quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

“PEGA NA COLA QUE O RESTO NÃO AMOLA!”

Eram os anos cinquenta, em Jaguarão predominavam como assuntos ora o futebol, ora as carreiras de cancha reta que deslocavam a política para uma abordagem secundária e as cores partidárias se trocavam conforme o livre arbítrio de cada um. No Café do Comércio, andava-se de uma mesa para outra e se constatava essa predileção entre os diversos clientes, não se tinha muito a escolher. Agora os carreiristas eram mais chegados à barbearia do Márcio Tissot, outro aficionado que atraía e dava linha para os clientes, demorando-se em suas conjeturas turfísticas que enervavam aqueles que não estavam a fim de papo.

Na época, recém se fundara o Jockey Club de Jaguarão, modismo que provocou algum esvaziamento nos estádios de futebol existentes na cidade, prejudicados pela concorrência com os páreos de longa distância, aos domingos, no Prado local. Disputavam a corrida principal o parelheiro Lord, pertencente a meu primo Anysio de Souza Resem, e a potranca Princesa, de propriedade do Dr. Ernesto Marques da Rocha, ex-prefeito do Município, em infindáveis tira-teimas consequentes das discussões que se sucediam na barbearia do Márcio, nenhum deles querendo dar o braço a torcer.

O Lord não tinha lá o seu pedigree, pois era descendente duma eguinha zaina e mansa que tio Cantalício tinha em sua chácara, após o passo dos Correias. Resultara do cruzamento com o tordilho Nico, este sim um excelente troteador e puxador do carrinho que conduzia Anysio para visitar a noiva na estância do futuro sogro, no Cerrito. Mas aquele era um animal diferenciado que logo revelou seus pendores para o galope nas pistas de corrida, vindo a tornar-se alegria de muitos apostadores na fase inicial quando pagava generosas “poules”, as quais em seguida deixaram de ser compensadoras...Porém, havia um complicador nessa história toda. Era o jóquei Matraca, um mestre nas rédeas apesar de muito chegado a um trago amigo que, às vezes, sumia na véspera e só aparecia todo borracho pouco antes de correr – e dê-lhe banho frio para se compor. Assim meu primo se viu obrigado a construir uma casinha de alvenaria na chácara do seu pai Cantalício, com um quarto para alojar Matraca e o tratador “seu” Benício, encarregado de vigiar os passos daquele, tendo ao lado a baia que abrigava Lord. E de madrugada, todo dia, saiam os dois para varear e cronometrar os tempos do parelheiro.

Anysio me falava que se dedicaria a viajar por todo Estado caso dispusesse de um capital maior, possibilitando-lhe a corrida do Lord em localidades onde não fosse conhecido para obter melhores ren­dimentos. Até que o doutor Ernesto se dando conta do melhor desempenho deste em relação à Princesa, terminou comprando-o. E o primo, acreditando nas melhores condições financeiras do seu rival para explorar o potencial do seu cavalinho, não relutou em se desfazer deste. Acontece que Marques da Rocha se enfezou com a aquisição e terminou “queimando” suas fichas em canchas de baixo retorno...

Quando chegava à chácara de tio Cantalício, sempre procurava tomar meus mates com “seu” Benício e Matraca, levando alguns livros para que eles se distraíssem durante a semana. Numa dessas ocasiões, “seu” Benício Tissot, que também era pai do barbeiro Márcio e de uma filharada imensa dessas de campanha, convidou-me para ir até sua casa situada “logo ali” quem vai para a capela de São Luiz. E lá fui eu, roçando fundilhos em cima dos pelegos da sela de um petiço, a visitar o humilde rancho desse tratador. Foi uma festa a nossa chegada. Na porteira, a filha mais moça do velho, toda sorridente, e ele me larga uma pérola:
-“Que tal, te agrada essa prenda?”


José Alberto de Souza 


Publicado na Coluna Gente Fronteiriça do Jornal Fronteira Meridional em 19/02/2014

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