terça-feira, 9 de setembro de 2014

A fantasia de meandros do inconsciente



Quando Juscelino Kubitschek foi eleito Presidente da República, em 1955, a revista “O Cruzeiro” publicou uma fotografia de página inteira da fachada da casa onde nasceu JK, em que aparecia bem nítida a numeração 241 do prédio. Conta-se que, em Jaguarão, o proprietário do Hotel Fronteira na época acreditou nesse número como um palpite infalível e resolveu apostar uma grande soma na “quiniela” uruguaia, vindo a ser contemplado com uma razoável fortuna, a qual poderia ter sido ainda maior se ele dispusesse de mais dinheiro para tanto.

Enquanto isso eu vivia suspirando por um sonho revelador que me possibilitasse uma tranquila independência financeira. Até que um dia me vejo como “chofer de auto de praça”, sentado a uma mesa num Café, em Caxias do Sul, e então me aparece o amigo “Rato”, dono de uma oficina mecânica, para me informar que o veículo que tinha deixado para conserto já estava pronto. Pergunto se dispunha da Nota Fiscal, assim pagaria ali na hora e depois iria retirar o carro onde se encontrava. “Rato” apresenta-me o documento Nº 1201... E eu me acordo imediatamente para anotar aquela surpresa.

Devo esclarecer que nunca fui “chofer de praça” e, até aquele momento, ainda não conhecia Caxias do Sul. “Rato” era um parceiro do Café do Comércio e tinha defeito de nascença nas pernas que o obrigava a caminhar com dificuldade, muito menos chegou a proprietário de qualquer oficina. Só mesmo dos meandros do inconsciente podia aflorar uma história tão fantasiosa, motivando-me a catar todos os “pilas” onde pudesse encontrá-los para jogar com sofreguidão em tudo quanto era tipo de jogo da “quiniela” de Rio Branco: 201 na cabeça, do primeiro ao quinto, aos vinte...

A lista com os resultados oficiais dessa loteria uruguaia costumava chegar a Rio Branco, cidade fronteiriça do outro lado do rio Jaguarão, por volta das 17 horas, através do carro motor que vinha de Montevidéo. No início da rampa de acesso daquela localidade, defronte a Casa Simon, até o plano mais elevado da Aduana, existia um quadro onde era divulgada a listagem dos vinte números sorteados. No lado brasileiro, alguns aficionados postavam-se às margens do rio e aguardavam o apito estridente do trem, chegando na Aduana e chamando-os para conferir a “buena dicha”.

E dali, com esse sinal, iniciava-se a marcha batida dos inveterados da “quiniela” para cruzar a fronteira, na esperança da realização de seus palpites. Numa dessas vezes, misturei-me ao pessoal, o coração batendo acelerado como se quisesse adiantar no caminho. Chegando naquela rampa, consegui avistar o “2” da centena no primeiro prêmio. Pernas frouxas, mal prosseguiam em alguns passos, o suficiente para distinguir o “0” da dezena... Modedocéu, não é possível! Comecei a tremer, as vistas turvas nem alcançavam o algarismo da unidade. Precisei chegar bem perto da tabuleta para enxergar aquele “202” frustrante, em oposição à expectativa da Nota de um sonho.

O fato consumado, relatei a passagem para a roda do meu grupo no Café do Comércio, o personagem onírico ali presente. Pois “Rato”, que tinha sua experiência das "fezinhas" no jogo do bicho, inconformado com essa “furada”, indignava-se por eu não ter procurado sua assessoria: “Tu podes ser inteligente, porém, pouco prático. Não acertaste porque não quisesses...” – E eu ali boiando e querendo adivinhar onde tinha me enganado: – “Presta bem atenção, coisa simples, sem erro, bastava ter somado o “1” do milhar a “201” da centena, ora bolas!”
Nem preciso contar do trauma que se apossou de mim, daí em diante, e me afastou definitivamente dos jogos de azar, afora algumas “tentaçõesinhas”.

José Alberto de Souza

Publicado na Coluna Gente Fronteiriça do Jornal Fronteira Meridional em 03/09/2014

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