sábado, 29 de setembro de 2012

A Cultura é a pièce de résistance das políticas públicas

Versos de Dario Garcia para Jaguarão seguir mudando

A expressão francesa pièce de résistance significa aquilo que é mais substancial. Inicialmente remetia à gastronomia referindo-se ao prato principal de um cardápio. Penso ser de bom tom o uso desta expressão para alinhar algumas memórias refletidas a partir das questões conjunturais que o momento eleitoral faz aparecerem.

O imaginário de cada um de nós é sempre circundado pelo conjunto de oportunidades vivenciadas. Tais vivências traçam um registro na memória individual daqueles que atravessam um determinado tempo histórico. No entanto, para além deste “cada um de nós”, há um caldo comum que resulta das experiências significativas, seja pela importância ou pela repetição, que traça uma geração inteira. A minha, por exemplo.

Criei-me na Rua dos Trilhos, em Jaguarão, ou seja, na Rua Uruguai, de hoje e de sempre, só que antes era dita dos trilhos. Trilhos que levavam e traziam mercadoria para o Uruguai. Dum lado e doutro da linha férrea estendiam-se duas sangas por onde se esgotavam as residências. Neste fluxo os água-pés floriam em branco na primavera. E, depois de alguma chuva, a criançada largava barquinhos de papel viajando mar afora. A poesia compensava a falta de políticas públicas de saneamento básico.

Desta época, duas lembranças assediam minhas reflexões. A estréia como leitor e o fato de eu morar perto da família que gerenciava a Rádio Cultura. Tendo me alfabetizado na escola primária, uma vizinha, costureira de renome, incumbiu-me de ler em voz alta enquanto ela fazia os acabamentos de mão nas peças que já costurara na máquina de costura. Os romances franceses do tipo capa-espada, publicados pela editora Vecchi, foram minhas primeiras leituras, o que permitia aos adultos vaticinarem: este menino será uma pessoa culta. Isto, e o destaque atribuído aos nossos vizinhos que trabalhavam na única rádio à época, levaram a que a palavra cultura passasse a ter um valor para minha história pessoal.
Depois, vieram os tempos de adolescência e somei-me à fraternidade que, por outros caminhos, também valorizavam a cultura, então já como forma de resistir à ausência de democracia própria dos “anos de chumbo”. Através da cultura, resistimos à massificação promovida pelo sistema, cuja modelização era voltada para nos tornar, toda a América Latina, no quintal das “multi”, como dizíamos. Na total ausência de vida civil, diante da supressão dos direitos políticos, éramos militantes culturais. Esta foi a nossa resistência.

Por isso, entendo o poder transformador da cultura. Esta via de acesso que permite transpor o adverso. Saúdo as plataformas que defendem a cultura como uma política pública. Creio na democratização da cultura e na conversão cidadã daqueles que a ela tem acesso. Quando a cultura é vista como gasto e não como investimento estamos diante da barbárie racional autoritária que permite a frase, por vezes atribuída a Goebbels - "quando me falam em Cultura saco logo da pistola."

Sérgio Batista Christino

Texto publicado na Coluna Gente Fronteiriça do Jornal Fronteira Meridional , edição de 29/09/2012




2 comentários:

Anônimo disse...

Excelentes as suas reflexões, Christino! Como seres gregários é bom sabermos que a Cultura implica sermos conscientes de que somos mais do que um ego isolado, e de que uma civilização é a soma dos aportes individuais, isto é, uma construção coletiva!

Unknown disse...

Boa noite! Meu nome é Carol,sou de São Paulo. Entrei no blog à procura de um grande amigo meu que não converso há pelo menos uns 9 anos,o Dario Garcia e acabei me interessando ainda mais pela cidade de vcs. Sou de Santa Maria,vim pequena pra cidade do caos, mas ouvia sempre meu vô falando o quanto Jaguarão tem uma vibe diferente. Espero visitar em breve! E mais legal ainda é saber que existe movimento cultural, com mentes pensantes e gente interessante! Por favor, se possível passe meus contatos para o Dario, a vida anda corrida pra botar uma carta no correio e o tel. que tenho é da casa da irmã dele que me disse que ele não mora mais lá. Bom, diga que é a CAROL de são bernardo, a guria com a qual ele trocava correspondência escrita na máquina de escrever uns 10 anos atrás!
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