“Às
vezes, no rústico balcão de velha tábua enegrecida o tempo
parava...
Às
vezes, o vento passava e o papel de embrulho acenava convidando o
cliente...”
Dou-me
conta dos tempos decorridos e dos espaços ocupados nesta minha
jornada de tantas vidas. Lugares por onde andei, saindo de Jaguarão,
passando em Porto Alegre (Partenon, Centro, Bonfim e Menino Deus),
São Bernardo do Campo (Jardim do Mar), São Paulo (Vila Prudente,
Jardim da Saúde) e Florianópolis (Capoeiras, Agronômica). Em todos
eles ainda rememoro a existência de uma “bodega”, ali na esquina
ou no meio da quadra, que ainda hoje teima em manter a sua caderneta
de fiados para os clientes relutantes em ingressar na era das compras
facilitadas pelos cartões de crédito.
E
o vento vai passando e me jogando meninote naquela chácara do meu
tio Cantalício, em Jaguarão, naquela estrada que me parecia não
ter fim até chegar lá, deixando a cidade, avistando a Igreja
Matriz, a Santa Casa, o Quartel, o Curtume e o caminho longo até o
Corredor das Tropas. Logo ali, a casa dos Machado, atravessava-se o
Passo dos Correias, um fiapo de arroio que não dava passagem nas
chuvaradas, e a estrada seguia na direção da Capela São Luiz. Bem
antes eu descia do “carrinho” puxado a cavalo e abria a porteira
para trilhar a íngreme e escorregadia lomba de terra até as casas.
Ranchos,
galpões, currais, baias, tambos, galinheiros, chiqueiros, açudes,
sangas, mato, campos, potreiros, cacimba, bomba d’água,
plantações, hortas, pomares, taquarais, um mundo de solidões para
mim. Aves, bovinos, equinos, suínos, caninos eram seres estranhos ao
meu cotidiano citadino. Meu tio reinava ali absoluto e ditava suas
leis: “na minha propriedade é proibido caçar passarinho”. Os
estilingues eram apreendidos sem qualquer apelação. Não deixava de
verificar e determinar as tarefas do chacareiro, “seu” Dema que a
toda hora precisava ser lembrado da forma de executá-las.
Para
ocupar melhor esse tempo arrastado, lá ia eu pegar no arado e tanger
os bois no vai e vem da terra lavrada ou então rolar a pipa para
buscar água na cacimba. Montava na égua zaina e saia a recolher as
reses espalhadas pelo campo. Enchia sacos de laranja, vergamota,
peras, goiabas para devorá-las ali mesmo e levando o resto para
casa. Antes do almoço, o banho recreativo na sanga, seguido de
causos contados na roda do mate, enquanto “seu Dema” aprontava a
bóia e eu sugeria um angu de sobremesa: “mas não tem o fubá, a
farinha de milho...” Fácil, só ir lá na Dona Alexandrina que ela
tinha...
E
nós saíamos cruzando campos afora, a pé naquela lonjura, para
chegar à venda de Dona Alexandrina e gritar da porteira: “Ó de
casa, queremos um quilo de fubá!”
José
Alberto de Souza
Publicado na Coluna Gente fronteiriça do Jornal Fronteira Meridional em 04/06/2014
Cronica retirada do Livro Digital O VELHO “CHATEAU” DAQUELES RAPAZES DE ANTIGAMENTE
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