Incontáveis livrarias, lindas paisagens e riqueza cultural. É o Uruguai humilde, apesar das excelências
Monumento al ahogado - Punta del Este |
Ontem olhava para a tampa do piano de
cauda Steinway que comprei em São Paulo em 1995, quando nasceu minha
filha, fruto das economias que fiz nos primeiros anos como
correspondente no Brasil. É um piano de 1924 que traz a inscrição
em metal “Unico agente para la Republica Oriental de Uruguay, Julio
Mousqués”. Esse representante de outros tempos também foi
visitado em Montevidéu por Ernesto Nazaré, cujos primeiros sinais
de loucura apareceram em sua loja.
Comecei a pensar nas muitas vezes que
visitei essa terra ao sul do Chuí, humilde, apesar das excelências
que possui em todas as áreas. O Uruguai efetivamente se parece muito
com seu presidente José Mujica, que vive em uma pequena casa de
campo perto da capital e vai de Fusca até o palácio presidencial.
Os argentinos teimam em desconsiderar o
fato de que os dois cantores históricos do tango, Carlos Gardel e
Julio Sosa, são uruguaios, e que, culturalmente falando, os
habitantes do outro lado do Rio de la Plata são os mais cultos da
América Latina, com analfabetismo zero e incontáveis livrarias.
O Teatro Solis, o mais antigo e
elegante de Montevidéu, sempre lota quando Jorge Drexler se
apresenta, o único compositor latino-americano a ganhar o Oscar em
2004 pela música Al Otro Lado del Río, trilha sonora do filme
Diários de Motocicleta, do nosso Walter Salles, sobre a viagem
juvenil de Che Guevara. Drexler é um cantor extremamente sofisticado
que há um ano lançou a sua inédita ideia “n”.
Esse
projeto permite aos usuários de smartphones e tablets mudar à
vontade e fazer seus próprios textos e arranjos de três músicas,
transformando de forma revolucionária as composições em versões
customizadas praticamente infinitas. É também um exímio letrista
com conteúdos profundos: procure no YouTube a Milonga del Moro Judio
e ouça a mensagem de esperança na luta sem fim entre Israel e os
palestinos.
É muito agradável viajar pelo
Uruguai. Percorri aquela incrível alameda de palmeiras que leva de
Colonia del Sacramento, porto de chegada do Buquebus de Buenos Aires,
a Montevidéu. Perambulei pelas planícies desertas do interior à
procura dos produtores de vinho tannat, e fui espiar o famoso
monumento ao afogado, do escultor chileno Mario Irarrazabal, em uma
praia em Punta del Este.
Se você estiver bem motivado para
conhecer a terra da Cumparsita (verdadeiro hino do tango), sugiro que
vá no período do Carnaval, no Uruguai, a mais longa festa do mundo,
que dura 40 dias, de fins de janeiro a princípios de março. Aquele
de Montevidéu confirma o nível de erudição do povo uruguaio:
companhias de murga, uma tradição de mais de um século, encenam no
Teatro de Verano e em outros espaços abertos da capital (tablados)
cenas teatrais/musicais cheias de um alegre sarcasmo político e
social, interpretadas por um coro de 13 a 17 integrantes, pintados e
fantasiados, acompanhados de bombo (surdo),redoblante (repique) e
platillo (pratos), com um ritmo chamado “marcha camión” (marcha
caminhão).
Ouça no YouTube a perfeição e o
ímpeto coral de murgas como a Falta y Resto de Raul Castro, fundada
nos anos negros da ditadura uruguaia (1973-1985), a Asaltantes con Patente, vencedora da última edição do Concurso Oficial de
Agrupaciones de Carnaval, ou a Curtidores de Hongos, uma das mais
premiadas da competição carnavalesca, que dura desde 1910.
Publicado na coluna Gente Fronteiriça do Jornal Fronteira Meridional em 10/12/2013
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