Jaziam
mortas as folhas de outono e naquela madrugada fria uma tênue neblina
embaraçava a visão de seus olhos, de seus olhos que se encontraram embora nunca
tivessem se buscado.
O
sutil movimento do ar dava a impressão de que o tempo havia parado, o tempo
havia parado enquanto conversavam em meio à algazarra até que a noite
empalideceu para os lados da curva do rio.
Ela
logo percebeu que a aparente rigidez de seu semblante de pronto se esvanecia
quando a boca se rasgava num sorriso, num sorriso suave em que quase
desapareciam seus olhos oblíquos de sonhador.
Ele
notou que aquela voz não poderia sair de outra boca e ao compasso de seus
gestos lépidos se foi enfeitiçando, se foi enfeitiçando no sortilégio moreno
daqueles cabelos longos.
E o
que não era provável se foi tornando óbvio e o que jamais se supunha já não
poderia ser diferente quando se uniram num beijo, num beijo que os fez pensar
no quanto teria sido bom se já tivesse sido.
Quando
os primeiros rigores de inverno encheram as manhãs de branco e os dias inteiros
de frio eles permaneceram num calor delirante, num calor delirante que emanava
de seus amores repletos de sentimentos e devassidão.
Nas
noites que vararam à luz fascinante das lareiras e ao sabor inebriante dos
vinhos descobriram que os prazeres estavam também escondidos nas palavras,
escondidos nas palavras que transformaram em encanto mútuo o que já era só
encantamento.
Mas
antes que o minuano deixasse de se esgueirar pelas frestas notaram que nem tudo
tinha a lubricidade das camas ou ludicidade dos versos, dos versos que buscaram
em vão ludibriar com poesia a certeza de que a primavera além de flores traria
ventos.
De
fato o verde dos campos e o cio da terra não puderam ocultar que atrás do
sentimento mais nobre existia um invencível orgulho, um invencível orgulho
responsável pelo paradoxo de se repelirem e se quererem na equação improvável
de um amor soberbo.
No
ardor dos dias e na frescura das noites alternaram risos e prantos e se o tom
felino de palavras ásperas indicava o ocaso, a brandura dos carinhos e a
sensibilidade dos abraços lhes permitiam uma vez mais sonhar, uma vez mais
sonhar a paz palpável de tê-la adormecida em seu regaço.
No
torpor indômito das sestas confundiram seus suores nas tardes escaldantes de um
verão compartilhado, de um verão compartilhado em que a nudez dos corpos foi
tão completa a ponto de ensejar o recíproco desnudar das almas.
Se
protegeram juntos de inesperados e breves aguaceiros e se lançaram trovões nas
tempestades e desfrutaram de sombras mansas nas horas vespertinas, nas horas
vespertinas em que o surreal céu do sul desenha poemas no horizonte.
A
luz ofuscante dos calores mais intensos distorcia as figuras na paisagem
abrasadora enquanto a inconstância desse amor teimava com a razão numa luta sem
glória, numa luta sem glória que escondia mágoas num esquecimento apenas
aparente.
Sofreram
e se amaram por outro outono e se enroscaram e se agrediram em mais um inverno
e não venceram outra primavera, outra primavera em que as incompatibilidades
estavam tão evidentes que prescindiam de palavras, pois já se conheciam pela
intensidade dos silêncios.
Apesar
dos pesares essas estações não seriam suficientes para demovê-los não fosse a
inexorável passagem do tempo, a inexorável passagem do tempo que não lhes
permite viver de novo esse amor que não era dessa, mas de outras vidas.
Rodrigo de Moraes
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