É folclore, manifestação espontânea do povo,
andanças tradicionais e animadas que começam mais ou menos em 30 de dezembro e
terminam a 6 de janeiro que é o Dia dos Reis. Grupos de músicos com seus
regionais mais ou menos treinados cruzam a cidade em várias direções, pacatos,
os Reis sempre trabalham à base de pouca "acatape" e muita simpatia,
nunca se viu um Reis no xadrez da polícia até mesmo as delegacias de nossa
capital dão licença para os tiradores de Reis. Meu pai adorava os reis, quando
se ouviam os primeiros acordes dos instrumentos musicais em nossa porta o poeta
de Solimões acordava, às vezes à meia noite, e entrava em diálogo com um dos
populares dos Reis. Certa ocasião na rua do Trilho de Ferro, onde morávamos
chegou um grupo, como era cedo ainda, nove horas, os tiradores, chefiados pelo
músico Vicentinho tocaram apenas, o que não satisfez, o Quintinho em respostar
perguntou:
– Por que não cantam? heim mestre?
– Seu doutor é porque a porta está aberta. Nós só
canta quando ela está fechada.
Sem perder um minuto meu pai que era homem de
repente fechou as portas, apagou a luz da entrada, eles também não se fizeram
de rogados. Os seis homens começaram a cantar os primeiros versos que nunca me
esqueci:
Aqui estou em vossa porta
em figura de raposa (repete três vezes)
em figura de raposa (repete três vezes)
Os outros três respondiam também três vezes o
último verso para formar a quadra:
Eu não venho pedir nada
Mas o dar é grande coisa (repete três vezes)
Esta casa está bem feita
Por dentro por fora não
Por dentro cravos e rosas
Por fora manjericão!
Mas o dar é grande coisa (repete três vezes)
Esta casa está bem feita
Por dentro por fora não
Por dentro cravos e rosas
Por fora manjericão!
Se procuro repetir os versos, que são popular, e
conhecidíssimos, é pelo prazer de reviver aqui nestas linhas e incentivar as
nossas tradições populares.
O senhor dono da casa
Abra a porta e acenda a luz (repete uma vez)
Pelo amor de Jesus
O sol entra pela porta o luar pela janela (repete três vezes)
O luar pela janela (repete três vezes)
Eu quero a resposta
E não saio daqui sem ela (repete três vezes)
Abra a porta e acenda a luz (repete uma vez)
Pelo amor de Jesus
O sol entra pela porta o luar pela janela (repete três vezes)
O luar pela janela (repete três vezes)
Eu quero a resposta
E não saio daqui sem ela (repete três vezes)
A música não varia nunca, creio que o leitor deve
conhecê-la muito bem, em caso contrário pode passar ao seu companheiro que se
for cearense de Fortaleza vai recordar as noites inesquecíveis de janeiro.
Ainda me lembro quando meu pai tirou do bolso de seu colete, que estava na
grade de uma cadeira, uma cédula de dez tostões e deu aos seis homens que
vibravam de alegria vendo tanto dinheiro! (Bons tempos).
Deitei-me pensando seriamente, não nos Reis, mas
na porta e repetia na cama:
Esse meu pai é um esbanjador, dá dez tostões de
uma vez a seis músicos que tocaram só meia hora...! e lá no fim da rua últimos
acordes me embalavam novamente o sono:
Aqui estou em vossa porta
Em figura de raposa...
Em figura de raposa...
Em figura de raposa...
Em figura de raposa...
Em figura de raposa...
Em figura de raposa...
Os folguedos continuam noite a dentro. Carolino
dos Reis, chefe de um grupo destes músicos populares empunha sua flauta de
bambu e com toda faceirice de mulato 100% fecha os olhos e sopra uma música que
se podia chamar melodia – saudade, nos transportando aos mesmo reis de janeiro
do ano passado e a saudação vem com o pandeiro em surdina:
Deus vos salve casa santa
Onde Deus fez a morada
Onde mora o cálix bento
E a hóstia consagrada
Onde Deus fez a morada
Onde mora o cálix bento
E a hóstia consagrada
Esta casa está bem feita
Por dentro por fora não
Por dentro cravos e rosas
Por fora manjericão!
Por dentro por fora não
Por dentro cravos e rosas
Por fora manjericão!
O dono ou a dona da casa atendam, dão suas ofertas
que tanto pode ser uma galinha como uma penca de bananas, em bodegas já se
sabe: é bolacha ou aguardente e as vezes um pedaço de queijo. Aí os tiradores
fazem a louvação aos donos da casa:
Meu senhor dono da casa
Faz favor que a porta abra
Que eu não sou como cabrito
Que mama dois numa cabra
Faz favor que a porta abra
Que eu não sou como cabrito
Que mama dois numa cabra
Havia no Jacarecanga um tirador de Reis que
exercia suas atividades desde menino quando apenas acompanhava o seu tio que
era chefe de grupo, festeiro dos melhores foi crescendo ficando conhecido como
tirador de Reis, nascido Enoc Maranhão seu nome foi mudado para Enoc dos Reis
era por outra razão motivo da troça, era por justiça que os companheiros
repetiam – "Esse Enoc é mesmo dos Reis"...
Mais quadrinhas colhidas do Enoc
São José e Santa Maria
Se foram para Belém
Foram tirar os seus Reis
Para nós tirar também
Se foram para Belém
Foram tirar os seus Reis
Para nós tirar também
O sol entra pela porta
O luar pela janela
Estou esperando a resposta
E não saio daqui sem ela.
O luar pela janela
Estou esperando a resposta
E não saio daqui sem ela.
E assim a serenata dos Reis percorre as ruas de
Fortaleza, dando a todos uma nota de tradição, bom gosto, simplicidade acima de
tudo de autêntica e de espontânea manifestação popular. Daqui o meu apelo:
recebam os Reis de acordo com o seu merecimentos, e salvemos alguma coisa das
tradições que ainda existem na nossa Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção.
(Cunha, Plautus. "Cantiga de Reis". O Estado. Fortaleza, 06 de janeiro de 1961)
Fonte: Blog do Nassif
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