Preciso esclarecer
que, órfão de pai e mãe, José Dalberto e Maria Francisca, fui criado como filho
pelos meus tios Cantalício e Florisbela, que me acolheram em sua residência em
Jaguarão. Era um sobrado, onde funcionava a livraria e tipografia na parte
térrea, sendo a parte de cima ocupada como moradia da família; situava-se na
esquina das ruas 27 de Janeiro e Andrade Neves, a bem dizer o coração da cidade, pois ali também
estavam localizados o Banco do Estado do Rio Grande do Sul, o restaurante Gruta Jaguarense e o Café do Comércio, tradicionais pontos de
encontro da população. Contíguos ao nosso prédio, tínhamos a Prefeitura
Municipal, pela 27, e o Snooker do Oliosi,
pela Andrade Neves. O sobrado possuía seis sacadas, cinco das quais davam para
a rua principal, a 27, e dali se podia observar todo o movimento urbano. No
carnaval, não se dormia a noite inteira e ficávamos assistindo de camarote o
desfile dos blocos carnavalescos e dos carros alegóricos, além do corso das
rainhas dos clubes Harmonia, Jaguarense, Caixeiral, Instrução e Recreio,
24 de Agosto. Na época, os principais blocos carnavalescos eram o Bataclã, os Marujos do Amor e o Troveja
Mas Não Chove, que costumavam se apresentar durante o dia, antes dos
desfiles, na frente das residências para angariarem recursos ou para
agradecerem àqueles que tinham assinado os seus Livros de Ouro.
Assim, apesar de
introspectivo, posso dizer que, cercado pela agitação de tantos ruídos urbanos,
os mesmos sempre soaram para mim como uma sinfonia, contribuindo bastante para
me despertar uma provável paixão sonora. Ainda hoje, ecoam nítidos os acordes
de é com este que eu vou sambar até cair
no chão, aquele samba de Pedro Caetano que ficou gravado em minha memória,
desde o tempo em que seguia o bloco Marujos
do Amor, comandado pelo incrível folião Heponino Costa, através das ruas de
Jaguarão. Ou então ia assistir a passagem do Troveja Mas Não Chove, o cordão do Curto, precedido pelas evoluções das asas imensas do morcego do Ari, seguido pelo carro da Arara – “arara aí vai, arara aí vem” –.
Que, dizem as más línguas, certa ocasião, obrigou a que se aumentasse a altura
do portão da garagem onde fora construído, para sair à rua. E ainda tinha a borboleta do Rosa que abria caminho ao
passo imponente do seu Teodoro,
presidente perpétuo da Sociedade 24
de Agosto, dirigindo o tradicional Bataclã.
E aí me animei a botar na rua minha fantasia de cowboy, calça, colete, chapéu e canana para revólver de chumbo,
máscara preta tipo zorro, que eu
mesmo confeccionei com a embalagem das resmas de papel da tipografia costurada
em barbantes. Saí de fininho. Quando o pessoal em casa me viu na avenida, eu
estava sendo depenado pela molecada, Cho
mascarado, deixando-me de cuecas. Depois, comecei a sassaricar nos bailes
do Clube Jaguarense, cujo presidente, Comendador Arnaldo Dutra, mandava-me
permanente para todos os dias de folia a fim de preceder a comparsa. Na rua,
desfilávamos fardados com camiseta de time de futebol, correndo como se
estivéssemos entrando em campo, junto com alguns aspirantes cariocas do
Regimento que batiam triângulo ao estribilho de Dim-dim-dim, saravá pai Joaquim. Ou então nos ensinavam a cantar Oi, Iaiá, cadê o vaso, / o vaso de fazê cocô? / Eu vou lhe contar um caso, / eu
defequei no vaso, / me limpei co’a flô. / Sacanage, sacanage / e você não sabia
/ que o vaso era só / de fazê lavage. Por pouco, pouco, não apanhamos da
assistência.
José Alberto de Souza
poetadasaguasdoces.blogspot.com.br
Texto publicado na coluna Gente Fronteiriça do Jornal Fronteira Meridional do dia 06/02/2013
6 comentários:
Pago um cafezinho no "Bolha" se Cleber Carvalho ou Cláudio Ely Rodrigues me revelarem quem era o corneteiro ao lado do Osmar e mais outro se me disserem que construção era aquela ao fundo da fotografia...
Virgem, quanta gente já foi para a "sobreloja"!
Dos agachados, só eu por aqui...
O grande poeta das "Águas Doces" revela seu lado carnavalesco, que beleza! Aquilo sim deveria ser uma festa de Carnaval e não os bundões e seios siliconados dos dias de hoje.
Parabéns Joalso, a cada dia a sua vida é revelada pelo que se passou nos bastidores. Eh!Eh!Eh!.
Muito boa a matéria e a foto.
Um grande abraço
Edemar Annuseck
O poeta Zorro que ficou de cueca na avenida! Isso dá música José alberto de Souza, cawboy folião! Está eu gostaria de ter presenciado!
Raimundo Cândido
Amigo José Alberto que texto com sabor de vida! E a fotografia diz muito do estou afirmando. Há de fato um clima do autêntico espírito carnavalesco no ar. Este país é mesmo uma lindeza, uma riqueza e a gente precisa de narrativas assim para realimentar de leveza e alegria nossos corações.
Parabéns! Gostei muito. Obrigada por compartilhar. Fátima/Laguna/SC
Amigo José Alberto que texto com sabor de vida! E a fotografia diz muito do estou afirmando. Há de fato um clima do autêntico espírito carnavalesco no ar. Este país é mesmo uma lindeza, uma riqueza e a gente precisa de narrativas assim para realimentar de leveza e alegria nossos corações.
Parabéns! Gostei muito. Obrigada por compartilhar. Fátima/Laguna/SC
Souza: Gostei de mais dessa tua crônica sobre o antigo Carnaval de Jaguarão.Cheia de vida, me fez sentir vontade de ter vivido tudo aquilo. Parabéns.Guilherme.
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