Lá vou eu para o Ginásio de
Jaguarão, o Ipinha de saudosa
memória: posso dizer que, nesse tempo, começou a se manifestar em mim a paixão
pela música. Ouvinte da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, da Rádio Tamoio, da
Rádio Tupi, cujas ondas eram mais fáceis de sintonizar do que as rádios de
Porto Alegre, encantava-me com os famosos programas de auditório daquela época,
com a constelação de seus astros maiores: Francisco Alves, Orlando Silva,
Emilinha Borba, Marlene, Aracy de Almeida, Francisco Carlos e por aí me perdia.
A comoção com a morte do Rei da Voz, que rendeu inúmeras reportagens através da
revista O Cruzeiro – estava cada vez
melhor no antológico jargão publicitário do meu grande amigo Pedro Fagundes de
Azevedo. Aquela memorável serenata dos quatrocentos Violões em Funeral transmitida pela Rádio Farroupilha de Porto
Alegre. E a gente ainda escutava, durante a madrugada, os fantásticos Ritmos da Panair através do som potente
de um rádio Phillips holandês, tipo capela, que invadia nossos quartos vindo do
restaurante Gruta Jaguarense, situado
na esquina em frente ao sobrado onde residíamos.
No cinema, assistindo as
chanchadas da Atlântida, impressionava-me com a interpretação de Silva Neto
para Nervos de Aço, cuja autoria
ignorava fosse de Lupicínio Rodrigues, ilustre desconhecido para esse
analfabeto musical. A ZYU-7 Rádio
Cultura de Jaguarão tinha seus programas vesperais de calouros, aos sábados,
apresentando as atrações locais no Cine
Theatro Esperança, onde pontificavam o regional dos filhos do seu Agostinho – Canhoto, Lourenço e
Moacir – e mais o violonista Nery Antonini, além de Napoleão, Severo e
Adalberto Mendes, notáveis seresteiros, cuja fama se propagava por toda nossa
Zona Sul do Estado, estendendo-se Uruguai adentro. Assim, deleitava-me com esse
espetáculo e aproveitava para apreciar a beleza dos cabelos louros
encaracolados e pele rosada da jovem Eva Maria Arismendi, nossa futura Miss Rio
Grande do Sul, que sempre se fazia presente na platéia acompanhada do seu irmão
menor.
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24 de agosto de 1954 –
suicídio do presidente Getúlio Vargas, Pedro Bartolomeu Ribeiro, o Tutuca, petebista fanático, compunha um
samba externando sua indignação contra Carlos Lacerda, letra e música bem
elaboradas, chamava atenção de quem o escutava. Ele era um dos integrantes do
conjunto O Ginasiano, também composto
por Luiz Carlos Bode Silveira
(acordeão), Luiz Fernando Cassal, Geraldo Piuma e Luiz Elder Franco (violões),
Eulálio Pato Faria (cavaquinho) e
Oscar Godofredo Porraço Porciúncula
(percussão), que costumavam se apresentar em festas e eventos beneficentes ou
sociais. Tal grupo frequentemente interpretava as composições do Tutuca, uma das quais funcionava como
sua característica musical:
Trovejou,
relampeou... em seguida choveu.
Trovejou,
relampeou... em seguida choveu.
Chuva
malvada que chegou no carnaval
e
estragou a batucada que todos era a tal...
E
agora eu não sei o que fazer,
os
cordões já foram embora e deixaram de bater...
Em
despedida o povo canta o samba seu:
trovejou,
relampeou... em seguida choveu.
Eu não me conformava com tanto
talento desperdiçado e insistia com o Tutuca
para que encarasse a divulgação da sua obra; ele nem se importava, tantos
obstáculos pela frente, tinha mais de suportar a maldição da sua verve que jorrava ao natural, enquanto o seu
saudoso vizinho Paulo Soares da Silva se esforçava para juntar a papelada de
versos rabiscados e quase perdidos.
José Alberto de Souza
poetadasaguasdoces.blogspot.com
Publicado na coluna Gente Fronteiriça do Jornal Fronteira Meridional a 27/03/2013
4 comentários:
Grande poeta das águas doces, memorialista que nos dá prazer nas musicais crônicas sulistas, um abraço e penso que nos veremos no dia 2 de agosto, no lançamento do Varal Antológico em Floripa.
Raimundo Cândido.
MEU CARO JOSÉ ALBERTO, MUITO LINDO "DAS MINHAS REMINI8CENCIAS".
UMA BELEZA. PARABENS.
UM ABRAÇO, HUNDER
Meu preclaro mentor,das coisas escritas e faladas,de histórias da terra dos meus maiores,e tambem contemporeano de fatos narrados, os quais eu, mais novo, "arranhei"vivências pelo mesmo veículo, o rádio...Essas reminicencias tuas, afloradas pelo teu dom de escrever,me fizeram cruzar um portal do tempo,e do outro lado,vivenciar àqueles áureos tempos
Doces recordações caro poeta.
Bons tempos aqueles.
Um grande abraço.
Ubiratan.
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