Nesta
mesma coluna, em 07 de novembro passado,
o Professor Carlos Rizzon escreveu interessante artigo sobre os
acontecimentos do 27 de janeiro e sua ligação com o Cerco a Paysandu. Por esses
fatos, levam as duas cidades a alcunha de heroicas. Pondo de lado a questão das
heroicidades incertas, a Banda Oriental
era ainda um estado em formação, entreverado entre os interesses de Buenos Aires
e do Império Brasileiro e fortemente dividida entre Blancos e Colorados.
Porém, o que nos interessa hoje é lançar
informações sobre os fatos acontecidos nesta fronteira e as repercussões no
Império do Brasil.
Reproduzimos a seguir, mantendo a grafia original, carta do
correspondente em Pelotas do Diário do Rio de Janeiro, publicada em
edição do dia 11 de fevereiro de 1865, fonte Biblioteca Nacional. O principal
alvo do correspondente é o Presidente da Província, Sr João Marcelino de Sousa Gonzaga, pelo descaso
com a defesa da fronteira.
RIO GRANDE DO SUL _ Pelotas,
29 de Janeiro _ ( Carta do correspondente ) _ A falta de prestigio, e a pouca acção
governativa da parte do presidente desta província vai produzindo fructos cada
vez mais dolorosos. Há 15 dias o coronel Vargas, commandante da guarnição de
Jaguarão communicou ao presidente a approximação de uma força oriental superior
a 1.000 homens, e pedio armamento. O presidente sempre dubio, sempre indeciso,
não lh'o mandou....
Pois bem, a vinda de uma força
oriental sobre Jaguarão não foi um sonho daquelle veterano. 1.500 blancos ao
mando de Basilio Munhoz sitiam Jaguarão, tendo já no dia 27 feito uma investida
contra a cidade, que se defende com os seus poucos recursos! O coronel Vargas ante-hontem, ás 3 horas da
tarde, ainda se dirigio ao presidente só pedindo armamento e cartuxame, porque
confia mais que tudo nos recursos de acção e companheiros. Mas, com o vagar do
costume, se haviam embarcado 200 armas que lá foram encalhar no sangradouro,
que inda hontem apenas tinha 4 palmos d'agoa. Às 11 horas da noite de hontem
chegou um vapor de Jaguarão trazendo mais de 200 pessoas. São famílias que
fogem espavoridas diante do terror de um assalto. Esse mesmo vapor regressou levando 48 homens
de infantaria, que mandou o presidente, quando alliás podia e devia mandar toda
a infantaria de guarda nacional que aqui tem. Agora se procede à reunião da
guarda nacional de cavallaria para seguir por terra em soccorro a Jaguarão. A
creação de uma força de observação, bem montada e armada convenientemente na
fronteira de Jaguarão era uma medida necessária, e ao alcance de todos.
O presidente a não
comprehendeu, resistindo aos conselhos do general Caldwel, e até do barão do
Serro Alegre que lhe mandou um próprio instando por essa providencia, única
capaz de resguardar-nos de uma invasão, como a que soffre Jaguarão.
Mas o presidente entende ser
elle o mais habilitado general, que para o rio Grande a todos quer convencer
que não há gente, quando é certo que nossas fazendas estão cheias de homens,
que as tropas de gados seguem-se umas às outras trazendo grande número de
homens, como conductores, e quando não há quem não saiba que as reuniões da
guarda nacional ordenadas pelo actual presidente são infelizes, porque tem elle
tido o infortunio de não saber escolher os homens a quem deve confiá-las.
Agora mesmo em Jaguarão o
tenente-coronel Balduino e o major Leandro reuniram, em dous dias, cerca de 600
homens, alli mesmo onde o presidente, compulsando os mappas das qualificações
da guarda nacional, declarou que não havia mais o que reunir! É uma fatalidade
para nós, e para o paiz, a cegueira do gabinete. O actual presidente não tem
dado conta da tarefa que lhe foi confiada, e não sei como se poderá justificar
o gabinete, que há muito deve ter sentido este estado de cousa.
Ahí vem chegando de todos os
pontos da fronteira do Jaguarão velhos, mulheres e crianças, que se refugiam
nesta cidade, abandonando as pressas seus estabelecimentos, que tem sido
saqueados pelas partidas orientaes! Causa dó ver o estado de desespero em que
estão!... Ora, quem é o primeiro responsavel por tantas desgraças, que teremos
a lamentar? À ineptidão e inacção do Sr. Gonzaga tudo se deve, porque estando
aqui nada previne, manda e desmanda, e ficamos sempre atrasados. É tan
presidente que n' uma quadra destas não vizita um quartel, não assiste a uma
revista!...Ninguém o procura, e sabe-se que há presidente, porque á sua porta
estão duas ordenanças!
Quer creiam, quer não, fique
sabendo que ainda hoje não há em Pelotas uma só arma! Alguns proprietários
sabendo disto, mandaram comprar 300 armas, que existem no Rio Grande e que são
amanhã esperadas. Não é provável que Pelotas seja atacada, mas tem em si uma
população escrava, que sobe a 4.000 almas, e as forças orientaes, que invadiram
a provincia vem proclamando a liberdade dos escravos.
30 DE JANEIRO._ Acabamos de saber que o general
Caldwel expedio o 4º batalhão que se achava em Bagé, e mais duzentos homens de
cavallaria para Jaguarão, e que para maior presteza da marcha fez montar a
cavallo as praças daquele batalhão. Assim terá Jaguarão um auxilio seguro, que
de cá não lhe iria tão cedo à vista das indecisões do Sr. Gonzaga. Sabemos por
cartas de Bajé de pessoa fidedigna que no dia 23 acampou no passo do Arriura no
Rio Negro uma outra força oriental de 1.400 homens. Estão a poucas léguas de
distancia de Bagé; mas lá não irão porque o general Caldwell de chegada áquelle
ponto, tratou logo de pô-lo em estado de repellir qualquer assalto activando as
reuniões da guarda nacional.
31 DE JANEIRO._ Não temos
noticias seguras do estado de Jaguarão. O presidente acaba de recusar o
alistamento de alguns voluntários da pátria porque diz elle não há ainda
corpos organisados!... Assim também não aceitou a offerta de serviços de mais
de 100 alemães que aqui residem, e não aceitou o concurso de alguns orientaes
conhecidos que se offereceram a marchar! Não entendemos isto.
Jorge Passos
Texto publicado na coluna Gente Fronteiriça do Jornal Fronteira Meridional do dia 04/12/2012
2 comentários:
"...Não é provável que Pelotas seja atacada, mas tem em si uma população escrava, que sobe a 4.000almas, e as forças orientaes, que invadiram a provincia vem proclamando a liberdade dos escravos..."
Lamentavelmente Pelotas não foi atacada...
A leitura do artigo do Professor Rizzon nos faz concluir que o alarmista correspondente do diário carioca não passava de um canalha a serviço de interesses escusos.
Felizmente hoje nossa imprensa é ciosa no cumprimento sua missão constitucional de bem informar a população, jamais adulterando os fatos...
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