É tarde sabe, talvez seja tarde
demais, talvez, sei lá. Ando bebendo (não que isso seja estranho), o estranho
nisso tudo é que bebo por que preciso e não tenho por que tenho vontade, ando
tão sem vontade de ter vontade, que ando numa vontade enorme de não ter vontade
alguma. Ando caminhando rápido, logo eu que sempre presei os passos lentos.
Queria as vezes estar melhor comigo mesmo, não sentir que tô sempre torto, ando
cansado de acreditar que de tanto entortar, vou acabar me endireitando de novo,
ou melhor me esquerdando, ir pra direita, jamais.
Mas é muito tarde pra acordar tão
cedo e pensar que as coisas vão de mal a pior, que o mundo inteiro tem esse tom
cinza, qual fosse aquarela surrealista, andei pensando em morrer, mas os bons
morrem jovens, não eu, nós os que nem eu, sabe? Nós ficamos velhos e caídos na
sarjeta bebendo o que tiver pra beber, ainda sem vontade, ainda sem querer,
ainda, apenas por que precisamos.
E é tarde demais pra dormir cedo e
acordar amanhã fingindo que tenho mil coisas pra fazer, tarde pra fingir que
posso virar as madrugadas e amanhã estar bem, não tenho mais idade pra isso, ou
até tenho, o que eu não tenho é vontade, o que eu não tenho é saco. Acabou a
cerveja, mas um tinha um keep cooler de pêssego na geladeira, isso mesmo, vocês
leram certo, keep cooler de pêssego, poderia me levantar, colocar um tênis e ir
atrás da porcaria de uma cerveja, mas ando sem vontade, abro o keep mesmo, ele
me bebe e eu o bebo, acho que o gosto dele deve ser melhor.
E então quando já não nos beijamos,
a garrafa e eu, ela me encara, como perguntando, qual fosse eu, esfinge a
devorá-la por não entender-me, e suas perguntas( que são a coisa mais valiosa
do mundo, sim, as perguntas, jamais as respostas) não me dizem nada, soam
silenciosas como a vontade muda de gritar até minha voz se extinguir, não me
dizem nada, e enfim, eu entendo o porque, no final, afinal, eu não tenho
perguntas, e sem perguntas ando meio sem vontade de perguntar, sem vontade de
ter vontade alguma, sem vontade alguma de dizer que é tarde.
Nicolás Gonçalves
Texto publicado na coluna Gente Fronteiriça do jornal Fronteira Meridional do dia 23/01/2013
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