COM QUE ROUPA!
Por:
Mario Osorio Magalhães, Historiador, osoriomagalhaes@hotmail.com
Noel
Rosa esteve em Pelotas em maio de 1932. Aos 21 anos, no início da
carreira, mas já no fim da vida (morreria em 1937), veio acompanhado
dos cantores Francisco Alves e Mário Reis e de mais dois músicos,
formando o quinteto que Chico Alves intitulara Ases do
Samba.
Durante a vinda, Noel compôs Quando o samba
acabou. No retorno, escreveu o samba Até amanhã, a música com que
os conjuntos encerravam as festas, no meu tempo de moço: "Até
amanhã,/ se Deus quiser./Se não chover/ eu volto pra te ver/ oh!
Mulher".
Em
1932 Francisco Alves, o Chico Viola, já era um ídolo; alto, magro,
elegante, avesso à bebida, era o líder do grupo. Sem gozar do mesmo
prestígio, Mário Reis, com a sua voz suave, o seu estilo pausado de
cantar, era um gentleman; culto, filho de família tradicional do Rio
de Janeiro, por exigência do pai formou-se em Direito - mas, de
fato, era "doutor em samba", apelido que lhe deu Custódio
Mesquita.
Às vésperas da viagem, Francisco Alves já havia
alertado os companheiros que o uso do smoking seria obrigatório: "No
máximo um summer, mas de forma alguma um terno comum". Mas, no
dia da estreia, em Porto Alegre, Noel entrou no teatro vestindo um
encardido terno branco. A explicação: "É um summer. Eu
aluguei". "De quem?" "De um garçom, meu amigo."
Diante da irritação de Chico Alves, Mário Reis argumentou que o
grupo ficaria interessante, quatro de preto e um de branco, e a
plateia poderia "até pensar que é bossa".
Na
estreia em Pelotas, Francisco Alves já se acostumara com o terno
branco e andava menos preocupado com os atrasos de Noel. Mas foi
justamente aqui que surgiram novas surpresas. Há quase 20 minutos a
plateia reclamava, assobiando, e nada de iniciar o espetáculo, em
razão da ausência do futuro "poeta da Vila Isabel".
Quando finalmente chegou, não estava de smoking nem de roupa de
garçom, mas vestido com um extravagante terno de flanela cinza,
listrado; calçava sapatos brancos; e, sobre a cabeça, ostentava uma
boina marrom…
Mário, mais uma vez, procurou tranquilizar os
companheiros. A solução seria disfarçar, esconder Noel ao fundo da
ribalta, atrás do piano: talvez assim o público não percebesse a
sua estranha indumentária. Porém, na sua vez de solar, Noel Rosa
não se fez de rogado e foi para a frente do palco; cantou uma
paródia que havia feito para Suçuarana, a famosa toada sertaneja,
na qual fazia troça da própria desgraça, escarnecendo, à sua
maneira, da pobreza e da fome.
A plateia julgou que o terno,
os sapatos, a boina, faziam parte do número. Prorrompeu em novos
assobios, agora de entusiasmo, sacudindo o teatro, a cada nova
quadrinha que Noel concluía, com gargalhadas e palmas.
De
modo que estavam satisfeitíssimos com o seu estrondoso sucesso em
Pelotas os cinco Ases do Samba quando, dias depois, embarcaram no
trem, em direção a Rio Grande.
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