Eram
os anos cinquenta, em Jaguarão predominavam como assuntos ora o
futebol, ora as carreiras de cancha reta que deslocavam a política
para uma abordagem secundária e as cores partidárias se trocavam
conforme o livre arbítrio de cada um. No Café do Comércio,
andava-se de uma mesa para outra e se constatava essa predileção
entre os diversos clientes, não se tinha muito a escolher. Agora os
carreiristas eram mais chegados à barbearia do Márcio Tissot, outro
aficionado que atraía e dava linha para os clientes, demorando-se em
suas conjeturas turfísticas que enervavam aqueles que não estavam a
fim de papo.
Na
época, recém se fundara o Jockey Club de Jaguarão, modismo que
provocou algum esvaziamento nos estádios de futebol existentes na
cidade, prejudicados pela concorrência com os páreos de longa
distância, aos domingos, no Prado local. Disputavam a corrida
principal o parelheiro Lord, pertencente a meu primo Anysio de Souza
Resem, e a potranca Princesa, de propriedade do Dr. Ernesto Marques
da Rocha, ex-prefeito do Município, em infindáveis tira-teimas
consequentes das discussões que se sucediam na barbearia do Márcio,
nenhum deles querendo dar o braço a torcer.
O
Lord não tinha lá o seu pedigree, pois era descendente duma eguinha
zaina e mansa que tio Cantalício tinha em sua chácara, após o
passo dos Correias. Resultara do cruzamento com o tordilho Nico, este
sim um excelente troteador e puxador do carrinho que conduzia Anysio
para visitar a noiva na estância do futuro sogro, no Cerrito. Mas
aquele era um animal diferenciado que logo revelou seus pendores para
o galope nas pistas de corrida, vindo a tornar-se alegria de muitos
apostadores na fase inicial quando pagava generosas “poules”, as
quais em seguida deixaram de ser compensadoras...Porém, havia um
complicador nessa história toda. Era o jóquei Matraca, um mestre
nas rédeas apesar de muito chegado a um trago amigo que, às vezes,
sumia na véspera e só aparecia todo borracho pouco antes de correr
– e dê-lhe banho frio para se compor. Assim meu primo se viu
obrigado a construir uma casinha de alvenaria na chácara do seu pai
Cantalício, com um quarto para alojar Matraca e o tratador “seu”
Benício, encarregado de vigiar os passos daquele, tendo ao lado a
baia que abrigava Lord. E de madrugada, todo dia, saiam os dois para
varear e cronometrar os tempos do parelheiro.
Anysio
me falava que se dedicaria a viajar por todo Estado caso dispusesse
de um capital maior, possibilitando-lhe a corrida do Lord em
localidades onde não fosse conhecido para obter melhores
rendimentos. Até que o doutor Ernesto se dando conta do melhor
desempenho deste em relação à Princesa, terminou comprando-o. E o
primo, acreditando nas melhores condições financeiras do seu rival
para explorar o potencial do seu cavalinho, não relutou em se
desfazer deste. Acontece que Marques da Rocha se enfezou com a
aquisição e terminou “queimando” suas fichas em canchas de
baixo retorno...
Quando
chegava à chácara de tio Cantalício, sempre procurava tomar meus
mates com “seu” Benício e Matraca, levando alguns livros para
que eles se distraíssem durante a semana. Numa dessas ocasiões,
“seu” Benício Tissot, que também era pai do barbeiro Márcio e
de uma filharada imensa dessas de campanha, convidou-me para ir até
sua casa situada “logo ali” quem vai para a capela de São Luiz.
E lá fui eu, roçando fundilhos em cima dos pelegos da sela de um
petiço, a visitar o humilde rancho desse tratador. Foi uma festa a
nossa chegada. Na porteira, a filha mais moça do velho, toda
sorridente, e ele me larga uma pérola:
-“Que
tal, te agrada essa prenda?”
José
Alberto de Souza
Publicado na Coluna Gente Fronteiriça do Jornal Fronteira Meridional em 19/02/2014
Cronica retirada do Livro Digital O VELHO “CHATEAU” DAQUELES RAPAZES DE ANTIGAMENTE
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