Enquanto o vice-presidente João Goulart visitava a China, a
convite do governo de Pequim, Jânio Quadros renunciava à Presidência da
República, em 25 de agosto de 1961. Nas eleições, de modo sarcástico, o povo
brasileiro tinha inventado a chapa híbrida Jan-Jan, como que provocando
a anarquia generalizada. Não deu outra. O imprevisível “homem da vassoura”, acometido
de crises existenciais, ficou a ver fantasmas por toda parte, assustando-se com
o peso da responsabilidade pela votação maciça, e deixou a nação entregue à
sanha dos aproveitadores do momento. A confusão tomou corpo com a resistência
dos militares à posse de Jango na mais alta investidura republicana, impedindo
até mesmo que regressasse à pátria. Graças ao movimento da Legalidade liderado
pelo cunhado e governador gaúcho Leonel Brizola, no entanto, foi possível a sua
entrada no Brasil (via Montevidéu), chegando a Porto Alegre no dia 5 de
setembro.
Eu cursava o 1º ano de Engenharia da UFRGS e tive as aulas
suspensas por alguns dias, enquanto a balbúrdia corria solta em Porto Alegre e
boatos fervilhavam por todos os cantos. Pairava no ar a ameaça de bombardeio ao
Palácio Piratini, Brizola já se entrincheirava com bateria antiaérea na
cobertura e armas distribuídas à população para que resistisse a possíveis
ataques. Também era improvisado um estúdio nos porões palacianos, com o
transmissor confiscado da Rádio Guaíba, para formar a chamada Rede da
Legalidade.
Foi um tempo de come-bebe-dorme onde eu morava, a Pensão
Familiar Ludwig na Rua Andrade Neves, imediações do famoso mata-borrão, construção
de madeira da antiga Caixa Econômica Estadual, situado na esquina com a Avenida
Borges de Medeiros. Ali funcionava o
centro de alistamento de voluntários para a Campanha da Legalidade, ao qual me
dirigi acompanhando uma amiga que pretendia se inscrever no corpo de
Enfermagem. Assim que concretizou seu intento, ela sugeriu que eu também
aderisse. Desconversei, disse que tinha muita gente, que eu passava depois.
Tirei o corpo fora.
Quando saímos do prédio, ficamos apreciando os exercícios de ordem
unida que um sargentão reformado passava para um grupo de recrutas. “Em meu
pelotão, não vou admitir nenhum covarde e ai daquele que der no pé, vai se
haver comigo!”, dizia em altos brados para se fazer ouvir, sobrepondo-se ao som
estridente do alto-falante que arremetia com o Hino Rio-grandense. Bancos
fechados, peladura geral, nosso lazer consistia em subir a ladeira da General
Câmara rumo à Praça da Matriz e misturarmo-nos ao povão que desafiava as bombas
prometidas.
José Alberto de Souza
Publicado na Coluna Gente fronteiriça do jornal Fronteira Meridional em 23/04/2014
Cronica retirada do Livro Digital O VELHO “CHATEAU” DAQUELES RAPAZES DE ANTIGAMENTE
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