sexta-feira, 11 de julho de 2014

Relembranças

Sempre que venho a Jaguarão e tenho tempo disponível, dou uma caminhada sem rumo pela cidade. Transito de preferência pelas ruas menos movimentadas, só ou bem acompanhado. Aproveito, nessas relembranças, para desafiar a saudade que, no túnel do tempo, me joga ao passado - e lá vão algumas décadas. Com isso retorno a alguns caminhos que pisei com os mesmo pés que tenho hoje, mas olhei com outros olhos: os de quem apenas começava a pensar em trilhar outras sendas deste mundão danado de grande para a cabeça do guri de cidadezinha. Neste transitar pelo passado, vou recordando coisas que me trazem alegria ou mexem em cinzas do que não gostaria de lembrar.

Mas não tinha intenção de falar de mim. Quero falar da cidade. Confesso que uso um truque contextual - digamos assim - para criar um clima de Jaguarão do passado. Em uma conversa, quando me refiro a algum local, falo como se tivesse voltado no tempo. Quando explico alguma coisa, digo "Ali no centro, defronte à Farmácia Graciliano". Ou, "Perto da Miscelânea". Ou, "bem pertinho da Confeitaria São José". Desse jeito vou trazendo um pouco da história da cidade para a rememoração daquilo que foi uma referência que todos conheciam.

Em matéria de saudosismo e competência para transferir para a escrita a história do quotidiano da cidade, meu amigo José Alberto de Souza é a lembrança perfeita. Quem já leu qualquer de seus livros sabe do que estou falando. Quase a totalidade de sua obra conhecida, refere-se a sua vivência na Jaguarão que sempre leva no peito, embora permaneça distante dela. Já disse no meu blogue que ele é "meu saudosista predileto" e meu parceiro de papos e reminiscências jaguarenses em longas tardes porto-alegrenses em torno de xícaras de cafezinho já vazias ou taças de bom vinho tinto.

Há poucos dias, em um destes meus passeios, chamei a atenção de minha companheira para o fato de que Jaguarão é uma bela cidade com muitas coisas para mostrar aos visitantes, mas é uma cidade melancólica (De momento não acho outro termo apropriado). Chegamos à conclusão de que "a cidade das belas portas não abre suas janelas", como se as casas não fossem habitadas.

Nessas minhas relembranças e fantasias gosto de imaginar que, um dia, nossa cidade vai apresentar-se também cheia de cores, adornada das mais variadas flores e, então, nós e os nossos visitantes vão ser cativados pela beleza natural que lhe estaremos proporcionando. Falei desse meu sentimento com o Cléber Carvalho (também um companheiro de muitas digressões em meus dias jaguarenses) mas ele não me acompanha nessa ideia. Entendo que a cidade serrana tem um pensamento coletivo mais aperfeiçoado do que o nosso, porém, também tenho a esperança - quase uma convicção - de que essa fase de integração ao mundo cultural porquê passa Jaguarão (por motivos vários) deve conduzir-nos a uma mudança de comportamento. Isso nos há de trazer uma nova mentalidade que terá preocupações com a estética como forma de transmitir uma melhor acolhida aos que chegam aqui procurando nossas características próprias.


Eu passarei. Nós passaremos. Jaguarão permanecerá, acompanhando o tempo, mas guardando a nostalgia de uma antiga povoação com seus traços coloniais cheios de mensagens dos que aqui estiveram antes de nós. Nosso compromisso deve ser conservá-las para aqueles que vierem depois de nós.

Wenceslau Gonçalves

Publicado na coluna Gente Fronteiriça do jornal Fronteira Meridional em 09/07/2014


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