Se,
no final do século XIX, alguém se perguntasse sobre os lugares nos quais se
decidia silenciosamente os novos caminhos das artes visuais, dificilmente ele
acertaria. Pois dificilmente alguém imaginaria que devesse voltar os olhos para
uma ilha perdida no meio da Oceania, para uma cabana rústica isolada nos campos
do sul da França e para uma pequena vila nos arredores de Paris. No entanto,
era lá que Paul Gauguin, Paul Cézanne e Vincent van Gogh trabalhavam na
reconstrução da linguagem da pintura.
Em um dos momentos maiores de redefinição das artes visuais no Ocidente, foi
necessário sair do centro para que algo de fato ocorresse. Foi necessário estar
na periferia.
Não se tratava de alguma forma de necessidade patológica de isolamento ou de
procura pela força pretensamente evigorante da natureza intocada.
Estar fora do centro era importante porque acontecimentos normalmente ocorrem
em contextos de deslocamento, em locais onde uma certa indiferença criadora em
relação aos padrões da linguagem torna-se possível.
Atualmente, vários voltam seus olhos para as periferias do mundo a fim de
encontrar linguagens artísticas em reconstrução.
Outros desconfiam destas procuras, vendo nelas apenas uma forma de projeção que
visa compensar, através da idealização de "novos sujeitos", nossas
expectativas criativas frustradas. Um pouco como se procurássemos nas
periferias aqueles que, no lugar dos proletários integrados ao sistema
capitalista, pudessem nos guiar em direção à realização de uma filosofia da
história pensada como redenção revolucionária criadora.
No entanto, não precisamos acreditar em tal filosofia da história para
aprendermos a olhar para além de nossos muros. Basta darmos um passo a mais em
relação à época de Gauguin, Cézanne, Van Gogh e admitirmos uma teoria da
contingência que suspende a própria distinção entre centro e periferia para
dizer: "Um acontecimento é aquilo que pode vir de qualquer lugar".
Uma revolta política que perpassa nossa época como um vírus pode começar em uma
pequena cidade da Tunísia. Uma experiência literária verdadeira pode estar em
gestação na periferia de São Paulo.
Esta dimensão de "lugar qualquer" que um acontecimento é capaz de
produzir nos lembra que o pior pecado é não acreditar nos agenciamentos
contingentes.
Temos de estar preparados para que eles ocorram em qualquer lugar.
O primeiro passo para isto é mostrar, por ações concretas, que abandonamos de
vez a distinção entre centro e periferia. Hoje, a inteligência sempre vem de um
"lugar qualquer".
Artigo do Professor Vladimir Safatle - Filosofia USP
Fonte: http://diariogauche.blogspot.com.br
3 comentários:
Essa análise do Professor Vladimir Safatle é muito oportuna e
interessante.
Oportuna, porque na nossa cidade e região está havendo um olhar mais
atento sobre a Cultura em si, que tende a valorizar e projetar além do nosso
município e fronteira o que aqui se tem, se faz, e o que se está gestando:
Fundação Carlos Barbosa; Museus Histórico e Geográfico; construção do
Memorial do Pampa; projeto do Parque Farroupilha; digitalização do acervo
histórico e jornalístico da cidade; restauração do Teatro Esperança, o
tombamento de Jaguarão, pelo IPHAN, como patrimônio arquitetônico e urbano
brasileiro, etc.
Interessante, porque dessacraliza o centro, sempre considerado criador e
modelador, formador de opiniões e gostos, e de uma estética a ser seguida ou
rejeitada, cabendo à periferia somente o papel de consumir, assimilar, aceitar
passivamente, ou não, o que possa haver, ser feito e dito, no terreno da
Cultura, a partir dessa visão etnocentrista e monopolizadora, desempenhada
pelas, e desde as grandes metrópoles.
Em Jaguarão há muito e bom trabalho a ser feito; trabalho esse que já
começou e é fruto de inúmeros atores, tais como a nova gestão municipal e
suas parcerias várias, com os governos Estadual e Federal, o IPHAN (Instituto
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), mas também com a iniciativa
privada (Free Shops; Parque Eólico Minuano; construção do Hotel Porteiras do
Sul, categoria 5 estrelas) e o invalorável aporte e aquilatamento na esfera
cultural, profissional e social, oferecidos pela Unipampa-Jaguarão.
Em breve teremos uma primeira turma de Tecnólogos em Turismo, além
de outras turmas, que já se formaram, ou estão se formando, nas áreas da
Pedagogia, História e Letras, que darão uma maior qualidade ao município, cada
um se desempenhando na sua específica área profissional, mas podendo
interagir com os colegas de outras esferas.
Este ano começou o Bacharelado em Produção e Política Cultural, que
aspira formar os primeiros profissionais nesse ramo tão prometedor da
produção, gestão, promoção e atuação, na abrangente e multifacética área da
Cultura.
Assim, há aqui uma “periferia” onde também se faz e se pensa a partir do
que temos, do que queremos e do que podemos.
Dario Garcia;
Acadêmico de Produção e Política Cultural,
Unipampa-Jaguarão.
Postar um comentário