A Lua da Minervina - Devoto da Imaculada, meu pai sempre tirou o chapéu quando passava por aqui. |
Que saudade!
- Das pandorgas feitas pelas mãos de pianista do meu Pai – artísticas
confecções – inigualáveis no acabamento e na graciosidade de vôo.
- Da “Hora do Ângelus”, pela voz do Padre Mário, na Rádio Cultura. Sentados à cozinha
a Mãe e eu. Ela concentrada na Ave-Maria e eu sonhando em ter a perna mais
comprida que a da cadeira.
- Dos divinos sorvetes da Dona Fifa, quando os raros cobres do vazio bolso
paterno nos permitiam.
- Das matinês do Cine Theatro Esperança; dos seriados de Buck Jones e Hopalang
Cassidy; dos filmes antigos/atuais do Carlitos/Chaplin; da ingênua beleza da
Marilyn (embora os mais velhos enxergassem outros atributos).
- Da “Maria-fumaça”, partindo da estação, carregada de lenha e viajantes, no
furioso resfolegar, silenciado antes do seu desaparecer na planície sem fim.
- Dos banhos no riacho do Empedrado - menos do afogamento, quando fui salvo
pelos cabelos. Uma dívida impagável. O meu benfeitor foi abatido, pouco depois,
por uma leucemia aos doze anos.
- Da minha primeira Professora (com P maiúsculo!) – Jalusa Pereira Borges.
Austera, uma esfinge de rigidez, e extremamente simpática ao ofertar-me o
brinde pela primeira colocação (dez/56). Guardei-o, até extraviar-se no espólio
do matrimônio anterior.
- Da doce coleguinha das aulas do Joaquim Caetano, pouco mais velha do que eu.
Quase namoradinha. Nunca tomei coragem da iniciativa, outro tomou.
- Da velha pereira do quintal vizinho, até que o galho, insatisfeito com o meu
cavalgar, quebrou, e o braço direito também se partiu (dez/57). Ainda assim,
adoro pera.
- Dos civilizados, ingênuos e alegres carnavais de antigamente, embora o sono
chegasse antes do encerramento do desfile.
- Dos Ford Fairlane/56 e dos Chevrolet Bel Air/57, nos seus flamantes e
exibidos passeios pela rua principal; a Vinte e Sete.
- Do final do campeonato mundial de 58, quando a cidade explodiu numa só
alegria. Não sabia que tantos gostassem de futebol.
- Do meu primeiro – e único – cachorro. Em homenagem ao herói das histórias em
quadrinhos, batizei-o de Valente. Extrema ironia; apanhava de todos. A única
batalha enfrentada com estardalhaço era com a roda do velho táxi do seu Pelufo.
Perdeu-a também e enterrado no quintal ficou.
- Das “charretes”, puxadas por cavalos, lá do Uruguai; transporte pessoal de
outro tempo em tempo alheio.
Que saudade da década de cinquenta! Da criança que um dia também o fui.
Envelhecemos, a década e eu. Mas esse
detalhe pouco importa. O mais importante é que, daqui a cinquenta anos, as
crianças de hoje possam também sentir uma benéfica saudade de um tempo que não
mais voltará.
Lino Marques Cardoso
escrito em 12/09/2005
Publicado na coluna Gente Fronteiriça do Jornal Fronteira Meridional do dia 05/03/2013
Um comentário:
Essa é de arrebentar de tão nostálgica, linguagem fluente, comunicação que atinge o mais profundo recôndito de nossa sensibilidade.
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