As reminiscências do José Alberto de Souza publicadas nesta coluna,
levaram-me também a remexer no meu bau de lembranças jaguarenses e,
para minha surpresa, qual a que emergiu? A de um fantasma beato, o da
Torrre da Minervina. Ele surgia às sextas-feiras, por volta da
meia-noite, no já distante agosto de 1962. Era um vulto branco que
percorria o muro lateral da Igreja, na rua Coronel de Deus Dias, logo
desaparecia e surgia de novo, agora lá em cima, contornando a
marquise da torre. Um dos primeiros a presenciar essa possível
assombração foi um brigadiano, conhecido como Cabo Godinho, ao
concluir sua pacata ronda ciclística. Levou um susto tão grande
que quase caiu da bicicleta. Dirigiu-se então à toda para o Café
do Comércio, ainda aberto, embora o adiantado da hora e contou o que
vira, apavorado. Havia um grupo de poucas pessoas, conversando em
torno de uma única mesa e ninguém levou a sério sua narrativa.
Muito menos o Reingantz, proprietário da casa, que já fechava as
portas ruidosamente para os retardatários se retirarem.
Entretanto,
para o medo de alguns e a descrença de muitos, dali em diante mais e
mais pessoas começaram a ver esse tipo de aparição, no mínimo uma
vez por semana. Até que cerca de dois meses depois, altas horas, um
grupo de pessoas ansiosas aguardava o surgimento do fantasma. A fraca
iluminação daquele tempo, com escassas lâmpadas do tipo doméstico,
fazia as árvores da rua General Osório projetar grandes sombras
que, aliadas à neblina que caia lentamente, criavam um clima de
suspense londrino. E foi aí que o Bica, meu amigo de infância, mais
o Antoninho Becker, colocaram água fria na fervura. Apareceram
armados de revolver e espingarda com a intenção de dar uns tirinhos
no fantasma e ver o que acontecia. Nem precisou fazer o primeiro
disparo, a assombração - que não era do outro mundo mas daqui
mesmo - tomou uma chá de sumiço e nunca mais apareceu.
Hoje,
passados mais de 50 anos, é possível revelar os autores da
façanha. Um deles era o meu irmão Paulinho Fagundes Azevedo, que
embora fosse dez anos mais novo do que eu, já faleceu. Eu reclamo
que a turma daquele tempo está sempre furando a fila, mas não
adianta. A maioria já passou para o plano espiritual, deixando-nos
na saudade. Os outros eram o Nelson e o Valquir Del Pino, tendo ainda
um conselheiro filosófico, professor do Colégio Espírito Santo,
cujo nome já não recordo. Mas foi ele quem aconselhou a descer o
pano final, antes que ocorresse uma tragédia. Os atores fantasmas
eram dois, porque assim podiam atuar em sintonia. Enquanto um
desaparecia aqui embaixo, o outro imediatamente surgia lá no alto da
torre, abrindo os braços, todo de branco, aumentando o mistério.
E embora
eles tenham usado como cenário o venerável espaço externo de uma
igreja, creio que o bom Pai do Céu logo os perdoou. Afinal, era
apenas uma turma de jovens e sua brincadeira não magoou ninguém. Em
meio a tantos problemas cabeludos criados pelos adultos, até Deus
até deve gostar de espairecer e dar uma risada ante uma boa e
inocente piada.
Pedro
Fagundes Azevedo
Publicado na Coluna Gente Fronteiriça do Jornal Fronteira Meridional em 29/05/2013
Um comentário:
Pedrinho Azevedo sempre foi um emérito contador de histórias.
Eu que o diga quando ouvia atentamente as suas "falafonizações" em nossa juventude, criando incríveis roteiros dignos de serem ilustrados em qualquer revista de quadrinhos.
Não é atoa que se destacou na área publicitária, sendo autor da famosa "Pausa Que Refresca".
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