quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

AP 470: a vitória do cinismo

O que têm em comum o cientista político Wanderley Guilherme dos Santos, o jornalista Luis Nassif, o escritor Eric Nemopuceno e o jurista Ives Gandra Martins? Todos consideram o julgamento da Ação Penal 470, popularizada como julgamento do “mensalão”, uma grande farsa montada ao arrepio da Constituição embora capitaneada por quem deveria defendê-la em nome do povo brasileiro, a saber, o Supremo Tribunal Federal (STF). Naquele que foi, sem dúvida, um julgamento de exceção no contexto do Estado Democrático de Direito líderes políticos foram condenados sem provas, baseado apenas em indícios frágeis e sob uma interpretação errônea da teoria do domínio de fato, como se esta dispensasse a prova da culpa e permitisse uma condenação sustentada em uma mera presunção de culpa, como fez a ministra Rosa Weber que justificou o voto condenatório apelando para a “presunção relativa de autoria dos dirigentes”. O próprio mentor da teoria do domínio de fato, o jurista alemão Claus Roxin, encarregou-se de refutar o uso abusivo da mesma para acobertar embustes. Não esqueçamos que o ex-deputado Roberto Jefferson, a personagem presente na origem do processo mitificado nos noticiários, foi cassado justamente por não apresentar provas sobre o chamado “mensalão”, a suposta mesada que parlamentares receberiam para votar a favor do governo no Congresso Nacional.

A sociedade, por outro lado, foi privada de esclarecimentos sobre a pantomima. Como disse um velho filósofo em uma ocasião, a maior de todas as violências é a que se abate sobre a consciência das pessoas, pois ela abre as portas para que entrem as demais formas de violência contra os direitos humanos. Que a mídia tenha optado por legitimar a instrumentalização da verdade, ao longo do processo, é uma mancha sobre a liberdade de expressão que a história, com o tempo, irá limpar junto à opinião pública.

Tentou-se, assim, por meio da estigmatização de antigos combatentes pela democracia, desqualificar as conquistas sociais do governo Lula e criminalizar o projeto de nação do PT com um falso moralismo. Circunstância que já ocorrera antes com o presidente Getúlio Vargas, o qual foi também acusado à época de ser responsável pelo “mar de corrupção” que, conforme alegavam seus adversários, com desfaçatez e arrogância, inundava o país nos anos 50. A diferença é que o papel de oposição, dessa vez, foi assumido não pela UDN, mas pela maioria dos membros do STF, com idêntico apoio dos veículos de comunicação.

Pessoalmente, mantenho a convicção de que só conseguiremos coibir o uso de recursos não contabilizados em campanhas eleitorais – porque é disso que se trata, no fundo – na medida em que novas regras passarem a reger a vida política no Brasil: razão pela qual defendo a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte Exclusiva para realizar a Reforma Política e, em especial, impedir o financiamento privado das campanhas eleitorais a fim de cortar o mal pela raiz.



Publicado na Coluna Gente Fronteiriça do Jornal Fronteira Meridional em 27/11/2013


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