segunda-feira, 26 de agosto de 2013

UMA VISITA AOS MUSEUS DE PORTO ALEGRE





As paredes coloridas criam uma atmosfera agradável. Veem-se pinturas em diversos estilos: alegres, tristes, comerciais, engajadas, pacíficas, irritadas, debochadas, que dizem algo ou nada comunicam, sóbrias ou perturbadoramente à beira da loucura. Cada tanto, uma tela chama a minha atenção: uma bela jovem emigrante, italiana ou francesa, num vestido preto que contrasta com a pele clara, sentada sobre um baú no convés, pensativa, viaja rumo à América. O mar embravecido ao fundo cria ondas e sulcos de dar vertigem, com crestas de branca espuma, enquanto o vento agita-lhe o longo cabelo escuro amarrado em cauda. Uma onírica paisagem montanhosa que só contém igrejas cristãs ortodoxas, de  torres binárias, com as suas características cúpulas arrematadas em forma de cebola. Lá embaixo, numa abertura entre duas montanhas, sobre um pequeno vale surgido como de um delta, um aqueduto ou uma ponte, e entre o céu brumoso e o ar rarefeito, pequenos e enigmáticos balões coloridos se elevam ou descem, e são como folhas secas flutuando na viração, numa tarde de outono, ou uma chuva de docinhos durante um sonho febril. Em outra imagem, uma mulher de meia idade: usa um lenço amarrado na cabeça, tem os traços fortes duma camponesa e o olhar sem brilho. Me faz pensar nos que trabalham muito e colhem pouco da vida, seres com alegrias e tristezas simples e elementais, em cujas existências a fartura é um fermento que apenas basta para levedar seu pão.


Quatro colunas circulares arrematadas em capiteis coríntios franqueiam a entrada. O estilo neoclássico desse edifício conservado em estado impecável, já justifica a viagem. Em seu interior, vitrais policromáticos no teto filtram a luz do sol criando um efeito de encantamento. Descemos até o cofre guiados pelo gerente. Onde antes era depositado o dinheiro, hoje funciona um café. Seguimos o caminho: nas paredes dos corredores há vitrines com lembranças cunhadas em documentos, moedas e bilhetes já em desuso. Grandes colunas quadradas sustentam as elegantes e ricamente trabalhadas vigas do teto e as balaustradas em arco. Sinto que essa visita foi a minha grande experiência estética na capital gaúcha.

Nos tapetes feitos com confetes pela artista açoriana Catarina Branco evidencia-se a origem duma tradição religiosa que cada ano se comemora em Jaguarão. Tapetes como os apresentados no Érico Veríssimo pela artista portuguesa formam o caminho que andam os romeiros entre as igrejas do Divino Espírito Santo e a Imaculada Conceição, em nossa cidade, durante a celebração do Corpus Christi. Numa parede branca desse prédio onde funcionara a antiga CEEE há belas figuras circulares que lembram as ornamentações geométricas usadas pela arte islâmica nas mesquitas. Milhares de lagartixas de plástico foram usadas par criar essas formas. O efeito é muito agradável ao olhar.


Vinte anos de carreteis. Cores escuras e o mesmo assunto a se repetir num desdobramento obsessivo. Há uma aura de pessimismo nesses quadros. Por que alguém passaria vinte anos pintando carretéis de costura, chinelos, talheres ou chapéus? No caso desse artista seria a hérnia de disco que o obrigou a se fixar no ateliê? Aluma mágoa da infância que veio à tona ao sentir o efeito do tempo em seu corpo? Talvez o sacrifício da mãe costureira como que aparafusada à cadeira enquanto fazia girar a engrenagem da máquina de trabalho que lhe consumia a vida, medida em metros de linha, carretel após carretel? Não sei. Mas por alguma razão misteriosa esses carreteis, essa obscuridade geométrica a repetir-se tela após tela, me falam do desencanto urbano contemporâneo e da vida racionalizada. O sul-africano William Kentridge fez um lindo rinoceronte com recortes de jornal. Pinta e desenha usando traços rápidos que me lembram a caligrafia dos mestres zen japoneses. Seus desenhos, suas pequenas esculturas de homens e mulheres em movimento parecem retratar a atividade das pessoas comuns enquanto trabalham. É um artista experimental, dizem. E experimenta brincando ou brinca experimentando. Percebe-se uma energia positiva em seu trabalho.

Darío Garcia 

Publicado na Coluna Gente Fronteiriça do jornal Fronteira Meridional em 21/08/2013


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