sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Construir é cultivar


Sempre motivada pelos fatos, a Coruja de Minerva pescoceia na direção do início deste mês de janeiro. Com o ouvido atilado, recolhe a frase do Prefeito Cláudio Martins, ao proceder à entrega simbólica das chaves da casa própria a pessoas de baixa renda em Jaguarão: “Estou vivendo uma das maiores alegrias podendo ver que a vida dessas famílias está se transformando para melhor”.

Nos tempos atuais, Jaguarão vive intensas transformações políticas, sociais, culturais e econômicas. Para mim, entretanto, é importante refletir o sentido do construir a cidade – construir um lugar habitável, onde as moradias são o compromisso com o desenvolvimento e permanência daqueles que são e serão os futuros cidadãos.

Contando com a boa vontade do leitor, evoco um texto, considerado inevitável, para a construção civil – Arquitetura, Engenharia, Urbanismo, etc -, um texto que Martin Heidegger escreveu na década de 50, no pós-guerra, onde o déficit habitacional era marcante. Trata-se de “Construir, habitar, pensar”; dentre tantas indagações, Heidegger quer saber em que medida o construir se relaciona com o habitar e com o pensar.

Neste texto, o filósofo alemão aproxima o espaço gerado pela construção arquitetônica da noção grega de fronteira e lembra que para os gregos: A fronteira não é o ponto onde algo termina... a fronteira é o ponto a partir do qual algo começa a ser o que é (onde começa sua essência). Eis que o ato mesmo de construir é precedido por uma essência, que é o habitar – e os arquitetos e arquitetas sabem disso, ou pelo menos deveriam saber.

Este habitar, que Heidegger reponta da densidade semântica cotidiana empobrecida, é ainda o existir, e também o pensar. São dimensões que estão relacionadas; em outro texto, de 1971 (Poesia, Linguagem e Pensamento), o filósofo diz que: a forma como você é e eu sou, a maneira como nós humanos somos nesta terra, é ... o habitar. Ser humano significa estar na terra como um mortal, significa habitar. Assim, habitar é ser humano e é, da mesma maneira, pensar, já que o pensamento é próprio da condição humana. E argumenta que somente pelas formas de construir chegamos ao habitar – a ser e pensar.

Separar estas dimensões, ou esquecê-las, é muito comum no enfrentamento sôfrego do déficit habitacional e, por vezes costuma ocorrer que se tenham verdadeiros arremedos de moradias enquanto fruto de políticas públicas. O que não se aplica às casas recém construídas em Jaguarão; até onde me consta, são habitações que refletem o cultivo de uma vida digna. Congratulações às famílias contempladas.


Sérgio Batista Christino

Texto publicado na Coluna Gente Fronteiriça do Jornal Fronteira Meridional, edição de 01/02/2012.

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