segunda-feira, 27 de junho de 2011

Recanto das Letras : Desvendando Jaguarão

Igreja Matriz do divino Espirito Santo
Jaguarão se apresentou diante de mim, num sábado gelado, mas o frio não dirimiu meu deslumbre diante da nobreza daquela cidade gaúcha, tranquila e limpa, adormecida às margens do rio que leva o mesmo nome que o seu e que a separa do efervescente free shop de Rio Branco no Uruguai.

Seu início remonta a 1802, quando foram deixados 200 homens à margem do rio, ao terminarem os conflitos ente portugueses e espanhóis pela posse da terra.

Caminhar pelas ruas da cidade de mais ou menos 30.000 habitantes, é fazer um passeio pelo passado. Na rua XV de Novembro, conhecida como Rua das Portas, maravilhada com as fachadas de vários estilos (neoclássico, art nouveau, colonial português) e as portas artesanais de madeira nobre, entalhadas à mão, dos casarões construídos com materiais europeus do século XIX, eu tinha a sensação de que, de repente, ao meu lado, pararia uma carruagem e dela desceria uma jovem que me convidaria para um chá em sua casa.

Jaguarão possui um dos maiores acervos de arquitetura eclética preservados do Rio Grande do Sul. Impressiona a riqueza de elementos decorativos e de materiais e técnicas utilizadas. Muitas construções que datam do século XIX, conservam ainda as fachadas originais. A arquitetura da cidade segue os estilos espanhol e português.

O Instituto do Patrimônio Histórico do Rio Grande do Sul tombou quatro prédios: As ruínas da Enfermaria Militar, em estilo neoclássico, que serviu como enfermaria do Exército e como prisão para presos políticos. Entre suas paredes, pensei na injustiça de não poder expor o pensamento e em quantas mentes inteligentes foram impedidas de brilhar; o Teatro Esperança também em estilo neoclássico, fundado em 1897, considerado o terceiro melhor teatro do país em acústica, onde cada nota musical soa límpida; o Mercado Público (concluído em 1867), em estilo colonial português, barroco, em formato de “U” e um pátio interno, à moda das antigas casas portuguesas; e o prédio do antigo Fórum.

Em 2011, o Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) tombou o conjunto histórico e paisagístico de Jaguarão, abrangendo mais de 800 prédios do centro da cidade, incluindo a ponte Barão de Mauá, inaugurada em 31 de dezembro de 1930, que liga o Brasil ao Uruguai. Este é o primeiro monumento binacional tombado. A Ponte Mauá foi construída como pagamento de uma dívida assumida no século XIX. D. Pedro II concedeu vários empréstimos ao Uruguai, recém-emancipado, porque o general argentino Juan Manuel de Rosas ameaçava sua liberdade. Para acertar os cinco milhões de pesos que o Uruguai devia ao Brasil, as duas nações fecharam o “Tratado da Dívida”. Após três anos de obra, a dívida virou ponte. Atravessei-a com o pensamento descuidado, brincando de adivinhar o que me esperava na outra margem: outro país, amigo, sim, mas muito diferente.

No meu passeio pela cidade, ainda me marcaram três prédios.
A Igreja Matriz do Divino Espírito Santo, localizada na frente da Praça das Bandeiras, templo católico em estilo barroco, com altares de madeiras esculpidos à mão, lindíssimos vitrais e um parlatório de mármore de Carrara. As imagens sacras, que datam da época de sua conclusão (1875), vieram de Portugal, e a imagem do Altar Central é em tamanho natural. Dentro dela assolou-me uma aura de bem-estar e paz. Outro mundo, sem chão e sem sofrimento.

O Museu Carlos Barbosa, prédio construído em 1886, em estilo neoclássico, que foi residência da família de Carlos Barbosa Gonçalves. Vestuário, roupa de cama e banho, mobília, louças e objetos variados tudo original e conservado, como se a qualquer momento alguma pessoa da família pudesse chegar e dar vida outra vez àquelas peças. Fui tomada do mesmo deslumbramento de quando vi pela primeira vez o Palácio Imperial em Petrópolis, no Rio de Janeiro.

A Igreja Matriz Imaculada Conceição, templo católico, mandado construir pela Sra. Minervina Carolina Corrêa, iniciado em 1909 econcluído em 1912, em estilo gótico. O parlatório e os altares são de mármore de Carrara branco. A imagem da Virgem Maria que está no altar-mor, feito de mármore colorido, é em tamanho natural, e suas medidas são exatamente iguais às de Dona Minervina. Em 1953, ela doou seu patrimônio ao Bispado.
Registro aqui uma história da tradição oral sobre a qual não encontrei nenhuma referência:

Minervina foi devolvida aos pais pelo marido depois do casamento, teve que se vestir de luto e não podia frequentar as missas da Igreja, que é hoje a matriz do Divino Espírito Santo. Por isso, mandou construir ao lado de sua residência esta Igreja. Ela entrou em contato com o Papa e prometeu doá-la com a condição de que no altar-mor houvesse uma reprodução dela e que seus restos mortais fossem enterrados dentro dela. Isso conseguido, ela deu o prédio para a Igreja. O fim da história é para refletir: é comum ver-se pousado, na época da arribação, no campanário da Igreja, um falcão dourado.

Li não me lembro onde que Jaguarão é uma “pérola cultural”. Essa metáfora define ricamente esta cidade escondida no extremo sul do Brasil. 

Referências:
http://www.diariopopular.com.br/site/content/noticias/detalhe.php?id=1&noticia=36715
http://www.ibge.gov.br/cidadesat/painel/painel.php?codmun=431100#
http://www.brudam.com.br/informativo/ver.php?id=702
http://www.riogrande.com.br/jaguarao_jaguarao_jaguarao_uma_cidade_estrategica-o11165-en.html
Foto: Mardilê Friedrich Fabre
Mardilê Friedrich Fabre
Publicado no Recanto das Letras em 26/06/2011
Código do texto: T3058525

Um comentário:

Unknown disse...

Oi Jorge,

Agradeço-te pela publicação da minha crônica no blog da Confraria.

O que escrevi foi o que senti em Jaguarão, quando aí estive no inverno do ano passado.

Como fiz uma palestra sobre esta viagem na União Brasileira de Escritores do RS, pediram-me que fizesse um texto para a Antologia deste ano. E simplesmente escrevi o que senti. Fico orgulhosa, quando descubro cidades como Jaguarão em nosso estado, porque fui criada amando o meu Rio Grande do Sul, suas tradições, suas lendas, seus escritores.

Abrts

Mardilê

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