Surgiu de entre a neblina precedido pelos acordes dissonantes duma marchinha de Lamartine, qualificando a serenata que dávamos na rua do Cordão. Vestia calça corrida de tergal e um palitó negro, camisa branca e gravata desalinhada de quem já estava há bom tempo vagando na noite. Nunca fiquei sabendo seu nome, mas recordo de um inusitado detalhe do personagem fellinesco.
Levava no bolso, não um canivete, como na música do Assis Valente, mas uma lata de pêssegos! Sim, uma lata de pêssegos de Pelotas! Disse-nos que era pra agradar a patroa, pois há dias não aparecia em casa.
A serenata acabou, nos dispersamos, atravessei a ponte, que não era a Buarque de Macedo, mas também me assombrava com minha sombra magra e tinha medo. Medo da solidão que congelava os ossos.
"Alguém me pede fogo...é um dos nossos..."
Meu coração, temeroso, cantarolava... "mesmo que eu mande em garrafas mensagens por todo o mar, meu coração tropical partirá esse gelo e irá..."
Isso foi lá pelos anos setenta do século passado.
Esta noite , 24 de julho, vi um clarinetista de primeira, Márcio Bezerra, que me recordou aquele da rua do Cordão. Foi na Sala Villa-Lobos do teatro Nacional. Acompanhava Ana Reis, novo talento da música de Brasília e que fez a abertura do show de João Bosco, evento que faz parte do projeto MPB Petrobrás. Belíssimo espetáculo. O compositor e cantor mineiro centrou o espetáculo nas músicas do seu novo trabalho, o CD " Não vou pro Céu" mas já não vivo no chão. Beleza pura.
Jorge Passos
Ana Reis - Foto J. Passos
João Bosco e banda - Foto J. Passos
Sobre a Ponte Buarque de Macedo: http://pt.wikisource.org/wiki/As_Cismas_do_Destino
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