O grito de Tarzan limpava qualquer orelha |
Tarde da noite,
enquanto a cidade comemorava o natal, encaminhou-se ao prostíbulo onde
trabalhava sua amada e entregou-lhe sem cerimonia um pequeno involucro. Era o seu presente. Macabro. Nele estava sua orelha direita. A dele, Van Gogh. Esse
estranho e inusitado episódio de auto mutilação ocorrido em 25 de dezembro de
1888, transformou a aurícula do então
miserável pintor holandês numa das orelhas mais famosas do mundo. Sem dúvida há
muitas outras, menos famosas, mas muito conhecidas. Inclusive seus donos são
conhecidos por serem delas
portadores. No lugar normal,
onde se espera que estejam, em suas cabeças e exercendo sua função em prol da
audição. Se bem que tê-las como característica anatômica principal não é muito
prazeroso.
Há outras orelhas
dignas de nota, e não pelo seu tamanho avantajado ou pelo seu destino cruel.
Recebi convite que muito me honrou, para escrever a orelha do próximo livro do
Poeta Martim César, Sobre Amores e Outras Utopias, que deve ser lançado em breve. Missão de alta
responsabilidade a qual não me esquivei.
Muitas pessoas compram um livro pela sua orelha. Ali se atiça a
curiosidade do leitor, seduz-se à leitura. Uma orelha malformada pode ser uma
tragédia. Pode significar o encalhe de uma edição inteira.
Este assunto
recordou-nos, a mim e ao Sérgio Christino, o que ocorreu a uma colega do
ginásio. Tínhamos de semestralmente ler
um livro e dele fazer uma apreciação crítica. Ler, para muitos era tarefa hercúlea e crítica
então, poucos tinham ideia do que fosse isso.
Acontece que a citada colega apresentou um trabalho portentoso. A
professora, cética quanto à autoria do texto, impecável, pressionou
implacavelmente a menina até conseguir a confissão. Ela , quase aos prantos
revelou a fonte. O texto era cópia da Orelha do Livro. Havia outros que se
socorriam de amigos, irmãos, conhecidos, que gostavam de leitura e podiam dar
uma mãozinha nessa hora tão difícil. Noutro caso, desta vez com o Professor
Abel, o colega, que só tinha tempo para a guitarra em sua banda da jovem
guarda, apresentou seu trabalho sobre o
livro A Moreninha, de Joaquim Manuel de Macedo. O Professor, sabendo da pouca
afinidade do aluno com as lides da leitura escolar, estranhou a boa confecção
do texto apesar de algumas omissões. Para tirar as dúvidas, perguntou oralmente ao nosso guitarrista: vem
cá, nesse livro faz-se referencia a alguma ilha? Ante a questão, o nosso músico não hesitou
(hesitar poderia ser uma declaração de culpa). Ilha? Não, não havia nenhuma
ilha. Que estranho, retrucou o Abel, apondo um redondo zero na apreciação
crítica do nosso infeliz colega. Esta história da Moreninha passa-se
inteiramente na Ilha de Paquetá e pode-se dizer que é quase personagem central
do romance!
E há mais um
caso. Dessa feita foi com um colega já veterano. Vamos ao próximo, disse o Professor. Fulano! Qual o livro que o
Sr. leu? Tarzan, respondeu o aluno. Ouviu-se um
murmurejar na sala. Apesar dos nossos poucos conhecimentos sobre a matéria, a
obra de Edgar Rice Burroughs, o criador do Rei das Selvas, não era muito
conceituada em termos literários. Na verdade porém, o zumzumzum devia-se a uma
onda de descontentamento por parte de todos que leram pesados romances. Afinal,
quem não via os filmes do Johnny Weissmuller, o mais famoso Tarzan, e lia as HQ das aventuras do Homem
Macaco?
Silencio
resignado do paciente professor. O resenhista do Tarzan começou a ler. A cena
que nos ficou na memória é ele repetindo interminavelmente entre snifes e
fungadas (movido sinceramente pela
emoção, transtornado, ou talvez gripado, com coriza?) referindo-se ao Lord
Greystoke, pai do menino perdido na Jungle: Pobre homem...Pobre homem...
Jorge Passos
Publicado na coluna Gente Fronteiriça do Jornal Fronteira Meridional em 30/04/2013
2 comentários:
E por falar no Professor Jorge Abel Neto, lembrei-me de uma aula em que ele me mandou ler o poema Os Sinos,
de Manoel Bandeira. Como se tratava de uma poesia que dava ênfase à onomatopéia, resolvi seguí-la ao pé da letra. Pra quê? A "galera" caiu na risada, o que fez o dileto mestre interromper a leitura, chamando a atenção dos outros colegas, de que eu estava interpretando corretamente aquele poema ao colocar a emoção na fala.
Os Sinos
Sino de Belém,
Sino da Paixão…
Sino de Belém,
Sino da Paixão…
Sino do Bonfim!…
Sino do Bonfim…
Sino de Belém, pelos que inda vêm!
Sino de Belém bate bem-bem-bem.
Sino da Paixão, pelos que lá vão!
Sino da Paixão bate bão-bão-bão.
Sino do Bonfim, por quem chora assim?…
Sino de Belém, que graça êle tem!
Sino de Belém bate bem-bem-bem.
Sino da Paixão – pela minha irmã!
Sino da Paixão – pela minha mãe!
Sino do Bonfim, que vai ser de mim?…
Sino de Belém, como soa bem!
Sino de Belém bate bem-bem-bem.
Sino da Paixão…Por meu pai?…-Não!Não!…
Sino da Paixão bate bão-bão-bão.
Sino do Bonfim, baterás por mim?…
Sino de Belém,
Sino da Paixão…
Sino da Paixão, pelo meu irmão…
Sino da Paixão,
Sino do Bonfim…
Sino do Bonfim, ai de mim, por mim!
Sino de Belém, que graça êle tem!
MANUEL BANDEIRA
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