arte usuários CAPES - Jaguarão |
Estava morto, disso tinha certeza, lembrava de morrer. Da dor
excruciante, dos olhos pesados demais para ficarem abertos, pelo sentimento
anestésico seguido por uma paz sepulcral. Então, que diabos era aquilo, que
roupas eram aquelas de quem era aquele corpo. Parece-se comigo, pensou,
enquanto olhava pra baixo e enxergava a barriga levemente protuberante. Uma
corda com nó no meio riu, sempre o fazia quando se autodenominava assim.
Teria sido um sonho. A morte? Ou seria um sonho pós-morte, a vida?
Essa vida que agora vivia mesmo que soubesse estar morto. Estava confuso, não
era para menos, impossível seria não estar. Começou a recorda, encontrou
consigo mesmo correndo por um corredor escuro, com os disparos seguindo seus
calcanhares, da sua mão suada puxando com força a mão de Helena, como
dizendo-lhe: Fique tranquila, vai ficar tudo bem.
Lembrava-se da camisa quadriculada e do sangue que ficaria
eternamente impresso nela, do furo de bala lhe penetrando o pulmão e impedindo
de respirar algo diferente do que o gosto da morte, eternamente cravejado em
sua garganta. Como se chamava naquela vida, não lembrava ao certo? Algo com A,
Artur, Alfredo, Anísio, Aloísio, não sabia dizer ao certo. Tinha o nome de um
homem morto.
Alguém lhe tocou as costas, uma boca muda começou a mover-se e por
alguns instantes pensou que o novo ele era surdo, mas o som começou a se fazer
presente, aos poucos, devagar, mas começou a tornar-se algo discernível. Sentiu
como se pudesse tocar as palavras, e aquilo o alegrou. O seu interlocutor
parecia esperar uma resposta, um sim ou não, pensou, um não ou um sim, preferiu
o sim, é sempre mais amigável, responder com sim, sua voz saiu alta, quase um
grito. O sujeito encarou-o por alguns instantes, sacou uma arma de um coldre
que trazia na cintura e entregou-a ao novo vivo.
Artur, Alfredo, Anísio ou qualquer coisa que o valha, aceitou o
souvenir, e espantou-se de como parecia fácil segurar aquela arma, como parecia
natural. O sujeito disse então:
- Vamos antes que aqueles dois fujam.
Sentia- se excitado perseguindo alguém, alguém que ele nem sabia
quem era, ou por quê perseguia. Contudo, seguiu sua marcha entrou em um longo
corredor escuro e viu um casal correndo, estavam a uns cinquenta, sessenta
metros, ele segurava a mão dela, e o novo vivo segurava uma arma de calibre 38,
correu e correu, eles corriam menos do que ele, sua excitação aumentava,
começou a atirar e em alguns segundos alguém caiu. Era o homem a mulher parou.
Como se não tivesse mais por que correr, o seu colega que lhe dera a arma,
atirou na cabeça dela. Não sobrou muito. Ele o ex morto, recém renascido de
aproximou do rapaz caído, seu rosto lhe parecia familiar, gostou da camisa
quadriculada do rapaz.
Da onde eu conheço esse cara? De outra vida talvez, levantou as
sobrancelhas como um matador de filme americano, preparou o gatilho e mirou
entre os olhos, o rapaz sussurrou algo, o novo vivo preferiu não entender, não
queria levar com ele uma daquelas frases que nunca se esquece. Atirou e deu
meia volta para sua nova vida, o que o rapaz disse e que o novo vivo, ex morto
jamais vai saber foi: Meu nome é Antônio e eu vou voltar.
Nicolás Gonçalves
Texto publicado na Coluna Gente Fronteiriça do Jornal Fronteira Meridional do dia 04/10/2012
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