Já me
lembro certa feita, nos idos de mil novecentos, quando ainda as
terras do sul não sabiam que a liberdade era para todos e dos porões
da casa grande nasciam histórias, ouvia-se na praça, os barulhos
contínuos, ritmos da palha e da flanela firmes que deslizavam como
uma mão suave! O sapateiro lusitano... não qualquer! Mas, aquele
que veio de além-mar, procurando uma nova terra, um novo horizonte!
Achou-se
por aqui, quedou-se por aqui... Era ela o motivo! Escrava de origem.
Tratada ao longe das aspas de quem tem nome grande e sangue azul,
ainda sob o jugo da escravidão, em um tempo em que a cor da pele
obrigava e forçava a todo tipo de indignidade.
Aquela do
sangue escuro, alforriada pela mão do seu amado lusitano, vê diante
de si, aberta pela mão suave de seu esposo, a porta da dignidade
social. Sim! A morena jambo lustrou e cuidou do brilho de seu novo
senhor! Suas vidas misturam-se, amordaçando todo preconceito e
estranhamento da vida cotidiana da então pacata terra do Jaguarú,
que não suportava tal feito. Ele cumpre o que prometera: tira-a da
escravidão, deixa-a livre! Ela, encantada por seu novo senhor, já
novamente assume outra escravidão amiga, casa-se com seu agora
senhor de liberdades e carinhos.
O tempo
passou, a história da escrava de mãos suaves continua cravada entre
as pedras da rua de chão batido, de nome Cordão. Ao passar pela
casa antiga, nenhum vivente imaginaria tamanha trama, nesta pequena
rua do Cordão. Das amarras da dor, para o cordão faceiro, coisas de
gente que abre a porteira quando a oportunidade aparece como visita,
mas acaba adotada para sempre. Hoje ainda resta o fruto do amor. Já
velha pelo tempo, já querida por aqueles que amam os amores que não
seguem as linhas brutas da razão.
Magnum
Patrón Sória
Publicado na Coluna Gente Fronteiriça do Jornal Meridional em 21/01/2015
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