segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

As Estações de Um Amor


Jaziam mortas as folhas de outono e naquela madrugada fria uma tênue neblina embaraçava a visão de seus olhos, de seus olhos que se encontraram embora nunca tivessem se buscado.

O sutil movimento do ar dava a impressão de que o tempo havia parado, o tempo havia parado enquanto conversavam em meio à algazarra até que a noite empalideceu para os lados da curva do rio.

Ela logo percebeu que a aparente rigidez de seu semblante de pronto se esvanecia quando a boca se rasgava num sorriso, num sorriso suave em que quase desapareciam seus olhos oblíquos de sonhador.

Ele notou que aquela voz não poderia sair de outra boca e ao compasso de seus gestos lépidos se foi enfeitiçando, se foi enfeitiçando no sortilégio moreno daqueles cabelos longos.

E o que não era provável se foi tornando óbvio e o que jamais se supunha já não poderia ser diferente quando se uniram num beijo, num beijo que os fez pensar no quanto teria sido bom se já tivesse sido.

Quando os primeiros rigores de inverno encheram as manhãs de branco e os dias inteiros de frio eles permaneceram num calor delirante, num calor delirante que emanava de seus amores repletos de sentimentos e devassidão.

Nas noites que vararam à luz fascinante das lareiras e ao sabor inebriante dos vinhos descobriram que os prazeres estavam também escondidos nas palavras, escondidos nas palavras que transformaram em encanto mútuo o que já era só encantamento.

Mas antes que o minuano deixasse de se esgueirar pelas frestas notaram que nem tudo tinha a lubricidade das camas ou ludicidade dos versos, dos versos que buscaram em vão ludibriar com poesia a certeza de que a primavera além de flores traria ventos.

De fato o verde dos campos e o cio da terra não puderam ocultar que atrás do sentimento mais nobre existia um invencível orgulho, um invencível orgulho responsável pelo paradoxo de se repelirem e se quererem na equação improvável de um amor soberbo.

No ardor dos dias e na frescura das noites alternaram risos e prantos e se o tom felino de palavras ásperas indicava o ocaso, a brandura dos carinhos e a sensibilidade dos abraços lhes permitiam uma vez mais sonhar, uma vez mais sonhar a paz palpável de tê-la adormecida em seu regaço.

No torpor indômito das sestas confundiram seus suores nas tardes escaldantes de um verão compartilhado, de um verão compartilhado em que a nudez dos corpos foi tão completa a ponto de ensejar o recíproco desnudar das almas.

Se protegeram juntos de inesperados e breves aguaceiros e se lançaram trovões nas tempestades e desfrutaram de sombras mansas nas horas vespertinas, nas horas vespertinas em que o surreal céu do sul desenha poemas no horizonte.

A luz ofuscante dos calores mais intensos distorcia as figuras na paisagem abrasadora enquanto a inconstância desse amor teimava com a razão numa luta sem glória, numa luta sem glória que escondia mágoas num esquecimento apenas aparente.

Sofreram e se amaram por outro outono e se enroscaram e se agrediram em mais um inverno e não venceram outra primavera, outra primavera em que as incompatibilidades estavam tão evidentes que prescindiam de palavras, pois já se conheciam pela intensidade dos silêncios.

Apesar dos pesares essas estações não seriam suficientes para demovê-los não fosse a inexorável passagem do tempo, a inexorável passagem do tempo que não lhes permite viver de novo esse amor que não era dessa, mas de outras vidas.


Rodrigo de Moraes


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