A Copa de 1970
foi a primeira a ser televisionada para o mundo inteiro. E Jaguarão fazia pouco
tempo que estava incluída nesse “mundo inteiro”. Parece que foi na Radio Luz
que vendeu-se o primeiro aparelho “Admiral”, uns dois anos antes. Mas o sinal
era precário. Conta-se que o comprador
ligava indignado ao balconista quando tentava olhar sem sucesso a então mais
falada novela “ Véu de Noiva”, com o galã Cláudio Marzo e a novíssima atriz
Regina Duarte, que viria a ser depois a namoradinha do Brasil e , mais
recentemente, a que fez fiasco com medo
do Lula em 2002. Dizia o nosso infeliz primeiro televidente de Jaguarão: “
Tchê, esse troço que tu me vendeu não dá! Quando tem voz , não tem semblante! E
quando tem semblante , não tem voz!”
Nós morávamos no
Rio Branco, meu pai ainda não tinha comprado TV. “Quando as coisas
melhorarem”, dizia ele. E ia nos cozinhando. Nós torcendo pra se vender
mais cobertor Aurora, mais poncho de lana, mais blusões Burma, mais chocolates
Águila. Mas por mais que se vendesse, não sobrava grana pra investir na nossa
TV tão sonhada. E vinha chegando a Copa.
Para nossa alegria, vimos
desembarcando na nossa vecina, Doña Mercedes, uma flamante Philco, 20
polegadas. Preto e Branco, que cores não tinha mesmo. Quando queria dar-se um colorido na imagem, apelava-se para um papel celofane em três
tons: verde , azul e vermelho. Era uma belleza!
Não lembro ao
certo se foi a doña Mercedes que nos convidou ou se foi nós mesmos que
sutilmente sugerimos que ela nos convidasse para assistirmos à estreia do
Brasil na Copa do México contra a fortíssima seleção da Tchecoslováquia, numa
quarta-feira à noite. Como fica na memória tanto tempo depois! Eu tinha 12 anos
e minha irmã, companheira de futebol, e que nas peladas no campinho dos Cardoso
quebrava o galho jogando de goleira, tinha 10. Pois bem, depois de um inicio
apavorante, quando saímos perdendo, viramos o jogo e ganhamos por 3 a 1, com
espetacular atuação daquele que seria chamado o “Furacão da Copa” , Jairzinho.
E a Celeste
também tinha um timaço. E chegou o dia fatídico da semifinal em que nos tocou enfrentar o Uruguay. E
agora, desde este longínquo 2014, elogio o espirito esportivo da doña Mercedes.
Nos acolheu para ver o jogo. A condição era ficarmos quietos e torcer pro
Brasil de maneira discreta. Nos pareceu justo. Na janela, bandeira Azul e
Branca. No campo, a celeste melhor. Saiu ganhando com gol do atacante Cubillas.
A coisa tava feia, quando o Clodoaldo empatou. Apertei a mão da minha irmã e
vibramos por dentro. Doña Mercedes já nos olhava de cara feia, quando a
Canarinho fez o segundo com Jairzinho e depois selou o resultado com uma bomba
do Rivelino vencendo o goleiraço Ladislau Mazurkiewicz. Estávamos na Final!
“Bueno mijos,
por acá se acabó la farra”, sentenciou com uma certa animosidade, doña
Mercedes. Respeitando a dor da
nossa Televizinha e também para participar da festa, viemos ver o jogo contra a
Itália em Jaguarão. Não lembro como, me vi com mais de vinte pessoas na Casa do
seu Erni Pólvora, onde hoje é a Loteria
Federal, na 27. Depois, o que me lembro é do povo todo na rua fazendo
algazarra. Encostado na Casa Ao Paraguaio, atual Confeitaria São José, via a
multidão quando uma bombinha estourou ao meu lado me deixando atordoado. Mas
valeu a emoção! Causos de Copa!
Jorge
Passos
Publicado na coluna Gente Fronteiriça do Jornal Fronteira Meridional em 18/06/2014
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