Clique na imagem para acessar o livro |
Um
puxado de zinco sobre chão batido, pedras e tijolos ali disponíveis,
logo se improvisava o fogão. A lata de querosene Jacaré dezoito
litros tinha virado panela, já esterilizada pelo uso constante. O
peixe – jundiá ou pintado – dividido em postas, cozinhava-se
ensopado, em tempero de salsa, pimenta, alho e vermelhão, afora o
sal, naturalmente. A água chiando, enquanto o trago corria solto de
mão em mão, parecendo animar cada vez mais aquela gente na
fanfarronice de seus causos.
Não
fosse o dono da casa servir pacientemente os seus convidados, estes
avançariam famintos na panela indefesa. Assim, o corpo alimentado, é
que se lembravam de tratar do espírito. De todos os cantos do
barraco, surgiam violões, cavaquinhos, bandolins, pandeiros, agês,
surdos e outros acessórios imprescindíveis àquele círculo sonoro.
As cordas se esquentavam na afinação dos instrumentos. Uma melodia
puxando outra e mais outra e mais outra, o repertório se formava ao
natural.
O
tempo passando, alguém começava a se sentir melancólico em
recordar alguma dor de cotovelo e não resistia àquele clima de
tristeza e alegria alternadas. O sujeito ensimesmado na sua saudade
se recolhia solitário em sua discrição. Mal se dava conta de que
os outros percebiam a sua fossa e, cortando o embalo, logo
providenciavam que se levantasse o astral. Segredos não existiam
entre eles. Pois que tratasse o dito cujo de ir desabafando a sua
desdita. Esta o atingindo, contagiava o todo ali presente.
A
tensão do ambiente carregado, as horas calmas da noite, era chegada
a ocasião de se mudar os ares – quem sabe encarar a madrugada lá
fora e até acordar a causadora daquela perturbação repentina,
interrompendo-lhe o sono tranquilo com uma inesquecível serenata?
Que importaria a distância? Lá, todos iriam desprendidos ante o
compromisso maior da solidariedade e da ventura de se fazerem
presentes naquele momento decisivo na vida do companheiro. Lá, todos
iriam nem que tivessem de gastar a própria sola dos pés. Para então
voltarem de alma limpa e passos trôpegos, cantarolando as notas e
acordes da melo-poesia que, pelo caminho, despertaria os adormecidos.
Provavelmente, haveriam de se sentir aureolados a andar nas nuvens
como arcanjos-seresteiros.
José
Alberto de Souza
(
A cronica desta semana é a que dá o nome ao novo livro de José
Alberto de Souza, o primeiro em formato digital e que está sendo compartilhado livremente na web)
Publicado na coluna Gente Fronteiriça do Jornal Fronteira Meridional em 20/11/2013
Nenhum comentário:
Postar um comentário