Sempre
motivada pelos fatos, a Coruja de Minerva pescoceia na direção do
início deste mês de janeiro. Com o ouvido atilado, recolhe a frase
do Prefeito Cláudio Martins, ao proceder à entrega simbólica das
chaves da casa própria a pessoas de baixa renda em Jaguarão: “Estou
vivendo uma das maiores alegrias podendo ver que a vida dessas
famílias está se transformando para melhor”.
Nos
tempos atuais, Jaguarão vive intensas transformações políticas,
sociais, culturais e econômicas. Para mim, entretanto, é importante
refletir o sentido do construir a cidade – construir um lugar
habitável, onde as moradias são o compromisso com o desenvolvimento
e permanência daqueles que são e serão os futuros cidadãos.
Contando
com a boa vontade do leitor, evoco um texto, considerado inevitável,
para a construção civil – Arquitetura, Engenharia, Urbanismo, etc
-, um texto que Martin Heidegger escreveu na década de 50, no
pós-guerra, onde o déficit habitacional era marcante. Trata-se de
“Construir,
habitar, pensar”;
dentre tantas indagações, Heidegger quer saber em que medida o
construir se relaciona com o habitar e com o pensar.
Neste
texto, o filósofo alemão aproxima o espaço gerado pela construção
arquitetônica da noção grega de fronteira
e
lembra que para os gregos: A
fronteira não é o ponto onde algo termina...
a
fronteira é o ponto a partir do qual algo começa a ser o que é
(onde começa sua essência).
Eis
que o ato mesmo de construir é precedido por uma essência, que é o
habitar – e os arquitetos e arquitetas sabem disso, ou pelo menos
deveriam saber.
Este
habitar, que Heidegger reponta da densidade semântica cotidiana
empobrecida, é ainda o existir, e também o pensar. São dimensões
que estão relacionadas; em outro texto, de 1971 (Poesia,
Linguagem e Pensamento),
o filósofo diz que: a
forma como você é e eu sou, a maneira como nós humanos somos nesta
terra, é ... o habitar. Ser humano significa estar na terra como um
mortal, significa habitar.
Assim, habitar é ser humano e é, da mesma maneira, pensar, já que
o pensamento é próprio da condição humana. E argumenta que
somente pelas formas de construir chegamos ao habitar – a ser e
pensar.
Separar
estas dimensões, ou esquecê-las, é muito comum no enfrentamento
sôfrego do déficit habitacional e, por vezes costuma ocorrer que se
tenham verdadeiros arremedos de moradias enquanto fruto de políticas
públicas. O que não se aplica às casas recém construídas em Jaguarão; até onde me consta, são habitações que refletem o
cultivo de uma vida digna. Congratulações às famílias
contempladas.
Sérgio
Batista Christino
Texto publicado na Coluna Gente Fronteiriça do Jornal Fronteira Meridional, edição de 01/02/2012.
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