quinta-feira, 29 de março de 2012

1932 - Noel Rosa em Pelotas



COM QUE ROUPA!

Por: Mario Osorio Magalhães, Historiador, osoriomagalhaes@hotmail.com 


Noel Rosa esteve em Pelotas em maio de 1932. Aos 21 anos, no início da carreira, mas já no fim da vida (morreria em 1937), veio acompanhado dos cantores Francisco Alves e Mário Reis e de mais dois músicos, formando o quinteto que Chico Alves intitulara Ases do Samba.
 
Durante a vinda, Noel compôs Quando o samba acabou. No retorno, escreveu o samba Até amanhã, a música com que os conjuntos encerravam as festas, no meu tempo de moço: "Até amanhã,/ se Deus quiser./Se não chover/ eu volto pra te ver/ oh! Mulher".

Em 1932 Francisco Alves, o Chico Viola, já era um ídolo; alto, magro, elegante, avesso à bebida, era o líder do grupo. Sem gozar do mesmo prestígio, Mário Reis, com a sua voz suave, o seu estilo pausado de cantar, era um gentleman; culto, filho de família tradicional do Rio de Janeiro, por exigência do pai formou-se em Direito - mas, de fato, era "doutor em samba", apelido que lhe deu Custódio Mesquita.

Às vésperas da viagem, Francisco Alves já havia alertado os companheiros que o uso do smoking seria obrigatório: "No máximo um summer, mas de forma alguma um terno comum". Mas, no dia da estreia, em Porto Alegre, Noel entrou no teatro vestindo um encardido terno branco. A explicação: "É um summer. Eu aluguei". "De quem?" "De um garçom, meu amigo." Diante da irritação de Chico Alves, Mário Reis argumentou que o grupo ficaria interessante, quatro de preto e um de branco, e a plateia poderia "até pensar que é bossa".

Na estreia em Pelotas, Francisco Alves já se acostumara com o terno branco e andava menos preocupado com os atrasos de Noel. Mas foi justamente aqui que surgiram novas surpresas. Há quase 20 minutos a plateia reclamava, assobiando, e nada de iniciar o espetáculo, em razão da ausência do futuro "poeta da Vila Isabel". Quando finalmente chegou, não estava de smoking nem de roupa de garçom, mas vestido com um extravagante terno de flanela cinza, listrado; calçava sapatos brancos; e, sobre a cabeça, ostentava uma boina marrom…

Mário, mais uma vez, procurou tranquilizar os companheiros. A solução seria disfarçar, esconder Noel ao fundo da ribalta, atrás do piano: talvez assim o público não percebesse a sua estranha indumentária. Porém, na sua vez de solar, Noel Rosa não se fez de rogado e foi para a frente do palco; cantou uma paródia que havia feito para Suçuarana, a famosa toada sertaneja, na qual fazia troça da própria desgraça, escarnecendo, à sua maneira, da pobreza e da fome.

A plateia julgou que o terno, os sapatos, a boina, faziam parte do número. Prorrompeu em novos assobios, agora de entusiasmo, sacudindo o teatro, a cada nova quadrinha que Noel concluía, com gargalhadas e palmas. 

De modo que estavam satisfeitíssimos com o seu estrondoso sucesso em Pelotas os cinco Ases do Samba quando, dias depois, embarcaram no trem, em direção a Rio Grande.



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