Vi
no centro de Porto Alegre a placa de uma loja: Varejão Evangélico.
Vi o anúncio de uma massagista nos classificados do Correio do Povo:
Sessentona de Cachoeirinha. O que será que o Varejão Evangélico
vende que outros não vendem? Se a moda pega, logo teremos produtos
orgânicos evangélicos, refrigerantes zero açúcar e zero tentação,
tudo benzido ainda por cima. Isso me lembra de uma campanha bolada
por um amigo meu, a Coleção Nosferatu Infantil, com brinquedos para
a Romênia. Mas um caderno em forma de ataúde e um lápis que também
serve de estaca, ou pasta de dente com sabor de sangue, não dão pra
saída, convenhamos.
Quanto
à Sessentona de Cachoeirinha, ela diz que faz o diabo a quatro, até
inversão. Eu, o sessentão da Vila Nova, não tenho ideia do que
seja essa tal de inversão, mas temo que a coisa acabe em torcicolo
ou numa crise de ciático ou mesmo numa bacia deslocada. Depois
talvez dê para brincar de adeus às armas, quer dizer, de paciente e
enfermeira, seu ignorante. De qualquer forma incluí a dita inversão
na minha lista de alegrias da melhor idade.
Senti,
de um modo obscuro, que há uma ligação entre o Varejão Evangélico
e a Sessentona de Cachoeirinha. Mas qual, além da óbvia promessa de
uma realização intangível? Será que a Sessentona é tia do dono
do Varejão? Não sei. São misteriosos os caminhos do Senhor.
Inteligências
e burrices múltiplas
O
conceito das inteligências múltiplas pegou, me parece que com
razão. Eu, pelo menos, sou bem espertinho para umas coisas, mas até
hoje tenho problemas com a tabuada do sete pra cima, por exemplo.
Agora, o que há de reconfortante nesse conceito tem também de
amedrontador, basta olhar para ele de trás pra frente: as burrices
múltiplas. Se fizermos direito as contas, é possível descobrir que
somos estúpidos em muito mais coisas do que somos inteligentes. Vou
mais longe. Não só não somos inteligentes em tudo, como nem sempre
somos inteligentes no que somos comprovadamente inteligentes.
Qualquer coisinha do dia a dia pode nos desafinar, uma noite mal
dormida, um desencontro, uma chuva, um esquecimento, uma broxada.
Quantas vezes uma amizade ou inimizade nos obscureceu o raciocínio?
Os famosos testes de QI são ótimos, quando aplicados em máquinas.
QBS
Sempre
desejei ver um teste que medisse nosso quociente de bom senso. Acho
bom senso mais importante que inteligência. Ou bom senso é um tipo
de inteligência? Leva jeito de ser. Mas o diabo é que o bom senso
sofre da mesma precariedade. Vi mais de uma vez pessoa de comprovado
bom senso cometendo desatinos como qualquer papalvo ou doidivanas.
Em
literatura, por exemplo, o bom senso não recomenda usar palavras
como papalvo e doidivanas. Por falar nisso, em literatura o bom senso
é um bom guia em matéria estilística, uma ferramenta pra hora de
passar a limpo, mas pouco mais. Os melhores livros nasceram de
apostas loucas, de aventuras extravagantes, de delírios, de
pesadelos.
Anúncios
fúnebres
Notei
que os anúncios de falecimento ou convite para missa de sétimo dia
costumam sair no rodapé da seção de polícia dos jornais. Por quê?
O mistério é metafísico ou essas páginas são mais baratas
apenas? Notei outra coisa também: nomes como Carlinda, Estranzulina,
Herculano ou Libânio são vistos apenas nesses anúncios. Jamais se
viu uma Estranzulina viva e atuante. Essa gente parece sair do nada
direto pro cemitério. O pior é que as fotos que ilustram os
anúncios são típicas. Mesmo fora de contexto, sabemos: trata-se de
defunto.
Paternalismo
Vi
muitos empresários dizerem que o povão não deve ver no Estado um
pai, mas, sim, botar o pé na rua e se virar em nome da livre
concorrência. Mas vi esses mesmos empresários mamando nas tetas do
Estado a vida toda. Oquei, oquei. É preciso ver uma mãe no Estado,
não um pai. Que cabeça a minha.
Choros
Quem
não chora não mama, como dizia o bebê de Rosemary.
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