A fronteira, no seu
sentido tradicional, vista como limite, como uma linha divisória
fixa que separa duas regiões ou países, é uma concepção pouco
perspicaz da realidade e, portanto, errônea. Ela, na verdade, é
móvel e compreende um espaço bem mais amplo que o limite,
abrangendo-o; sendo maior ou menor conforme a efervescência humana
das suas margens, sobretudo nas chamadas “fronteiras vivas”, que
no dizer de Enrique Padrós (1994), “são aquelas caracterizadas
por uma presença demográfica relativamente importante, manifestando
uma integração informal que sobrevive às conjunturas políticas de
fechamento e de corte” (p. 76). Esse aspecto da relação humana
que se forma entre os habitantes de um lado e de outro, também é
ressaltado por Benedikt Zientara:
A ideia,
universalmente difundida, de fronteira como linha que separa duas
regiões diferentes, é errada.[...] as populações que vivem numa
zona de fronteira dão origem a uma comunidade fundada em interesses
particulares, mantêm entre elas, do lado de cá e do lado de lá da
fronteira, uma intensa comunicação. (1989, p. 307-309)
Como intersecção
entre dois espaços separados politicamente, conformando, portanto,
um “terceiro espaço”, a fronteira apresenta características
próprias, sendo um local de contato onde as diferenças se encontram
e um lado interfere no outro. No caso das fronteiras entre nações,
especificamente onde convivem aglomerações humanas, há uma
situação bastante complexa, onde uma linha imaginária divide por
vezes as famílias, mas não consegue desfazer a margem de fronteira
que, independente das nacionalidades, faz com que uma boa parte dos
indivíduos que ali habita viva de uma maneira própria,
transformando, de certa forma, aqueles dois confins de países
distintos em uma pátria particular.
Mas
fronteira é uma região, que envolve a linha limítrofe. Região que
pode ser geográfica, mas é, sobretudo, cultural e simbólica.(...)
é um portal que muda o status
das
pessoas e das coisas. Uma zona de transição. Com este poder quase
mágico, uma fronteira pode libertar ou aprisionar. Pode antagonizar.
Mas pode também integrar. (AXT in GARCIA, 2010, p.13-14)
O
termo “fronteira” advém do latim fronteria
ou frontaria,
significando
o território in
fronte.
Provém do período de expansão do Império Romano e denominava a
margem do território a ser defendida e projetava o que deveria ser
conquistado. Processo semelhante ocorreu na China Imperial, que
estendeu suas fronteiras até encontrar a resistência dos povos do
norte, resultando na construção da grande muralha. Nas margens, ou
seja, na fronteira que avançava na conquista ou estacionava na
defesa, havia sempre o conflito, em maior ou menor grau, inerente ao
encontro de culturas diferentes.
Outro enfoque
importante, ao se definir a fronteira, é a questão geopolítica.
Segundo Zientara:
a doutrina
pseudo-científica dos confins naturais, chamada geopolítica (...)
atribuía aos fatores naturais uma função determinante na história
política (...) afirma que a própria natureza apontou aos vários
povos as direções que deve tomar a sua expansão. (1989, p.
308-309)
Essa análise se
torna relevante por ter sido a geopolítica, historicamente, usada
repetidas vezes como argumento de Portugal, e depois Brasil, para
estabelecer a fronteira sul no natural confim do Rio da Prata.
integrar
não deve significar perda de identidade nacional, e sim, contato com
outras identidades nacionais. É claro que a ideia de integração
entre Estados implica também a transformação de mentalidades.
(1994, p. 66)
A
visão tradicional,
que
ocasionou uma separação cultural relevante, muito utilizada para a
questão política de formação da identidade dos países, então em
fase ainda de nascimento, e que perdurou até bem pouco tempo atrás
é, portanto, uma perspectiva ultrapassada. A mentalidade que se
busca, hoje em dia e doravante, é a de uma integração efetiva, em
muito baseada na convivência educacional mútua, que leve a uma real
integração cultural dos seres que habitam este espaço territorial:
a fronteira.
Elisangela
Vasconcellos
Acadêmica
de Pós Graduação em Cultura, Cidades e Fronteiras
Texto publicado na Coluna Gente Fronteiriça do Jornal Fronteira Meridional no dia 27/02/2013
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