Tranströmer: pegadas na neve
Tomas Tranströmer. Não calculo o que seja ter nascido com o nome de a quem caiu o céu em cima da cabeça, mas desde que em 2004, em Lisboa, comprei uma tradução que reúne toda a sua obra, Baltiques (Gallimard), que é um dos meus poetas de cabeceira. Também o tinha na excelente tradução em espanhol da Hiperion, mas esse foi-se no bolso de um amigo que tem sempre os bolsos esburacados. Procurei várias vezes um sueco que quisesse fazer comigo uma tradução do poeta, e inclusive nesse intuito escrevi um email a Henning Mankel, que vive a maior parte do ano em Maputo, mas só obtive o silêncio. É pena porque adoraria fazê-lo. Se alguém conhecer um sueco amante de literatura e que fale português diga-me. E Tranströmer fascina-me ainda mais, sabendo-o em silêncio desde Novembro de 1990, quando foi vítima de um derrame cerebral que primeiro o atirou para uma afasia profunda e depois para o silêncio, que mata entregando-se à sua grande paixão: ouvir música.
Aqui vos deixo três pequenas versões e prometo voltar a tentar rapidamente novas versões, aliás como também de Adonis, o poeta sírio que, segundo as notícias, estava com ele na linha de partida para o Nobel, e de quem também gosto igualmente muito.
1
Farto dos que chegam atulhados
em palavras e nomes – uma algazarra
mas nada de linguagem –
parto para a ilha coberta de neve.
O indomável não tem nomes.
Brancas, as suas páginas
encadeiam em todos os sentidos.
Dou de caras com as pegadas
de um cervo na neve:
nada de palavras mas uma linguagem.
2
Em passo lépido, a árvore sob a chuva
passa ao nosso lado no escorrido da pintura.
Reserva-se uma missão: transborda a vida
na chuva como a um melro num pomar.
Assim que a chuva pára, imobiliza-se a árvore.
e brilha, serena e muito direita na noite estrelada,
esperando como nós pelo instante
em que os flocos de neve farão desabrochar o universo.
3
As orquídeas.
Os petroleiros passam furtivos ao longe.
Lua cheia.
Antonio Cabrita
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