com todas aquelas decepções dos personagens... O clima é o mesmo, os acontecimentos correspondem, os caras que fizeram o filme tiveram o mesmo sentimento que eu tive de identificação com aquelas pobres pessoas que gastaram os últimos centavos que tinham, mataram um leitãozinho de estimação roubaram uma capivara para poder oferecer comida aos brasileiros, porque ia ter 40 mil brasileiros lá. Eram pessoas não à procura de um milagre, mas buscando criá-lo, e foram frustradas. O papa passou, virou lixo tudo aquilo. O filme mostra uma ideia que está lá no meu conto, a de alguém que pensa em fazer uma latrina. Mas o protagonista não está no conto, a guria que queria ser radioatriz não está no conto, e aqueles personagens me emocionaram às lágrimas. Não tenho do que reclamar, fico feliz que tenham feito um filme tão bom. Esse documentário do Gardel eu não vi. Os fatos, os acontecimentos históricos que sustentam a minha ficção no caso dos Contos Gardelianos, são comprovados e são os mesmos que devem ter sustentado o documentário. Não tenho como me queixar de nada. Só fico com pena que estejamos tão perto e tão longe do Uruguai ao mesmo tempo, o que comprova que meu mundo literário é limitado e distante.

ZH — Contos da Vida Difícil, seu livro mais recente, retrata um momento em que Jaguarão se torna ponto de passagem do tráfico de mulheres – na sequência da construção da ponte que liga a cidade a Rio Branco, no Uruguai. Havia a intenção de confrontar essa ponte, signo de passagem, com a situação dessas mulheres, presas à prostituição no município?
Schlee — Bem observado. Se há alguma possibilidade de encantamento com esse tema, como também em relação ao futebol, é no fato de ser um assunto que Jaguarão considerou necessário esconder e fazer de conta que não é parte de sua memória. Isso aconteceu de uma forma que eu não procurei explicar, porque eu próprio não encontro explicação. Por que esses fatos raramente respingaram algumas famílias de Jaguarão? Por que a maioria das pessoas de Jaguarão esqueceu disso? Por que não se fala que o cabaré que foi tão importante, o do Tomazinho, ainda existe como prédio pertencente a um clube social, o Instrução e Recreio? Os sócios se envergonhariam de dizer “aqui funcionou um cabaré”? Não sei se terá sido isso, mas os acontecimentos eram tão contraditórios que em cima deles eu tinha de construir algo.

ZH — O primeiro conto desse livro, Carnet de Divertissement, é sobre um caderninho de nomes dos clientes dos cabarés. E o senhor o compara textualmente a um “caderno de venda”. Essa frase tem o intuito de equiparar as mulheres ali escravizadas a mercadorias de comércio, ?
Schlee — Sim. Ao citar os fregueses cujos nomes aparecem nesse caderno, estou denunciando que muitos deles viraram nomes de rua e é melhor nem seguir adiante. É uma justificativa em parte para essa minha narrativa estar rompendo com esse pacto de silêncio e esquecimento.

Os livros
 Contos de Sempre (contos, 1983)
 Uma Terra Só (contos, 1984)
 O Dia em que o Papa Foi a Melo (contos, 1991, publicado primeiro Uruguai, em espanhol, e editado no  Brasil, em português, em  1999)
 Contos de Futebol (contos, 1997)
 Linha Divisória (contos, 1998)
 Contos de Verdades (contos, 2000)
 Os Limites do Impossível: Contos Gardelianos (contos, 2009)
 Don Frutos (romance, 2010)
 Contos da Vida Difícil (contos, 2013)

Fonte: http://zerohora.clicrbs.com.br    Série obra completa26/10/2013 

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Poesia de Cordel no Sarau BPP



Projeto Sarau Poético-Musical da Bibliotheca Pública Pelotense (BPP) chega, na próxima terça (29), à sua 35ª edição. Com encontros mensais - sempre na última terça do mês - o projeto abre espaços para autores-poetas e músicos da cidade e região , além de apresentar um tema ou autor em destaque. Na edição de outubro , o tema destacado  é a poesia de cordel , manifestação típica da cultura popular do Nordeste brasileiro. A fala sobre  o tema abre o evento que, na sequência, apresenta blocos alternados de música ao vivo e poesia recitada pelos  autores convidados.Entrada franca e início às 19:30 horas, no salão térreo da Bibliotheca.
 
CONFIRA PROGRAMAÇÃO E CONVIDADOS
 
O QUE - 35ª edição  do Projeto  Sarau Poético-Musical BPP.

QUANDO E ONDE - 29 de outubro de 2013, no salão térreo da Bibliotheca Pública Pelotense. Entrada franca. Inicio às 19:30 horas.
 
TEMA EM DESTAQUE
Poesia de cordel
 
MÚSICA AO VIVO
Ricardo Petrucci, Marcela Mescalina e Lucas Barcellos
 
POETAS/ AUTORES CONVIDADOS
Alvaro Barcellos
Gil Fernandes
Sérgio Christino
 
CONVERSA SOBRE O TEMA EM DESTAQUE
Tabajara Rodrigues de Carvalho
 
PARCEIROS INSTITUCIONAIS
Confraria dos Poetas de Jaguarão
Curso de Relações Internacionais / UFPel
Faculdade de Educação / UFPel
Centro de Letras e Comunicação/ UFPel
Instituto Estadual de Educação Assis Brasil
RádioCOM.104.5FM
Grupo de Estudos em Leitura Literária/UFPel
 
 
Realização
Bibliotheca Pública Pelotense
 
Coordenação Projeto Sarau Poético BPP
Daniela Pires de Castro
Getulio Matos
Mara Agripina Ferreira
Pedro Moacyr Perez da Silveira

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Calmaria

Fotografia Araquém Alcântara


Vejo as luzes do navio, não sei se é cedo ou tarde, ainda não dormi.

De certo modo tenho ciúme dele, pelo fato de que tem um porto aonde chegar.

Olho pra ele: claridade em meio à escuridão; presença no vazio; imponência na simplicidade; Gigante que rasga o céu de Poseidon, mas que se obriga a ser guiado por um simples rebocador.

Algo me atormenta e não é a tormenta que se anuncia. Os clarões dos raios se confundem com os lampejos de lembranças...

O mar me parece doce, se comparado com o gosto das lágrimas que derramei... na verdade, ainda derramo.

E junto delas vem uma tormenta pior do que as do alto mar... a tempestade que um coração inquieto provoca... e eu, um nau à deriva, tenho ciúmes de um barco, só porque ele tem um porto para lhe fazer abrigo.

Um porto que espera por barcos, por outros barcos talvez... não sei dizer.

Ainda espero que venha a calmaria.

Jorge Araújo Azambuja
(Rio Grande,19/12/2012)

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Salve 15 de outubro, Dia do Professor!

O educador Paulo Freire dizia que “a escola é o lugar onde se faz amigos”. De fato, foi na escola que fiz grandes amigos, pela troca de experiências, no estudo, no aprender a ouvir e na vontade de fazer sempre o melhor e por acreditar que cada vez mais temos muito para fazer juntos, porque caminhamos na busca de um ensino de qualidade. O amor que se tem ao que se faz, transborda e contamina. Professor que não gosta do que ensina, por “n” razões, ou que está insatisfeito com seu trabalho, sua instituição, deixa evidente essa insatisfação em sua prática, e assim, ora pega leve ora pega pesado: -Vocês verão na hora da prova...Atitude como esta pode ser vista de duas maneiras:

A de conformismo, ou seja, se está bem desta forma, tem dado certo, por que mudar? Se não sou cobrado, por que me mostrar? Se meus alunos não são responsáveis, não cumprem seus deveres, por que eu o farei por eles?

A de reflexo, a ideia de que o professor é espelho, sempre. Trazemos, embutidas em nossa prática, reminiscências do que vivenciamos como alunos. Lembra-se de um professor iniciava a aula com um poema, um pensamento? Que tenha sido amigo, compreensivo, criativo, “mão de ferro”, ditador, ou desafiava sempre com perguntas inteligentes, que encantava com histórias contadas de forma emocionante? Veremos que poucos ficaram em nossa memória pelas coisas positivas que nos passaram ou até as negativas.

Lidamos com jovens e/ou crianças cheios de sonhos, ideais e expectativas em relação ao conhecimento que construirão, e infelizmente, se veem sufocados por uma prática pedagógica ineficiente e reprodutora que não os leva a criar, a pensar e a agir de maneira construtora, que acrescente algo mais a sua vivência. Quantas vezes somos desafiados por nossos alunos quando, na verdade, nós é que deveríamos desafiá-los para a construção do conhecimento?

Para Rubem Alves “um bom professor deve ser um mestre de analogias”, pois a analogia é um importante artifício do pensamento, que permite caminhar do conhecido ao desconhecido. Um professor pode ser um ‘contador de histórias’, quando na prática utiliza o discurso monológico, ou ser um professor ‘polemizador’ de histórias, que na prática permite o diálogo, o desafio, a inovação, que transforma a sala de aula em uma comunidade de investigação e diálogo permanente. Se adaptar os programas previstos às necessidades dos alunos, se fizer as conexões com o cotidiano e o inesperado, talvez avancemos no conceito de aprender a aprender.

Zeca Baleiro, canta que “é mais fácil cultuar os mortos que os vivos, mais fácil viver de sombras que de sóis, é mais fácil mimeografar o passado que imprimir o futuro...” “Escola é o lugar onde se faz amigos, não se trata só de prédios, salas, quadros, programas, horários, conceitos...Escola é, sobretudo, gente, gente que trabalha, que estuda, que se alegra, se conhece, se estima. O diretor é gente, O coordenador é gente, o professor é gente, o aluno é gente, cada funcionário é gente. E a escola será cada vez melhor, na medida em que cada um, se comporte como colega, amigo, irmão.” (Paulo Freire)

Professora Analva Lucas Passos

Publicado na Coluna Gente Fronteiriça do Jornal Fronteira Meridional em 16/10/2013


quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Rebenqueador

Fotografia Daniel Giannechini

um certo Caboclo DaMatta me disse
que um tal de Simões Lopes Neto
deixou escrito numa nota promissória
que o rebenqueador
“o rebenqueador..., eram os olhos!”

então me pus a pensar
ainda arrepiado
arredio a qualquer chibatada
que se o rebenqueador eram mesmo os olhos
meu amigo Caboclo
a lágrima era a pele marcada.



Daniel Moreira



sábado, 12 de outubro de 2013

A gaita de boca, instrumento sem cátedra, foi som dos deuses para Edu Nadruz

Por 

Eduardo Nadruz - O Grande EDU DA GAITA
Geralmente não trago dados biográficos, porém esse texto, de Eduardo Nadruz Filho, é absolutamente tocante e não poderia deixar de aqui estar. Ressalte-se, com ênfase, a última frase proferida por Edu da Gaita: A MÚSICA FOI A RAZÃO DA MINHA VIDA.

BIOGRAFIA BASEADA NO LIVRO DE MEMÓRIAS INACABADO ESCRITO POR EDU

Eduardo Nadruz, artisticamente conhecido por Edu, nasceu na cidade gaúcha de Jaguarão em 13 de outubro de 1916, filho de imigrantes árabes. Seu primeiro contato com a harmônica de boca cercou-se do mesmo sentido casual e despreocupado com que todo menino procurava as melodias conhecidas no despretensioso instrumento.

No ano de 1926 chegava à cidade de Pelotas um certo professor Charles, representante da fábrica de gaitas Hohner, que promoveu um concurso do qual tomaram parte cerca de 300 alunos dos colégios Gonzaga e Pelotense. Charles fez uma eliminatória oferecendo um prêmio de 200 mil réis ao primeiro colocado. Foram selecionados 15 finalistas que participariam do espetáculo a ser realizado no Teatro Guarani – Edu era um deles.

No dia da decisão o teatro estava lotado. Pela ordem de apresentação Edu seria o último a tocar. Um garoto de Dom Pedrito, Simplício Garcia, arrancou aplausos frenéticos da platéia ao executar o tango argentino "El Panuelito Blanco" e era o franco favorito. O público foi se tornando cada vez mais irreverente com os outros candidatos que eram freqüentemente interrompidos por apupos e gritos de " Simplício já ganhou!" e foi nesse clima que chegou a vez de Edu. A platéia continuava gritando mas, indiferente, Edu iniciou sua apresentação com uma seleção de trechos de óperas que começava com a Tosca emendando com Fausto, Rigoleto, Madame Butterfly, La Traviata, Cavalaria Rusticana e para finalizar, a protofonia de O Guarani, sendo que essa última surpresa levou o público ao delírio. Aclamado como vencedor, foi carregado em triunfo pelas ruas da cidade e arrematou o prêmio de 200 mil réis.

Em janeiro de 1933, o pai de Edu atravessava uma fase bastante negativa em seus negócios e resolveu enviar o filho mais velho a São Paulo com o objetivo de conseguir um emprego e ajudar nas despesas da família: "Tens aqui 300 mil réis. Foi o máximo que pude arranjar. Vai tentar a tua vida. Não quero saber como, mas tenho absoluta confiança em ti".

Compenetrado da empreitada que estava assumindo e ciente do clima de hostilidade para com os gaúchos em São Paulo no após revolução de 32, Edu foi primeiramente para Santos, seguindo logo após para a capital.

Munido de algumas cartas de apresentação dadas pelo amigo Nassif Miguel, dirigiu-se à famosa rua 25 de março, tradicional reduto da colônia árabe em São Paulo. Apesar disso, a resposta era sempre a mesma: "Eu sei que você é filho de patrícios mas esse problema de ser gaúcho é que atrapalha tudo. Nós não podemos nos comprometer".O ambiente de frieza era total. O dinheiro dado pelo pai havia acabado e a dona da pensão deu-lhe um prazo de quinze dias para pagar o aluguel ou ir embora. Em pânico, Edu arrumou sua mala e deixou a pensão descendo a rua Quintino Bocaiúva em direção à rua direita. Atingiu a avenida São João entrando pela rua São Bento e, ao descer a ladeira do Martinelli, parou subitamente. Na esquina de Líbero Badaró com avenida São João um homem soprava uma gaita enquanto um outro recolhia uns trocados. A lembrança de sua infância imediatamente veio à tona mas era preciso arrumar uma gaita. Onde? De mala em punho, dirigiu-se à tradicional casa Manon que distava cerca de cem metros de onde se encontrava e perguntou ao vendedor: "O senhor tem gaitas para vender?" O balconista o olhou de alto a baixo e desconfiado chamou o gerente. Edu insistiu na pergunta e o gerente respondeu: "Esse instrumento não vende... ninguém toca... tenho um estoque antigo aí". Imediatamente Edu fez uma proposta perguntando-lhe que comissão poderia receber caso vendesse as gaitas do estoque. Combinaram trinta por cento.

Eram duas dúzias de gaitas e após escolher uma delas, Edu começou a tocar na porta da loja. Em menos de duas horas todas estavam vendidas. Vitorioso, o menino com então 17 anos, iniciou sua vida como músico ambulante. Seu primeiro repertório era composto da fantasia lírica, nome que passou a dar à seleção de trechos de óperas com a qual havia ganho o concurso, além de alguns tangos e rancheiras.

Em 1934, um grupo de amigos o convidou para acompanhá-los numa viagem de carro ao Rio de Janeiro, aonde chegou em pleno sábado de Carnaval desembarcando na porta da Galeria Cruzeiro, atual edifício avenida central.

O clima do Rio de Janeiro era bem mais acolhedor e o ambiente cultural fervilhava. No famoso Café Nice, rapidamente se integrou com os famosos nomes da época. Mário Lago, Luiz Barbosa, Frazão, Nássara, Carlos Galhardo, Francisco Alves, Custódio Mesquita, Lamartine Babo, Braguinha, Jorge Murad e Nônô foram os primeiros que conheceu.

No mesmo ano, foi levado à rádio Mayrink Veiga onde conheceu César Ladeira que o contratou para fazer o prefixo de um novo programa, sendo escolhido o tema de "O gordo e o magro". Há no entanto um problema – disse César. Eduardo Nadruz é anti-radiofônico... Após pensar um pouco, sugeriu: "Que tal Edu e sua gaita? Edu é apelido de Eduardo, nome curto e incisivo! " - arrematou. A partir daquele momento, como num passe de mágica, Eduardo foi transformado em Edu da gaita pelo mesmo homem que deu o nome de "pequena notável" à Carmem Miranda.

Seu novo emprego não duraria no entanto mais do que dois meses, pois uma limitação técnica do antigo instrumento não lhe permitia grande variação do repertório. As antigas gaitas de boca não possuíam a chave de meio tom. Era como tocar num piano só com as teclas brancas. Apesar de demitido, insistiu se apresentando em circos, na porta de cinemas, teatros e restaurantes.

Entre 1935 e 1939, tudo o que um homem pudesse imaginar no sentido de garantir o seu sustento pessoal aconteceu a Edu: camelô, pianista de bordel, secretário de bookmaker, cantor de tangos, datilógrafo e vendedor de livros didáticos, isso entremeado com apresentações esporádicas com sua gaita.

Em princípios de 1937, foi convidado a participar do espetáculo no cassino Copacabana, porém era necessário apresentar a carteira profissional. Dirigiu-se ao ministério do trabalho onde ocorreu um diálogo que deu lugar à concessão de um dos documentos mais surrealistas da história da música profissional do Brasil: "Impossível! O homem não tem profissão definida, diz que é tocador de gaita... isso não existe em nenhuma categoria musical ou artística!" Chega um outro e comenta – Seu Furtado, se o homem faz música é músico... seja em que instrumento for. Quem toca piano é pianista, violino é violinista, gaita só pode ser gaitista... Furtado mais uma vez argumentou que a classificação tinha que ser como músico e não como instrumentista e, após uma calorosa discussão, entregou a Eduardo Nadruz a carteira profissional número 70.748, série 27, determinando sua condição de "músico excêntrico" (em 1948, já famoso e reconhecido, foi emitida a segunda via, ratificando a primeira...).

Mais uma vez o novo emprego não duraria muito e pela mesma razão: a limitação técnica da harmônica de boca e por isso, no início de 1939, Edu resolveu deixar de vez o instrumento que lhe atormentava. Entretanto, não tinha coragem de dizer que o abandonara.

Certo dia, ao chegar no Café Nice foi surpreendido por uma pergunta de Nônô – Edu, você não toca mais aquela gaitinha? Edu respondeu que o problema era a falta de recursos técnicos do instrumento. Na mesa ao lado, o guitarrista da famosa orquestra de Romeu Silva – Fernando – ouvia o diálogo e interviu: "Acabei de chegar da feira mundial de Nova Iorque e lá, por uma questão de curiosidade, comprei uma gaita que tem uma chave ao lado que, quando acionada sobe meio tom na afinação original". Edu segurou as mãos de Fernando e começou a gritar – Ela existe, nunca me enganei! Estou salvo!

Às nove horas da noite, Fernando retornou trazendo um estojo com uma gaita cromática de 64 vozes. Trêmulo, Edu quase não consegui abri-lo. Pegou a gaita, olhou o instrumento, acionou a chave e soprou levemente. Em sua volta, em plena rua do Rio de Janeiro, compositores, músicos, cantores, garçons e fregueses no Nice aguardavam ansiosos a demonstração. Edu começou a tocar e um fato surpreendente ocorreu: tudo o que estava armazenado no seu subconsciente foi sendo executado o que arrancou aplausos da platéia improvisada.

Ainda em 1939, Sílvio Caldas o leva para a rádio Mayrink Veiga, agora em definitivo, onde trabalharia durante onze anos.

Apresentado ao dono do cassino da Urca - Joaquim Rolla - foi contratado porém começaria com uma experiência no cassino Icaraí, onde no entanto não permaneceria por mais de três meses devido a um sério desentendimento motivado pela falta de apoio às suas pretensões como solista. Jaime Redondo, o diretor artístico, entendia que suas apresentações eram apenas uma questão de curiosidade e nunca de uma arte definida. Enfim, uma excentricidade de pouca duração. Ao retornar para o Rio na barca da Cantareira, o artista estava plenamente convencido de que o desentendimento com Jaime Redondo era apenas o início de uma luta que perduraria por toda a sua vida.

Na rádio Mayrink Veiga, as coisas não eram muito diferentes e então Edu procurou o superintendente da emissora, Edmar Machado, e o fez ver que sua carreira estava ameaçada, pois necessitava de orquestrações para poder se desenvolver mais seriamente. Era preciso de uma vez por todas quebrar aquele "tabu". Edmar concordou, mas não sabia como resolver o problema.

Ao sair do escritório, um músico que entrava na sala de Edmar para pedir um "vale" e tinha ouvido a conversa disse-lhe: "Quero conversar com você. Me espere".Esse músico chamava-se Printeas Passos, na época um dos maiores trombonistas do Brasil. Atuava na orquestra da rádio Mayrink Veiga e era uma das atrações do conjunto do célebre Fon-Fon – "jamais escrevi uma orquestração para ninguém, mas tenho certeza que não terei dificuldade. Quer tentar comigo? ".

Foram para o estúdio e Edu executou uma seleção de melodias espanholas que incluía la leyenda del beso, Lady of Spain, La Violetera e El Relicário. Passos pediu um prazo de duas semanas e ao fim desse período, concluiu o trabalho que foi coroado de pleno êxito, conquistando inclusive a aprovação dos músicos da orquestra.

Inaugurava-se a partir daquele momento, uma nova fase da carreira de Edu. A fantasia espanhola abriu o caminho para uma série de outras orquestrações que o fariam retornar ao cassino da Urca, agora como atração principal, onde permaneceu até o fechamento do jogo em 1946.

No período compreendido entre outubro e dezembro de 1945, um fato ocorrido no estúdio A da rádio da Mayrink Veiga mudaria em definitivo o destino artístico de Edu que se deparou com um violinista – João Corrêa de Mesquita – ensaiando o "Moto perpétuo" de Paganini...

O que é isso Mesquita, vai tocar o Moto perpétuo? - perguntou. Mesquita respondeu que não. Somente tinha o hábito de ensaiar aquela peça para melhorar sua técnica. Edu se interessou... Será que eu conseguiria tocar pelo menos alguns compassos em meu instrumento? Bem, alguns você poderá executar, mas se você conseguisse tocar todo o "Moto perpétuo" seria uma proeza, pois você se tornaria o primeiro músico no mundo a soprá-lo...
Naquela época, Edu já havia se tornado famoso ao apresentar em sua modesta harmônica aquilo que dela não se esperava. Tendo evoluído em seus estudos e pesquisas, considerou que poderia figurar dentro de âmbito mais responsável e, motivado pelo entusiasmo e pelo futuro que vislumbrava para justificativa da presença de sua harmônica no cenário artístico mundial, resolveu empreender a suprema escalada de sua carreira profissional.

Onze anos de estudos foram precisos para a conquista da peça na qual se esbarra com as tremendas dificuldades representadas por 2400 notas, executadas sem pausa de espécie alguma, num tempo máximo de 4 minutos.

Em junho de 1956, Edu gravou na íntegra o célebre "Moto perpétuo" de Paganini no tempo recorde de 3 minutos e 21 segundos, tornando-se o primeiro em toda a história da música instrumental de sopro a alcançar essa façanha, demonstrando indiscutivelmente as possibilidades técnicas de seu instrumento. Mais do que a conquista pessoal, o seu grande objetivo era demonstrar que a harmônica de boca é um instrumento completo que deveria figurar no mesmo nível dos outros.

Infelizmente, ainda hoje a gaita de boca é um instrumento "sem cátedra" ou seja, não é estudado e ensinado nas escolas de música.

Sua luta não foi totalmente em vão: em 22 de novembro de 1958, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, acompanhado pela Orquestra Sinfônica Brasileira e em primeira audição mundial, Edu executou o concerto para harmônica de boca e orquestra de Radamés Gnattali, sob a regência do autor, ganhando o prêmio de música erudita conferido pela Prefeitura do Rio de Janeiro naquele mesmo ano. Isso significa que uma literatura musical da mais alta relevância já foi iniciada, abrindo caminho para que a modestíssima harmônica se transforme num instrumento definido e respeitado. Edu ainda trabalharia durante longos anos na Rádio Nacional e se apresentaria também em excursões pelo exterior.

A partir do final da década de 60, o país que tanto amou e ao qual dedicou a conquista do Moto perpétuo e todo o restante de sua obra, começou a esquecê-lo. Edu no entanto nunca quis deixar sua pátria, apesar dos conselhos dos amigos e, na solidão de sua casa, mesmo abandonado, continuou se dedicando com afinco à arte que jamais aviltou ou vendeu. Morreu pobre e nobre.

"A música foi a razão da minha vida". Essas foram, literalmente suas últimas palavras, ditas na manhã de 22 de agosto de 1982, após uma homenagem proporcionada por seu filho, esposa e alguns poucos amigos, que reproduziram num pequeno gravador o "Moto perpétuo" de Paganini, aplaudindo artista que ainda teve forças para agradecer. Em 23 de agosto, falecia Eduardo Nadruz, um dos maiores músicos que o Brasil já teve.

O resgate de sua obra tem importância não apenas para a preservação da cultura nacional, mas também para divulgar de uma forma mais ampla, inclusive em outros países - onde seu trabalho ainda é praticamente inédito - o nível técnico que é possível atingir com a harmônica de boca, permitindo que outros no futuro possam sucedê-lo e até mesmo superá-lo.
Eduardo Nadruz Filho

             

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Martim César lança o livro “Sobre amores e outras utopias” na Biblioteca Pública de Jaguarão


Neste sábado, dia 12 de outubro, a partir das 20h, no auditório da Biblioteca Municipal de Jaguarão, acontece o lançamento do livro “Sobre amores e outras utopias” de Martim César. O evento contará com musica ao vivo, leituras literárias e sessão de autógrafos.

Participações confirmadas de Hélio Ramirez, Paulo Timm, Roberto Luzardo, Leonardo Oxley, Alessandro Gonçalves . O evento tem a Parceria Cultural da SIC, Sociedade Independente Cultural e Mandinga Arte Literatura.

Sobre amores e outras utopias é um título revelador. Ser poeta é pular do balde, perseguir o inatingível, a utopia do poema, Arquimedes movendo o mundo. A utopia da liberdade (não a de explorar, a liberdade solidária e fraterna dos versos de Neruda), a do amor, ponto de inflexão para uma nova investida, feito Brancaleone rumo a Aurocastro. A utopia da palavra, não a concedida por um ente superior, mas a construída pela história, a palavra pedra. Pedra que alicerça a poesia que persistirá ainda que fuzilem todos os poetas. Persistirá na mente e boca dos seus assassinos. A poesia, em todas as suas formas, sempre será a vencedora de todos os combates, até mesmo o travado contra o arqui-inimigo, o temível tempo. Esta, a utopia maior do poeta Martim César, Avis rara, farol frente ao escuro. Sua obra, não tocada por Midas nem pela mídia, nos reafirma que de “qualquer lugar” (em contraposição aos conceitos de centro e periferia) são gestadas as linguagens artísticas em reconstrução. A Cultura.” ( Por: Jorge Passos)
Sobre o autor:
Martim César – Integrante do grupo poético-musical Caminhos de Si, com o qual se apresentou em diversos eventos sociais e literários do RS e do Uruguai (Fóruns Sociais, feiras do livro, saraus literários, etc.); vencedor por duas vezes do prêmio Rua dos Cataventos da Sociedade Mario Quintana de Poesia; vencedor de diversos festivais de músicas do RS, tais como o Reponte de São Lourenço do Sul, o Martin Fierro de Santana de livramento, o Laçador de Porto Alegre, o Cirio dsa cidade de Pelotas, além de festivais nacionais como o Pampa e Cerrado – Brasília-DF e o Festival Nacional da Reforma Agrária; mais de 30 premiações paralelas, incluindo melhor poesia, melhor letra e melhor tema social em diversos festivais gaúchos e nacionais.
Co-autor da peça O engenhoso fidalgo Don Quijote de la Mancha (adaptação da obra imortal de Miguel de Cervantes); indicado ao prêmio Açorianos 2010 como melhor letrista do RS; autor de 5 livros de poesia e contos: Poemas ameríndios, Poemas do baú do tempo, Sob a luz de velas e Dez sonetos delirantes e um Quixote sem cavalo.
Co-autor dos trabalhos discográficos Caminhos de Si; Maria Conceição canta Martim César e Paulo Timm; Canções de a(r)mar e desa(r)mar; Da mesma raiz (indicado ao açorianos do ano de 2010) Já se vieram; Memorial de Campo; além dos que estão em fase de lançamento: Cartas de Marear e Paisagem Interior.

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Até Quando?


Tudo bem por aí? Aqui ainda faz muito frio! Estou aqui!

Tomando um cálice de vinho e pensando nessa vida insana e desumana, enquanto o mundo caminha para o abismo! Saudades, muita saudade!!!

A propósito, como está o seu mundo?

Não te assusta que eu estou bem. Só me bateu uma tremenda saudade de ti!

Mas diga lá! Pra onde vai a humanidade? Eu disse humanidade??? Isso é surreal! Não existe humanidade no meio de tanta desumanidade!

Irmão matando irmão! A mão sangrenta chega a ser nojenta! Mas que ideal ostenta? Se ontem aplaudia, hoje repudia?

Até quando assistiremos calados aos desmandos dos falsos defensores da liberdade, se a única liberdade que eles conhecem é o cifrão?

E aí te pergunto: Até quando? Até quando a humanidade vai continuar desumana? Até quando eles vão continuar correndo atrás da grana sem se preocupar com a existência humana?

Sim!!! Porque essa estória de defender a democracia e a liberdade aos oprimidos é balela! Sim!!! é balela!!!

Porque existem milhares de pessoas morrendo de fome pelos quatro cantos do mundo e são esquecidas! Existem milhares de pessoas morrendo de doenças causadas pelos experimentos dos grandes laboratórios, essas são lembradas, mas para serem usadas de cobaia!

Até quando? A pergunta que não quer calar!

Até quando a humanidade vai continuar desumana?

Por que dois pesos e duas medidas?

Porque existem milhares de pessoas oprimidas e não são lembradas!

Por que uns tem que morrer para que outros possam viver?

Continuo a perguntar!

Até quando?

Said Baja

Publicado na coluna Gente Fronteiriça do Jornal Fronteira Meridional em 02/10/13


quarta-feira, 9 de outubro de 2013

UM POUCO DE TEATRO, DO BRASIL A JAGUARÃO


Cada vez passa em minha mente a palavra teatro lembro do Grupo Cênico Contranestesia que ajudei a criar e onde atuei até 1996. A partir de 1997 ele parou de atuar, mas quem sabe, volte a brilhar. Por isso resolvi reescrever este texto.

O teatro brasileiro, como assim o entendemos, vai surgir no início da colonização européia com José de Anchieta, numa tradição medieval. Mas só vai se afirmar como teatro nacional na primeira metade do séc. XIX. Teve uma renovação a partir de 1922 com a Semana de Arte Moderna e vai alcançando sua Idade de Ouro no início da década de 60.

Na década de 70 (ditadura) o teatro brasileiro passou pela vigilância da censura militar, assim qualquer trabalho que fizesse pensar sobre nossa realidade era literalmente excluído. Mesmo assim, neste período o teatro brasileiro atingiu picos de criatividade que o lançaram entre os melhores do mundo, por conta justamente de mostrar na linguagem artística, aquilo que as mentes insanas poderiam não perceber (tentativa de escapar da censura). Surge aí peças como "Arena Conta Zumbi (1965) criado por Guarnieri e Augusto Boal e “Gota D’agua” (1975) de Paulo Fontes e Chico Buarque. Esta última já fora apresentada em Jaguarão pelo Grupo Teatro Escola de Pelotas, em 1989.

O Teatro em Jaguarão começa logo em seguida de nossa elevação a vila (metade do século XIX) já com o funcionamento de pelo menos dois teatros que, infelizmente não existem mais. Porém na segunda metade do século XIX, muitas companhias europeias que vinham para o Brasil, passavam antes em Montevidéu e de lá entravam em nosso país por Jaguarão, onde ficavam de um a três meses para acertar o visto de entrada. Isso fez com que a cidade se mobilizasse para a construção de um grande Teatro à altura destas companhias. Então, em 13 de janeiro de 1897 foi inaugurado o nosso Teatro Politheama Esperança, o 3º mais antigo do Estado, um dos mais antigos do Brasil (no gênero) e já fora considerado a melhor acústica do país por alguns críticos. Hoje, depois de ter passado para o poder público municipal na década de 90, ficou um bom tempo em estado crítico e esperando um restauro. Só em 2009, através de uma ação da Secult (Prefeitura) e IPHAN (União) foi dado os passos para a recuperação deste Patrimônio Histórico tombado pelo Estado, e hoje pela União (assim como todo o centro histórico da cidade). A obra de restauro está a todo vapor.

Por Jaguarão passaram vários atores de renome nacional como Procópio Ferreira e outros. Mas há gente da terra. E com muito brilho. Cito Arnaldo de Ávila (hoje atuando em São Paulo) e o pessoal do Gruta, que encenou, entre outros, a “Paixão de Cristo” nas ruínas da Enfermaria Militar em abril de 2010 e 2011. Também aqueles que já não estão entre nós: Álveo Teixeira, Vladimir Ricordi, Volmir Silva, Omar da Costa, e o nosso Professor Cléo Severino, e outros que, por ventura, me escaparam neste momento. A estes, meu respeito. O livro “Minha Terra, Minha Gente” (1994) de Marilú Duarte trás uma nominata mais completa, referente até à data da obra.

Há 21 anos (1992) havia sido formado o Grupo Cênico Contranestesia da SIC (Sociedade Independente Cultural) que já montou várias peças, inclusive ganhando o 1º lugar no VI Festival Gaúcho de Teatro Amador – Fase Regional (1995) e ficando entre as cinco melhores peças do Estado, na cidade de Erechim, com a peça “Nuestra América”, sob a direção de Arnaldo de Ávila e encenada por mim e pelo próprio Arnaldo. Arnaldo de Ávila se encontra hoje profissionalizado como ator e atuando na cidade de São Paulo, onde atualmente reside.

Aproveito o momento para render minhas homenagens à todos que, muitas vezes contra a corrente, tiveram a coragem de lutar por sua arte, pela cultura e consecutivamente pelo ser humano, pois está aí uma das principais diferenças de nossa espécie dos demais seres vivos: “A capacidade de pensar sobre si mesmo”, e quando perdemos esta capacidade, perdemos a noção de vida, perdemos a noção de amor.

A todos, um bom espetáculo. Aos atores, M.

Carlos José de Azevedo Machado (Prof. Maninho

Publicado na Coluna Gente Fronteiriça do Jornal Fronteira Meridional em 25/09/2013


quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Cidades Históricas - Jaguarão


Para preservar o valor histórico do local, o governo do estado e a Prefeitura Municipal de Jaguarão firmaram parceria com o governo federal e incluíram Jaguarão no PAC Cidades Históricas. Uma das quatro cidades gaúchas a receber parte do montante de R$ 1,6 bilhão da União, a cidade fronteiriça já está com 11 projetos de restauro em andamento. Os investimentos são de R$ 40 milhões, ao longo dos próximos três anos.



Clube 24 de Agosto: Pontos de Cultura fortalecem a cultura negra no Rio Grande do Sul


No Clube Social Negro 24 de Agosto, em Jaguarão, foram desenvolvidas atividades de formação artística e de troca de conhecimentos visando à preservação da memória e história do clube, além de promover a inclusão e o acesso às mais diversas formas de expressão da cultura afro.

Clandestino - Gilberto Isquierdo e Said Baja

  Assim como o Said, milhares de palestinos tiveram de deixar seu país buscando refúgio em outros lugares do mundo. Radicado nesta fronteir...