terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Florêncio, Vigário pelos quatro costados

Dedico a coluna desta semana a um grande amigo de meu pai e minha família, meu Padrinho, Padre Florêncio Lunelli. 

Para regozijo da comunidade de Jaguarão, querido e admirado por todos,  ele retornou à nossa cidade para fixar moradia na Casa Paroquial da Matriz do Divino. Recupera-se com êxito de alguns problemas de saúde. Nada demais, velhice, disse-me ele.  

Há alguns dias, manuseava seu livro, “Memórias de um vigário”  editado em 1990 e planejei publicar um de seus contos aqui no Gente Fronteriça. E nada melhor do que faze-lo agora, quando está aqui conosco, na terra que tanto ama. 

Reproduzo as palavras do saudoso Cura Vicente  Ramos no prefácio do citado livro, para definir o Padre Florencio. “Es vigário por los cuatro costados. Ser vigário no es una profesión, es una vida, es un sublime destino y un verdadero desafío. Quizá una de las vocaciones más comprometidas y profundamente humanas, porque el vigário no tiene horarios, no se aposenta, y todos sus minutos están envueltos y dominados por su sublime misión”.    

Vamos ao causo escolhido,  o qual revela um dos seus grandes divertimentos, a pescaria, e que tem por título: Põe Cachorro Nisso!

Um dos fracos do vigário é a pescaria. Se os deveres lhe permitissem, iria pescar pela manhã e, se o convidassem à tardinha, ou à noite, lá estaria correndo de novo.

Com seu companheiro Joãozinho, de mais  de oitenta anos, hoje falecido, lá foi ele para as bandas do Juncal, no açude de um grande amigo. Com a devida licença e prazer do dono, se instalaram  nas suas margens. Lançadas as linhas, presas aos guizos e sininhos que indicavam as primeiras “mamadas” do peixe e fazem o pescador atento à disparada para a fisgada, foram surpreendidos pela chegada do proprietário, seu Edgard. Trazia-lhes além da costela, o assador. Que cavalheirismo, delicadeza e amizade.

É claro que, enquanto assava a apetitosa carne de ovelha o seu Xisto (este o nome do empregado) mandava os seus tragos de caipirinha. Faz parte do ritual.

E entre os “causos” que se contavam, narrou: “Certa feita, lá pelas alturas de São Diogo (fronteira do Uruguai com Herval) apareceu tanto cachorro comedor de ovelhas, que, escondido num mato, matei pra lá de cem”! Foi então que o seu Joãozinho não se conteve e numa risada gostosa que quebrou as trevas da noite, arrematava: “eta mundo velho, bota cachorro nisso”!

Sempre se ouve contar que caçador e pescador são mentirosos. Não é que mintam. É que, “quem conta um conto, sempre acrescenta um ponto”. Daí, porque tanto os números, quanto as medidas e os tamanhos aumentam.


Aliás, quem passaria uma noite, às vezes em meio a uma mosquitama furiosa, inconveniente e perseverante, sem contar as suas estórias, espantando o sono e esperando o tilintar das campainhas, anunciando que um jundiá ou uma traíra estão querendo disparar?  

Jorge Passos   

Publicado na coluna Gente Fronteiriça do Jornal Fronteira Meridional em 14/01/2015


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