“
Silencio à noite, está tudo calmo, a cidade dorme, ambição
descansa.” Estes versos
iniciais do tango Silencio, de Carlos Gardel e Lepera, cantados na
versão brasileira por Dalva de Oliveira ficaram guardados na minha
memória musical e poética. Meu pai era um amante da música – nos
fez, a mim e meus irmãos, estudar piano e acordeon desde que
entramos no primário. Morávamos no Rio Branco e com a Professora
Elmita tínhamos as lições, ali mesmo na vizinhança do bairro. Era
os anos 60, e na vitrola Philips, alta fidelidade, também rodavam
Fumando Espero aquela que mais quero e o Lencinho branco,
as minhas preferidas.
Também tínhamos discos da Nora Ney e do Nélson Gonçalves, cantando versões de tangos famosos e
da famosa orquestra de tangos do Maestro Donato Raciatti com toda a
coleção. Se não me engano, a orquestra chegou a apresentar-se no
Clube Harmonia por essa época. Mas não era só música. No rádio
da vitrola (era um dois em um) escutava-se novelas, programas
humorísticos e o futebol. Lembro bem que na Copa de 66 minha mãe
colocava a imagem de Nossa Senhora Aparecida quando a situação para
a Canarinho azedava. Não adiantou muito, mas acho que os dois de falta contra a Bulgária tiveram a mão da Santa. Tivemos de esperar
até 1970 para levantar o caneco do tri, mas agora não era mais pelo
rádio que acompanhávamos, era pela TV, dos vizinhos e do tio
Monteiro em Jaguarão.
Desse esforço do Velho na nossa educação, quem vingou mesmo na
música foi minha irmã maior, professora e ainda eximia em Chopin,
Bach, Lizt e Schubert, no antigo piano berlinense comprado em
Montevidéu. Outro ainda arranha uns acordes de baião no acordeón.
A menor chegou a tocar alguna milonga na guitarra com el professor
Basílio Morales. Eu, fiz 2 anos de piano , mas o que gostava mesmo
era do ritmo. Tive uma carreira musical breve, digamos que numa
Academia de Cantos de Cisne. Sobrou o legado de uma cultura musical
que ousaria dizer rebuscada.
Porém não falo do passado com melancolia. Esta nostalgia é
acompanhada de um certo sorriso no rosto. Apesar de termos sido
criados numa filosofia católica de culto ao sofrimento. Há uma
lenda de que o menino Jesus quando nasceu recebeu três presentes
dos reis magos. O primeiro foi o Passado, para ter saudade e sofrer.
O Segundo foi o Futuro, para desejar e sofrer e o Presente, oprimido
por esses dois, para sofrer.
Mas sempre é bom relembrar o passado. Inclusive para poder avaliar o
presente e projetar o futuro. Antigamente lutávamos por Ensino
público e gratuito, hoje os alunos da Unipampa em Jaguarão lutam
por ar condicionado nas salas de aula e já conquistaram uma Casa de
Estudantes, cuja construção já foi licitada. Avançamos, não há
dúvida. Recordam que reivindicava-se para o trabalhador um salario
minimo de 100 dólares? Era bandeira de luta do senador Paim. Hoje
deve valer um pouco mais de 300. Recordam-se da dívida externa
impagável ? Hoje nem se fala mais disso. Para terminar, dizem que
Lula trouxe a Copa do Mundo e as Olimpíadas, FHC trazia o FMI.
Jorge Passos
Publicado na Coluna Gente Fronteiriça do Jornal Fronteira Meridional em 05/02/2014
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