sexta-feira, 31 de maio de 2013

Lançamento do CD Singular em Pelotas


Acontece no dia 4 de junho as 20 horas,  na Biblioteca Pública Pelotense, o Lançamento do CD Singular, trabalho conjunto de Paulo Timm, Gilberto Isquierdo e Maurício Raupp Martins. A entrada é franca.

quarta-feira, 29 de maio de 2013

Ex-goleiro da Seleção Gaúcha completa 97 anos no próximo dia 24 de maio

Seleção Gaúcha
Alcides Carlos de Moraes nasceu em Jaguarão, no dia 24 de maio de 1916. Começou jogando, aos 12 anos como “filhote”, de centro-avante no Esporte Clube Cruzeiro do Sul, de sua cidade natal. Em 1936, jogou no Clube Atlético Bancário, de Pelotas. No ano seguinte, estreava no Esporte Clube Pelotas, no qual foi campeão em 1939 (triunfo de 3x1 sobre o Brasil). Chegou a ser pretendido pelo Botafogo, do Rio de Janeiro, sem avançar nas negociações pela necessidade de abandonar o futebol devido a um emprego que lhe ofereceram de Fiel de Armazém, quando da inauguração do Porto de Pelotas em 1940. Como não emplacou nesse cargo, também perdeu aquela oportunidade de atuar no futebol carioca. 

Legenda viva do futebol gaúcho, entre 1940 e 1941, Alcides Moraes deixou marcante passagem como goleiro titular do selecionado do Rio Grande do Sul. Defesas arrojadas e incrível senso de colocação foram evidentes qualidades que levaram esse craque do interior a ser convocado para aquela seleção, onde pontificavam nomes como Tesourinha, Rui, Massinha, Foguinho, Carlitos, Noronha, Alvim, Dario, Vaz, Tavares e o treinador Telêmaco Frazão de Lima. “Quanto ao Massinha fomos moleque em Jaguarão” – assim ele se refere ao conterrâneo e acirrado rival em vários clássicos Bra-Pel. Também foi Diretor de Futebol do E. C. Pelotas em 1945, sagrando-se bicampeão citadino (na final com o Brasil, de virada por 2x1), campeão do interior e vice do Estado.

Era um excelente cobrador de faltas, numa época em que os arqueiros não se arriscavam muito fora da sua área. No dia 30 de março de 1941 realizava-se um Bra-Pel, válido pelo Torneio Início, que terminou empatado em 0x0, com a decisão indo para os pênaltis. Ramon, pelo Brasil, fez quatro golos e Alcides defendeu o quinto pênalti. Na sua vez, o Pelotas desperdiçou a primeira cobrança e então Alcides pediu para bater e marcou os outros quatro, empatando a série que na época não era alternada como agora. Na decisão de três pênaltis para cada lado, mais uma vez esbanjando categoria, esse nosso conterrâneo não perdoou com três acertos e ainda defendeu os dois pênaltis do Brasil, garantindo para o Pelotas o título daquele Torneio. Alcides Moraes certamente deveria ser o Rogério Ceni daqueles tempos.

Encerrou a carreira esportiva em abril de 1942 para assumir suas funções na Secretaria da Fazenda do Rio Grande do Sul. Transferido para São Luiz Gonzaga em 1943, chegou a jogar de atacante no Ipiranga, daquela cidade. Como passatempo, dedicou-se aos campos de golfe e ao tênis. Casou-se, em Pelotas no dia 23 de junho de 1944, com Dª. Alda Oliveira de Moraes (de quem enviuvou em 2008),  tendo dois filhos desse matrimônio, Luiz Fernando e José Carlos, o primeiro deles advogado e aposentado como procurador do Ministério da Fazenda, e o segundo médico e professor titular de patologia na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Este, com 25 anos em 03/12/1972, foi vítima de um assalto que o deixou paraplégico, quando fazia residência médica na capital fluminense. Com licença especial, o casal foi ao Rio para acompanhar a reabilitação desse filho e como esta demorasse, Alcides teve de voltar para reassumir o cargo no Estado.

José Carlos Oliveira de Moraes ainda é jogador de basquete em cadeira de rodas, tendo participado das paraolimpíadas de 1986, em Atlanta nos Estados Unidos, e com Celso Lima, introduziu o tênis para cadeirantes no Brasil, em que se disputa anualmente um torneio de caráter nacional. E Alcides, aposentando-se em junho de 1976, retornou definitivamente ao Rio de Janeiro, onde se mantém exilado do nosso frio, apenas vindo a Pelotas na temporada de veraneio, sempre marcando religiosamente seu ponto no tradicional Café Aquarius. Cativando a todos com seu carisma, sua simpatia e memória privilegiada.

José Alberto de Souza

Publicado na coluna Gente Fronteiriça do Jornal Fronteira Meridional em 22/05/2013

CLIQUE AQUI  para ler entrevista concedida por Alcides de Moraes ao José Alberto de Souza




13 de Maio, uma data para não esquecer

Praça Central de Jaguarão já teve o nome de 13 de Maio
Mais um 13 de maio, data marcante da superação do escravismo que vigorou por mais de 350 anos na história do Brasil, passou relegada ao esquecimento. Segundo o Professor e historiador Mário Maestri, dedicado à pesquisa da história do negro no Brasil, o Movimento Negro equivoca-se ao colaborar com conspiração do silencio sobre o 13 de maio e deveria desdobrar-se na sua celebração e na discussão do seu significado histórico, destruindo as visões apologéticas sobre ele.

Conforme Maestri, não há sentido em antepor Palmares a 1888. Por mais heroica que tenha sido, a epopeia palmarina jamais propôs, e historicamente não poderia ter proposto, a destruição da instituição servil como um todo. Palmares resistiu por quase um século, determinou a história do Brasil, mas foi derrotado. A revolução abolicionista foi vitoriosa e pôs fim ao escravismo, ainda que tardiamente. Desconhecer o sentido revolucionário da Abolição é olvidar a essência escravista de dois terços de passado brasileiro e o caráter singular da gênese do Brasil contemporâneo, através da destruição do escravismo. Tal desconhecimento ignora a contradição essencial que regeu por mais de trezentos anos o passado brasileiro - escravizadores contra escravizados... Com o 13 de Maio, superava-se a distinção entre trabalhadores livres e escravizados, iniciando-se a história da classe operária brasileira como a compreendemos hoje.

A revolução abolicionista foi o primeiro grande movimento de massas moderno, promovido, sobretudo pelos trabalhadores escravizados, em aliança com libertos, trabalhadores livres, segmentos médios e alguns poucos proprietários. Até agora, constituiu a única revolução social vitoriosa do Brasil, diz Mário Maestri.

Em Jaguarão houve expressivo movimento abolicionista em jornais e clubes que pregavam a libertação dos escravos. Inclusive, a nossa Praça Central, antes de ter seu nome infelizmente alterado para o atual, denominava-se Praça 13 de Maio, em homenagem a esta data que não deve ser esquecida.

Jorge Passos


Publicado na Coluna Gente Fronteiriça do Jornal Fronteira Meridional em 15/05/2013


sexta-feira, 24 de maio de 2013

SARAU BPP 28 MAIO / EDIÇÃO DE ANIVERSÁRIO


Juntamente com os  parceiros institucionais e apoiadores , a Bibliotheca Pública Pelotense (BPP) convida para a  edição de aniversário ( três anos )  do Projeto  Sarau Poético-Musical BPP , no próximo 28 DE MAIO, a partir das 19:30 horas - conforme programação abaixo

O QUE - XXX edição  do Projeto  Sarau Poético-Musical BPP.
QUANDO E ONDE: 28 de maio  de 2013, no salão térreo da BPP. Entrada franca. Inicio às 19:30 horas.
 
MÚSICA AO VIVO
Maria Conceição 
 
POETAS - AUTORES CONVIDADOS
 
Daniel Moreira
Diko Keiber
Marcela Bueno
Rosanir Fernandes
 
 Maria Conceição volta ao Sarau BPP
na edição de aniversário do projeto.
AUTORA EM DESTAQUE
Elisa Lucinda
 
CONVERSA SOBRE A AUTORA DESTACADA
Ediane Oliveira
 
Parceiros Institucionais
Confraria dos Poetas de Jaguarão
Curso de Relações Internacionais / UFPel
Faculdade de Educação / UFPel
Centro de Letras e Comunicação/ UFPel
Instituto Estadual de Educação Assis Brasil
RádioCOM.104.5FM
 
Realização
Bibliotheca Pública Pelotense
 
Coordenação Projeto Sarau Poético BPP
Daniela Pires de Castro
Getulio Matos
Mara Agripina Ferreira
Pedro Moacyr Perez da Silveira



quinta-feira, 23 de maio de 2013

Cantor e compositor francés Georges Moustaki falece aos 79 años


El cantautor francés de origen griego Georges Moustaki falleció hoy en Niza, en la costa mediterránea de Francia, a los 79 años de edad, según ha  informado su familia.

El cantante, nacido en Alejandría, había dejado los escenarios con un último concierto en Barcelona en enero de 2009. El cantautor no pudo finalizar el espectáculo, lo que puso de manifiesto su frágil estado de salud debido a enfermedad pulmonar crónica.

Su nombre de pila era Youssef Mustacchi, pero lo cambió por el de Georges en honor a su maestro, Georges Brassens. Muchos recuerdan que alcanzó popularidad gracias a Edith Piaf, de la que fue amante. 

"He tenido una vida apasionante. Espero que lo sea hasta el final", declaró en 2011 el cantante, cuando explicó a la prensa que tenía una enfermedad pulmonar incurable que le hacía "definitivamente incapaz de cantar".

Contemporáneo de una generación de artistas que dieron a conocer la chanson française, como su maestro Georges Brassens, Jacques Brel o Serges Gainsbourg, Moustaki compuso letras de canciones para melodías que interpretaron Edith Piaf, Yves Montand, Barbara o Serge Reggiani.

El seductor y revolucionario poeta y músico se hizo mundialmente conocido a finales de los años sesenta y principios de los setenta con temas como Milord, que hizo célebre la garganta de Edith PiafLefacteur, La mer m'a donnéMa solitude o Le temps de vivre.

Moustaki nació el 3 de mayo de 1934. Su padre, el librero Nassim, hablaba cinco idiomas. Su madre, Sarah, seis. A orillas del Mediterráneo, Moustaki se educó en la escuela francesa, en cuyos pasillos escuchaba el árabe, el griego, el italiano, el turco, el armenio, el maltés el francés y el inglés, lengua oficial de Egipto bajo mandato británico.

A pesar de su vida errante, con una referencia fija en la Île Saint-Louis, en París, pero salpicada de latitudes y países, Moustaki nunca se despegó de aquella ciudad en la nació y en la que descubrió la pasión por los libros que atiborraban las estanterías de su padre, por el teatro, el cine o la música. "La Alejandría de mi infancia era el mundo en pequeño, con todas las razas y todas las religiones. Soy raramente extranjero en alguna parte porque siempre encuentro una referencia a Alejandría en los idiomas que escuché allí, los olores o los colores", decía.

Tras pasar un verano en París, sus padres le dejaron mudarse a la capital francesa en 1951, cuando tenía 17 años. Su madre le envió una guitarra, pero el futuro músico aún se ganaba la vida con pequeños trabajos, como el de vendedor de libros de poesía de puerta a puerta o periodista ocasional. En París conoció a Georges Brassens, que después se convertiría en su maestro, y le animó a seguir escribiendo versos y a lanzarse a cantar. En sus inicios musicales, Moustaki cantaba entre las mesas de los restaurantes en busca de una propina o incluso como pianista de ambiente del cabaré Rose Noire de Bruselas.


Fonte: http://www.publico.es


terça-feira, 21 de maio de 2013

Antonio Cândido indica 10 livros para conhecer o Brasil


Por Antonio Candido.*
Quando nos pedem para indicar um número muito limitado de livros importantes para conhecer o Brasil, oscilamos entre dois extremos possíveis: de um lado, tentar uma lista dos melhores, os que no consenso geral se situam acima dos demais; de outro lado, indicar os que nos agradam e, por isso, dependem sobretudo do nosso arbítrio e das nossas limitações. Ficarei mais perto da segunda hipótese.
Como sabemos, o efeito de um livro sobre nós, mesmo no que se refere à simples informação, depende de muita coisa além do valor que ele possa ter. Depende do momento da vida em que o lemos, do grau do nosso conhecimento, da finalidade que temos pela frente. Para quem pouco leu e pouco sabe, um compêndio de ginásio pode ser a fonte reveladora. Para quem sabe muito, um livro importante não passa de chuva no molhado. Além disso, há as afinidades profundas, que nos fazem afinar com certo autor (e portanto aproveitá-lo ao máximo) e não com outro, independente da valia de ambos.
Por isso, é sempre complicado propor listas reduzidas de leituras fundamentais. Na elaboração da que vou sugerir (a pedido) adotei um critério simples: já que é impossível enumerar todos os livros importantes no caso, e já que as avaliações variam muito, indicarei alguns que abordam pontos a meu ver fundamentais, segundo o meu limitado ângulo de visão. Imagino que esses pontos fundamentais correspondem à curiosidade de um jovem que pretende adquirir boa informação a fim de poder fazer reflexões pertinentes, mas sabendo que se trata de amostra e que, portanto, muita coisa boa fica de fora. 
São fundamentais tópicos como os seguintes: os europeus que fundaram o Brasil; os povos que encontraram aqui; os escravos importados sobre os quais recaiu o peso maior do trabalho; o tipo de sociedade que se organizou nos séculos de formação; a natureza da independência que nos separou da metrópole; o funcionamento do regime estabelecido pela independência; o isolamento de muitas populações, geralmente mestiças; o funcionamento da oligarquia republicana; a natureza da burguesia que domina o país. É claro que estes tópicos não esgotam a matéria, e basta enunciar um deles para ver surgirem ao seu lado muitos outros. Mas penso que, tomados no conjunto, servem para dar uma ideia básica.
Entre parênteses: desobedeço o limite de dez obras que me foi proposto para incluir de contrabando mais uma, porque acho indispensável uma introdução geral, que não se concentre em nenhum dos tópicos enumerados acima, mas abranja em síntese todos eles, ou quase. E como introdução geral não vejo nenhum melhor do que O povo brasileiro (1995), de Darcy Ribeiro, livro trepidante, cheio de ideias originais, que esclarece num estilo movimentado e atraente o objetivo expresso no subtítulo: “A formação e o sentido do Brasil”.
Quanto à caracterização do português, parece-me adequado o clássico Raízes do Brasil (1936), de Sérgio Buarque de Holanda, análise inspirada e profunda do que se poderia chamar a natureza do brasileiro e da sociedade brasileira a partir da herança portuguesa, indo desde o traçado das cidades e a atitude em face do trabalho até a organização política e o modo de ser. Nele, temos um estudo de transfusão social e cultural, mostrando como o colonizador esteve presente em nosso destino e não esquecendo a transformação que fez do Brasil contemporâneo uma realidade não mais luso-brasileira, mas, como diz ele, “americana”.
Em relação às populações autóctones, ponho de lado qualquer clássico para indicar uma obra recente que me parece exemplar como concepção e execução: História dos índios do Brasil (1992), organizada por Manuela Carneiro da Cunha e redigida por numerosos especialistas, que nos iniciam no passado remoto por meio da arqueologia, discriminam os grupos linguísticos, mostram o índio ao longo da sua história e em nossos dias, resultando uma introdução sólida e abrangente.
Seria bom se houvesse obra semelhante sobre o negro, e espero que ela apareça quanto antes. Os estudos específicos sobre ele começaram pela etnografia e o folclore, o que é importante, mas limitado. Surgiram depois estudos de valor sobre a escravidão e seus vários aspectos, e só mais recentemente se vem destacando algo essencial: o estudo do negro como agente ativo do processo histórico, inclusive do ângulo da resistência e da rebeldia, ignorado quase sempre pela historiografia tradicional. Nesse tópico resisto à tentação de indicar o clássico O abolicionismo (1883), de Joaquim Nabuco, e deixo de lado alguns estudos contemporâneos, para ficar com a síntese penetrante e clara de Kátia de Queirós Mattoso, Ser escravo no Brasil (1982), publicado originariamente em francês. Feito para público estrangeiro, é uma excelente visão geral desprovida de aparato erudito, que começa pela raiz africana, passa à escravização e ao tráfico para terminar pelas reações do escravo, desde as tentativas de alforria até a fuga e a rebelião. Naturalmente valeria a pena acrescentar estudos mais especializados, como A escravidão africana no Brasil (1949), de Maurício Goulart ou A integração do negro na sociedade de classes (1964), de Florestan Fernandes, que estuda em profundidade a exclusão social e econômica do antigo escravo depois da Abolição, o que constitui um dos maiores dramas da história brasileira e um fator permanente de desequilíbrio em nossa sociedade.
Esses três elementos formadores (português, índio, negro) aparecem inter-relacionados em obras que abordam o tópico seguinte, isto é, quais foram as características da sociedade que eles constituíram no Brasil, sob a liderança absoluta do português. A primeira que indicarei é Casa grande e senzala (1933), de Gilberto Freyre. O tempo passou (quase setenta anos), as críticas se acumularam, as pesquisas se renovaram e este livro continua vivíssimo, com os seus golpes de gênio e a sua escrita admirável – livre, sem vínculos acadêmicos, inspirada como a de um romance de alto voo. Verdadeiro acontecimento na história da cultura brasileira, ele veio revolucionar a visão predominante, completando a noção de raça (que vinha norteando até então os estudos sobre a nossa sociedade) pela de cultura; mostrando o papel do negro no tecido mais íntimo da vida familiar e do caráter do brasileiro; dissecando o relacionamento das três raças e dando ao fato da mestiçagem uma significação inédita. Cheio de pontos de vista originais, sugeriu entre outras coisas que o Brasil é uma espécie de prefiguração do mundo futuro, que será marcado pela fusão inevitável de raças e culturas.
Sobre o mesmo tópico (a sociedade colonial fundadora) é preciso ler também Formação do Brasil contemporâneo, Colônia (1942), de Caio Prado Júnior, que focaliza a realidade de um ângulo mais econômico do que cultural. É admirável, neste outro clássico, o estudo da expansão demográfica que foi configurando o perfil do território – estudo feito com percepção de geógrafo, que serve de base física para a análise das atividades econômicas (regidas pelo fornecimento de gêneros requeridos pela Europa), sobre as quais Caio Prado Júnior engasta a organização política e social, com articulação muito coerente, que privilegia a dimensão material. 
Caracterizada a sociedade colonial, o tema imediato é a independência política, que leva a pensar em dois livros de Oliveira Lima: D. João VI no Brasil (1909) eO movimento da Independência (1922), sendo que o primeiro é das maiores obras da nossa historiografia. No entanto, prefiro indicar um outro, aparentemente fora do assunto: A América Latina, Males de origem (1905), de Manuel Bonfim. Nele a independência é de fato o eixo, porque, depois de analisar a brutalidade das classes dominantes, parasitas do trabalho escravo, mostra como elas promoveram a separação política para conservar as coisas como eram e prolongar o seu domínio. Daí (é a maior contribuição do livro) decorre o conservadorismo, marca da política e do pensamento brasileiro, que se multiplica insidiosamente de várias formas e impede a marcha da justiça social. Manuel Bonfim não tinha a envergadura de Oliveira Lima, monarquista e conservador, mas tinha pendores socialistas que lhe permitiram desmascarar o panorama da desigualdade e da opressão no Brasil (e em toda a América Latina).
Instalada a monarquia pelos conservadores, desdobra-se o período imperial, que faz pensar no grande clássico de Joaquim Nabuco: Um estadista do Império(1897). No entanto, este livro gira demais em torno de um só personagem, o pai do autor, de maneira que prefiro indicar outro que tem inclusive a vantagem de traçar o caminho que levou à mudança de regime: Do Império à República(1972), de Sérgio Buarque de Holanda, volume que faz parte da História geral da civilização brasileira, dirigida por ele. Abrangendo a fase 1868-1889, expõe o funcionamento da administração e da vida política, com os dilemas do poder e a natureza peculiar do parlamentarismo brasileiro, regido pela figura-chave de Pedro II. 
A seguir, abre-se ante o leitor o período republicano, que tem sido estudado sob diversos aspectos, tornando mais difícil a escolha restrita. Mas penso que três livros são importantes no caso, inclusive como ponto de partida para alargar as leituras. 
Um tópico de grande relevo é o isolamento geográfico e cultural que segregava boa parte das populações sertanejas, separando-as da civilização urbana ao ponto de se poder falar em “dois Brasis”, quase alheios um ao outro. As consequências podiam ser dramáticas, traduzindo-se em exclusão econômico-social, com agravamento da miséria, podendo gerar a violência e o conflito. O estudo dessa situação lamentável foi feito a propósito do extermínio do arraial de Canudos por Euclides da Cunha n’Os sertões (1902), livro que se impôs desde a publicação e revelou ao homem das cidades um Brasil desconhecido, que Euclides tornou presente à consciência do leitor graças à ênfase do seu estilo e à imaginação ardente com que acentuou os traços da realidade, lendo-a, por assim dizer, na craveira da tragédia. Misturando observação e indignação social, ele deu um exemplo duradouro de estudo que não evita as avaliações morais e abre caminho para as reivindicações políticas. 
Da Proclamação da República até 1930 nas zonas adiantadas, e praticamente até hoje em algumas mais distantes, reinou a oligarquia dos proprietários rurais, assentada sobre a manipulação da política municipal de acordo com as diretrizes de um governo feito para atender aos seus interesses. A velha hipertrofia da ordem privada, de origem colonial, pesava sobre a esfera do interesse coletivo, definindo uma sociedade de privilégio e favor que tinha expressão nítida na atuação dos chefes políticos locais, os “coronéis”. Um livro que se recomenda por estudar esse estado de coisas (inclusive analisando o lado positivo da atuação dos líderes municipais, à luz do que era possível no estado do país) é Coronelismo, enxada e voto (1949), de Vitor Nunes Leal, análise e interpretação muito segura dos mecanismos políticos da chamada República Velha (1889-1930). 
O último tópico é decisivo para nós, hoje em dia, porque se refere à modernização do Brasil, mediante a transferência de liderança da oligarquia de base rural para a burguesia de base industrial, o que corresponde à industrialização e tem como eixo a Revolução de 1930. A partir desta viu-se o operariado assumir a iniciativa política em ritmo cada vez mais intenso (embora tutelado em grande parte pelo governo) e o empresário vir a primeiro plano, mas de modo especial, porque a sua ação se misturou à mentalidade e às práticas da oligarquia. A bibliografia a respeito é vasta e engloba o problema do populismo como mecanismo de ajustamento entre arcaísmo e modernidade. Mas já que é preciso fazer uma escolha, opto pelo livro fundamental de Florestan Fernandes, A revolução burguesa no Brasil (1974). É uma obra de escrita densa e raciocínio cerrado, construída sobre o cruzamento da dimensão histórica com os tipos sociais, para caracterizar uma nova modalidade de liderança econômica e política. 
Chegando aqui, verifico que essas sugestões sofrem a limitação das minhas limitações. E verifico, sobretudo, a ausência grave de um tópico: o imigrante. De fato, dei atenção aos três elementos formadores (português, índio, negro), mas não mencionei esse grande elemento transformador, responsável em grande parte pela inflexão que Sérgio Buarque de Holanda denominou “americana” da nossa história contemporânea. Mas não conheço obra geral sobre o assunto, se é que existe, e não as há sobre todos os contingentes. Seria possível mencionar, quanto a dois deles, A aculturação dos alemães no Brasil (1946), de Emílio Willems; Italianos no Brasil (1959), de Franco Cenni, ou Do outro lado do Atlântico (1989), de Ângelo Trento – mas isso ultrapassaria o limite que me foi dado.
No fim de tudo, fica o remorso, não apenas por ter excluído entre os autores do passado Oliveira Viana, Alcântara Machado, Fernando de Azevedo, Nestor Duarte e outros, mas também por não ter podido mencionar gente mais nova, como Raimundo Faoro, Celso Furtado, Fernando Novais, José Murilo de Carvalho, Evaldo Cabral de Melo etc. etc. etc. etc. 
* Artigo publicado na edição 41 da revista Teoria e Debate – em 30/09/2000
   Antonio Candido é sociólogo, crítico literário e ensaísta.
Fonte: Blog da Boitempo    http://www.advivo.com.br

segunda-feira, 20 de maio de 2013

Jaguarão: Dois prédios que marcaram diferentes épocas


Quando enviei aquela foto para ilustrar a primeira Das Minhas Reminiscências, o confrade Jorge Luiz Passos me questionou acerca de uma construção que aparecia atrás dos “carnavalescos”. Na ocasião não cheguei a esclarecer aquela dúvida, porém, remexendo no meu baú de achados e perdidos, encontrei um retrato da antiga agência do Banco do Estado do Rio Grande do Sul e do atual prédio da Rodoviária, em fase de acabamento, ocupando o espaço onde funcionou a Confeitaria São José. Até aquela época, a nossa 27 de Janeiro tinha se mantido “imexível”, apenas sofrendo alterações posteriores com o incêndio do Café do Comércio que deu lugar ao “Caixão” Econômico Federal e mais ainda com a infeliz demolição daquele tradicional prédio do Banrisul.

Naquela foto, também postada na Confraria dos Poetas de Jaguarão, as camisetas do “time de futebol” pertenciam ao Granada que fez história no futebol varzeano lá pelos idos de 1954, composto por craques como Paulo Sabbado, Sicco, Pedro Bittencourt, Clóvis Amâncio, Portinho, a fina nata do Café do Comércio. E para combater esses incautos, amarrei uma partida sem dispor de nenhuma equipe, saindo em louca disparada para conseguir local, bola, camisetas, meias e chuteiras, gentilmente cedidas pelo E. C. Cruzeiro do Sul, além de madrinha e árbitro para a contenda. Agora, para formar o plantel, vali-me dos préstimos do amigo Eulálio Delmar Faria que me apresentou ao cabo Mulita, a quem passei o encargo da arregimentar os elementos necessários, soldados de Rio Grande servindo no Quartel local.

Daí que a coisa evoluiu para a fundação do Esporte Clube Tuiuti, presidido por mim e secretariado pelo riograndino Antônio Ledur Dias. Então eram comuns as “peladas” entre Grêmio Esportivo Jaguarense, treinado por Dair “Zazá” Nunes, e América Futebol Clube, de Heponino Costa, a que se vieram juntar Estrela do Sul, do estivador Torto, e Internacional, do Carlinhos Rodrigues, hoje fiscal da Fréderes. Toda essa gente reunida no barraco de Heponino resolveu criar a Liga Jaguarense de Futebol Varzeano, chegando a elaborar o calendário dos jogos que não passou da primeira rodada por desavenças nas batalhas campais. Mesmo assim, ainda continuei teimando com o Tuiuti até chegar no dia de nossa formatura no Ginásio, quando Eulálio e eu tivemos de abandonar uma das pelejas, já atrasados para a cerimônia.

Vieram 1955 e o início do ano letivo, tive de embarcar num daqueles “gaiolões” da Fréderes, gélida madrugada, com destino a Porto Alegre para cursar o científico no Colégio Estadual Júlio de Castilhos, junto estava meu tio e pai de criação Cantalício Resem para as despedidas. Ali encontramos o Sr. Alcides Pereira da Silva, genitor do colega “Pitita” que rumava para o Colégio Cruzeiro do Sul, de onde faria trampolim à Faculdade de Medicina da UFRGS, a fim de exercer sua nobre profissão na terra natal como o conceituado e saudoso Dr. Mário Conceição Pereira da Silva. Refresco assim a memória para situar naquele ano o local desse embarque que ocorreu na antiga Rodoviária situada ao lado do Café do Comércio.

Tantas digressões só para explicar a origem daquela fotografia de irreverentes fólios, mas que mexeram um bocado em meu subconsciente na tentativa de buscar local e ano daquele carnaval, lembrando-me das obras de construção da nova Rodoviária provavelmente concluídas em fins de 1956. As camisetas do Granada me remeteram àquelas partidas de futebol na várzea em 1954, seguindo-se minha ida em 1955 para a Capital. Chamou-me atenção o fato de que até esses anos não cheguei a verificar nenhuma outra nova construção no trecho da 27 situado entre a Avenida Odilo Marques Gonçalves até a beira do rio Jaguarão. E a foto que ilustra este texto deve representar um importante marco divisório entre a antiga e a moderna cidade.


José Alberto de Souza

Publicado na Coluna Gente Fronteiriça do Jornal Fronteira Meridional em  08/05/2013

sábado, 18 de maio de 2013

Mensagem de um poeta gripado



Estava eu mais que pronto
A embarcar-me nesta aventura
Da poesia no bar em maio
Quando um vírus abjeto, furtivo
Intrometeu-se no meu projeto
Levando-me quase ao desmaio

Foi um violento combate
Com esse enviado do mal
Não me adiantaram a rima
Sonetos, verso, ou bailado
Travei a formidável esgrima
À Coristina D, Multigripe
E Chá de anis estrelado

Minha amada em febre alta
Também sofreu do ataque
Mas uma verdade eu lhes digo:
Nosso amor em sua estrutura
Não sofreu nenhum achaque
E abraçados, eu com ela,  ela comigo
Desfrutamos da calentura!

A noite no Madre Mia
Será excelsa, de glória
E pra encurtar minha história
E o fim deste dilema
Lhes digo, com muita pena:
Melhor ficar em casa
A espirrar em meio ao poema!

Jorge Passos


quinta-feira, 16 de maio de 2013

14ª Edição do Poesia no Bar no Madre Mia


Essas palavras que escrevo me protegem da completa loucura.”
[Bukowski ]
Uma noite poética e livre, carregada de música e poesia acontece no próximo sábado (18), na 14ª edição do Poesia no Bar, a partir das 19h. O local escolhido, digno da ousadia artística e da culinária latina foi o Madre Mia. Os poetas, das cidades de Pelotas, Rio Grande, Jaguarão e Porto Alegre, tomados pelas mais diversas influências e personalidades estarão apresentando suas poesias e de autores consagrados. Uma noite para sentir e respirar literatura, de todas as formas.

Nesta 14ª edição, o Poesia no Bar abre com a visceralidade insana, louca e fascinante de Bukowski em uma performance da autora Ju Blasina, de Rio Grande. Blocos com poesias de diversos autores locais e convidados farão parte da noite que conta com a poesia viva, profunda e inquietante do poeta Martim César, de Jaguarão. O mais recente grupo focado em arte e literatura Mandinga estará lançando sua revista virtual expressa em arte escrita e visual com artistas de Pelotas e região.

Nascido em Pelotas/RS, no inverno de 2010, o Projeto Poesia no Bar possui o objetivo de levar literatura, através da distribuição de marca-páginas com poemas de novos poetas, participando como organizador e apoiador de eventos e ações literárias, que expandam e fortaleçam a poesia. Com inserções em várias manifestações artístico-culturais como evento oficial, o Poesia No Bar já esteve presente em atividades como: Cult Bazar, Cult festival, 2° Festival Manuel Padeiro de Cinema e Animação, 10° Aniversário da Rádio Com 104,5 FM, 3ª Feira Binacional do Livro de Jaguarão/RS, Semana do Audiovisual de Jaguarão/RS – SEDA 2012, Sarau do Radiola e edições em Rio Grande e Jaguarão.

Com entrada franca, o evento ainda distribuirá marca-páginas com poesias de 30 autores, representantes de várias regiões do País e abrirá espaço para o público mostrar sua poesia e vivenciar mais um momento marcante na cena cultural que vem crescendo a cada dia em Pelotas e região.

Autores confirmados:

Alvaro Barcellos
Daniel Moreira
Duda Keiber
Ediane Oliveira
Gabriel Borges da Silva
Giliard Barbosa (RG)
Ju Blasina (RG)
Israel Mendes (POA)
Jorge Braga
Jorge Passos (Jaguarão)
Marcio Ezequiel
Marília Kosby
Martím César (Jaguarão)
Rogério Nascente
Sérgio Christino
Valder Valeirão
Vinícius Kusma


Serviço

O que: 14ª edição do Poesia no Bar

Onde: Madre Mia (Santa Cruz, 2200)

Quando: Sábado, 18 de Maio, às 19h, entrada franca.



segunda-feira, 13 de maio de 2013

13 de maio: A única revolução social do Brasil


Mário Maestri (*)

Neste 13 de maio, cumpre-se sem glória mais um natalício do fim da escravatura no Brasil, uma das primeiras nações americanas a instituir e a última a abolir a escravidão. Dos 505 anos de história brasileira, mais de 350 passaram-se sob o látego negreiro. Apesar da superação do escravismo constituir o mais significativo acontecimento de passado nacional, o aniversário da Abolição transcorrerá, outra vez, semi-esquecido.

A Abolição já foi data magna, festivamente relembrada. Nos últimos anos, tem sido fortemente questionada e objeto de verdadeira conspiração de silêncio. Paradoxalmente, a operação recebe o apoio do movimento negro brasileiro que, ao contrário, deveria desdobrar-se na celebração do 13 de Maio e na discussão de seu significado histórico, destruindo as interpretações apologéticas sobre ele.

O caráter cordial, transigente e pacífico do brasileiro já foi um dos grandes mitos nacionais. A abolição da escravatura foi apresentada como prova dessa pretensa realidade. No exterior, o fim da instituição motivara lutas fratricidas. A guerra de Secessão causou quinhentas mil vítimas nos USA. No Haiti, em 1804, a destruição da ordem negreira exigiu a mais violentas guerra social das Américas.

No Brasil, a transição teria-se efetuado sem violências devido a instituições sensíveis ao progresso dos tempos, a líderes esclarecidos e à humanitária alma popular. Neste cenário de paz e concórdia, brilharia a figura de Isabel - a Redentora. Apiedada com o sofrimento dos negros e despreocupada com a sorte do trono, assinou com pena de ouro o diploma que pôs fim ao cativeiro.

Em 13 de maio de 1888, começaria a construção de sociedade fraterna e desprovida de barreiras intransponíveis. As desigualdades existentes deveriam-se a deficiências não essenciais da civilização brasileira, enraizada em uma concórdia estrutural entre ricos e pobres, brancos e negros. Ao menos, era o que se dizia.

Pátria incruenta
Acontecimentos pátrios de impar importância, a Independência, a República e a abolição teriam como denominador comum o caráter essencialmente pacífico da civilização brasileira. Apresentava-se igualmente a essência patriarcal da ordem escravista como corolário da natureza magnânima do brasileiro, que quebrantava qualquer confronto de raça, credo e classe.

Com a queda da ditadura militar, em 1985, a crescente organização popular e o surgimento de entidades negras combativas criaram as condições para desnudar a triste realidade subjacente ao discurso da democracia racial e da fraternidade brasileiras. As narrativas laudatórias sobre a abolição, sobre a escravidão e sobre o caráter democrático nacional trincavam-se contra a triste realidade contemporânea.

Em fins dos anos setenta, diante dos olhos mais míopes, desnudava-se situação onde o povo negro constituía a parcela mais sofrida de uma população crescentemente explorada. Revelava-se mesmo para os que se negavam a ver sociedade singularmente violenta onde a pele escura dificultava a conquista do trabalho e facilitava o acesso à prisão, se não ao necrotério.

Desde os anos sessenta, as descrições fantasiosas sobre o passado do Brasil foram refutadas por cientistas sociais como Florestan Fernandes, Octávio Ianni, Fernando Henrique Cardoso, etc. que empreenderam análises mais objetivas sobretudo dos séculos 19 e 20. Porém, em geral, esses autores negaram significado histórico do 13 de Maio. Apontavam a inusitada violência do escravismo brasileiro mas definiam a sua superação como um "negócio de brancos", onde os cativos, principais interessados, não teriam tido papel significativo ou ganhos substanciais.

Em fins dos anos setenta, o movimento negro retomou acriticamente essa tese, com o objetivo de melhor denunciar a situação da população afro-descendente. Para desqualificar a Abolição, ressaltou-se que se efetuara sem indenização pecuniária ou fundiária. Que o movimento abolicionista buscava, libertando os cativos, criar mão-de-obra barata. Que após a Abolição, as condições de existência das massas negras teriam talvez piorado, tese defendida, por Gilberto Freyre, sobretudo em Sobrados e mucambos, de 1936.

Para melhor criticar os mitos da emancipação do povo negro em 1888 e da ação magnânima da Regente Imperial, o movimento negro propôs a abominação do 13 de Maio e a celebração do 20 de Novembro como dia nacional da consciência negra no Brasil. Naquela data, em 1695, morria Zumbi, o último chefe da confederação dos quilombos de Palmares.

Encobrindo o passado
Apesar de bem-intencionadas, essas leituras consolidaram as interpretações do 13 de Maio dos ideólogos das classes proprietárias, que procuravam escamotear o sentido de sucessos nascidos do esforço das massas escravizadas aliadas aos setores abolicionistas radicalizados. Assentavam assim a última pedra na construção do esquecimento do mais importante acontecimento histórico brasileiro - a revolução abolicionista de 1887-8.

O movimento negro organizado esquecia que celebrar a Abolição não significa reafirmar os mitos da emancipação social do povo negro em 1888 e de Isabel como promotora da emancipação. Ignoram que comemorar o fim da escravidão significa recuperar a importância daquela superação, através de frente política pluri-classistas e do protagonismo dos cativos no passado.

Em forma alienada e imperfeita, as comunidades negras sempre intuíram a importância histórica de 1888. Apenas nos últimos anos essa consciência diluiu-se devido ao proselitismo anti-Abolição, verdadeira invenção da tradição que resulta em grave perda da memória histórica pelas classes trabalhadoras e oprimidas, em geral, e afro-descendentes, em particular.

Foi o profundo impacto da Libertação na consciência e na vida dos cativos e libertos que levou o povo negro a rememorar, com tanto carinho, por um século, o 13 de Maio, e festejar, imerecidamente, com devoção, Isabel, herdeira da casa de Bragança, grande responsável pela manutenção do cativeiro quase até o século 20.

Em inícios de 1980, Mariano Pereira dos Santos, ex-cativo centenário, apesar de ter vivido como homem livre na profunda miséria, afirmava comovido, semanas antes de morrer, que após a "Libertação", o povo negro vivera "na glória". Maria Benedita da Rocha, uma outra ex-cativa, também centenária, referiu-se, arrebatada ao anúncio do fim do cativeiro na sua fazenda. Através do Brasil, nas cidades e campos, em 13 de maio de 1888, os tambores e atabaques ressoaram poderosos ferindo em derradeira vendeta os tímpanos dos negreiros derrotados.

O dia da libertação
A visão do 13 de Maio, pelo povo negro, como concessão da Redentora, constitui cristalização alienada na memória popular, determinada pela ideologia dominante, de acontecimento de profundo sentido histórico para os cativos e para a nacionalidade brasileira. Ou seja, o resultado de operação de diluição da memória do protagonismo dos trabalhadores escravizados naqueles sucessos.

Não há sentido em antepor Palmares a 1888. Por mais heróica que tenha sido, a epopéia palmarina jamais propôs, e historicamente não poderia ter proposto, a destruição da instituição servil como um todo. Palmares resistiu por quase um século, determinou a história do Brasil, mas foi derrotado. A revolução abolicionista foi vitoriosa e pôs fim ao escravismo, ainda que tardiamente.

Desconhecer o sentido revolucionário da Abolição é olvidar a essência escravista de dois terços de passado brasileiro e o caráter singular da gênese do Brasil contemporâneo, através da destruição do escravismo. Tal desconhecimento ignora a contradição essencial que regeu por mais de trezentos anos o passado brasileiro - escravizadores contra escravizados.

Nos anos cinqüenta, autores como Clóvis Moura e Benjamin Péret produziram importantes leituras sobre o agir dos trabalhadores escravizados no Brasil. Nos anos sessenta, Emília Viotti da Costa, Stanley Stein, etc. avançaram significativamente o conhecimento essencial da escravidão. Nas duas décadas seguintes, foram produzidos numerosos trabalhos sobre a sociedade, economia e as formassui-generis de resistência do cativo, destacando-se entre eles a apresentação do escravismo colonial como modo-de-produção historicamente novo, por Jacob Gorender, em O escravismo colonial.

Nesses anos, estudos como o clássico Os últimos anos da escravidão no Brasil, de Robert Conrad, apresentaram a Abolição, em seu tempo conjuntural, como o resultado da insurreição incruenta dos cativos cafeicultores que, nos últimos meses do cativeiro, abandonaram maciçamente as fazendas, reivindicando relações contratuais de trabalho. Tais estudos desvelaram parcialmente a extrema tensão política e social sob a qual o movimento abolicionista radicalizado alcançou a vitória, em 1888, em estreita ligação com a massa escravizada, principal protagonista dessas jornadas.

Instituição terminal
Em 13 de maio de 1888, a herdeira imperial nada mais fez do que, após o projeto abolicionista ter sido aprovado no parlamento, sancionar a Lei Áurea, assinando o atestado de óbito de instituição agônica devido a sua desorganização pela fuga dos cativos. Durante todo o Primeiro e o Segundo Reinados, os Braganças haviam defendido com unhas e dentes a escravidão, conscientes da aliança que os unia umbilicalmente aos escravistas.

Nos últimos meses da escravidão, os mais renitentes negreiros reconheciam já a inevitabilidade do fim da instituição. Defendendo até o último momento o cativeiro, pretendiam apenas criar as melhores condições para reivindicar indenização pela propriedade libertada. Foi devido a essa pretensão que o ministro republicano Rui Barbosa ordenou a queima dos registros de posse de cativos pois, sem prova legal, não havia possibilidade de indenização.

Foi igualmente a ação estrutural das massas escravizadas, durante os três séculos de cativeiro, que construiu as condições que ensejaram, mais tarde, a destruição da servidão. Sobretudo a rejeição permanente do cativo ao trabalho feitorizado impôs limites insuperáveis ao desenvolvimento tecnológico da produção escravista, determinando altos gastos de coerção e vigilância que abriram espaços para formas de produção historicamente superiores.

Em 1888, a revolução abolicionista destruiu o modo de produção escravista colonial que, por mais de três séculos, ordenara a sociedade no Brasil. Negar esta realidade devido às condições econômicas, passadas ou atuais, da população negra, é compreender a história com visões simplistas e, sobretudo, não históricas. Os limites da Abolição eram objetivos. Nos últimos anos da escravidão, o cativo era categoria social em declínio que lutava sobretudo pelos direitos cidadãos mínimos. Foi a reivindicação da liberdade civil que uniu a luta dos cativos rurais à dos cativos urbanos, então pouco representativos.

Apenas a liberdade
Não procede a proposta que a abolição não teve conteúdo porque os cativos não foram indenizados. A estrutura latifundiária da produção, a pouca difusão de hortas servis e a liberdade civil como reivindicação central já dificultavam movimento pela distribuição de terras, que exigiria a união de cativos, caboclos, posseiros, colonos sem terra, etc., praticamente impossível de ser então concretizada, devido sobretudo ao baixo nível de consciência e organização e à elevada heterogeneidade e dispersão geográfica das classes trabalhadoras rurais. Porém, tal medida foi defendida por setores do movimento abolicionista.

Na limitação das conquistas econômicas obtidas quando da abolição pesou a verdadeira contra-revolução republicana, oligárquica e federalista de 15 de novembro de 1889, que pôs fim ao movimento abolicionista como projeto reformista nacional. Os limites históricos da Abolição não devem minimizar a importância da conquista dos direitos políticos e civis mínimos por setecentos mil "escravos" e "ventre-livres". Com o 13 de Maio, superava-se a distinção entre trabalhadores livres e escravizados, iniciando-se a história da classe operária brasileira como a compreendemos hoje.

Nos anos 90, a derrota histórica do mundo trabalho e a euforia neoliberal que apenas hoje perde ímpeto determinaram os destinos gerais da historiografia. No Brasil como alhures, em tempos de Nova História, os holofotes da mídia, o interesse das editoras, o bon ton historiográfico passaram a recomendar estudos monográficos, intimistas, biográficos e exóticos, tranqüilizadores das consciências e pacificadores dos espíritos. De ciência que procurava compreender e libertar, a história evoluiu à arte de entreter e apaziguar.

Nesse contexto, decaiu o interesse e os incentivos, diretos e indiretos, para a pesquisa sobre a história das classes subalternizadas e para os estudos analíticos sobre o passado. Apequenaram-se os estudos sobre as classes trabalhadoras urbanas, o movimento camponês, os fenômenos essenciais da sociedade humana. Diminuíram as pesquisas sobre a escravidão, que foram dominadas novamente pelas teses da escravidão benigna e consensual, defendidas com singular inteligência e cabotinismo por Gilberto Freyre a partir dos anos 1930.

A história é processo objetivo e complexo, apenas em geral ascendente, onde as conquistas sociais de ontem, parciais e contraditórias, possibilitam conquistas mais substanciais no presente, como podem, igualmente, dar lugar a recuos históricos, que ensejam, necessariamente, o obscurecimento da compreensão do presente e do passado.

A revolução abolicionista foi o primeiro grande movimento de massas moderno, promovido sobretudo pelos trabalhadores escravizados, em aliança com libertos, trabalhadores livres, segmentos médios e alguns poucos proprietários. Até agora, constituiu a única revolução social vitoriosa do Brasil. Resgatando seu sentido e desvelando sua história, prosseguiremos mais facilmente no sentido apontado pelos trabalhadores escravizados que ousaram abandonar as senzalas para pôr fim à ordem negreira, no não tão longínquo ano de 1888.

(*) Mário Maestri, 56, é professor do PPGH da UPF. É autor, entre outros, de Depoimentos de escravos brasileiros. [São Paulo: Ícone, 1988]. E-mail: maestri@via-rs.net


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