Quem caminha pela Frederico Trebbi, já quase entrando na Barão de Butuí, subindo do bairro Nossa Senhora de Fátima em direção ao centro de Pelotas, antes do Canal do Pepino, já pode ver a Lua. Não a lua dos poetas, com seu significado único. É que, recortada pela silhueta dos prédios, ou ainda acima delas, à medida que se caminha, vê-se várias luas, imersas em composições geométricas que se sucedem; são as luas cubistas do Pepino.
Nossa Pelotas costuma trajar a gaze úmida da nebulosidade; por isso a lua é sempre oriental, mágica. Ainda mais, quando vista dali, da Igreja do Fátima, da Escola Padre Rambo. Isso sempre ocorria aos gabardinozos, que éramos nós. Assim fomos nomeados por um estudante panamenho que nos vira passar, certa vez, com nossas capas de gabardina – que, a primeira vista evocavam os mórmons, para, logo em seguida, contrastar com nossa cor morena e com os instrumentos musicais que levávamos (o violão e o tambor).
Assim íamos, delirantes, nocheros, notívagos – às vezes éramos em dois, às vezes três e até cinco; não mais. Íamos, então, a um bar localizado na Sete com Alberto Rosa.
Invariavelmente, ficávamos tocando, todas as noites, de quinta a sábado. Sempre ébrios; a cada noite uma lua diferente: lua de astronauta, lua de assassinatos, lua de presságios, de história em quadrinhos, de Volpi, lua de morcegos, etc...
Tinha, o nosso bar, a prerrogativa do insólito: um homem que atava os cordões dos sapatos e irrompia em prantos; um inseto gigantesco que circulava a lâmpada sobre nós, com vôos rasantes, pronto a nos bombardear; uma discussão que se acalorava e produzia um verbo inusitado ou um bofetão barulhento (a famosa mão-de-vaca). Éramos, também, peça deste estranho baralho pelotense produzido no final dos anos setenta, já que, quando nada se falava, ainda, em Mercosul, instalávamo-nos à mesa do boteco-carrossel para cantar zambas argentinas e candombes uruguaios. Pouco provável que os boêmios à volta conhecessem a Luna Tucumana, o Sapo Cancionero, o Candombe Mulato ou a De mi Esperança. Quiçá adorassem, quiçá detestassem, delirávamos.
E sucedeu-se em um retorno imprevisto à casa – vaiaram-nos! Isto, por volta das duas da madrugada. Voltavam, os gabardinozos, incompreendidos, as capas caídas, nenhuma inspiração para voar. Eis que, no pontilhão da Butuí, esquina com a Juscelino, um homem de aparência estranha, com os braços estendidos, cercado de umas seis ou sete pessoas, com voz forte de profeta, bradava palavras ao cosmo. Um culto, pensamos curiosos e excitados – sentindo voltarmos à vida, com suas maravilhas. Aproximamo-nos silenciosos e reverentes, ocultando na medida do possível o violão e o tambor, para não mostrar desrespeito. O homem dizia: – “Ó, seres de outro planeta, de outros mundos inteligentes, se querem a paz sejam bem-vindos”.
Fria e amarga decepção. A Lua dos gabardinozos, a tantas vezes pressaga, a musa, a Dulcinéia, sempre tão linda em seus tules, confundida com um frio e extramundano OVNI.
Sérgio B. Christino.
Um comentário:
Paisano, aquele bar da Sete se não em engano era um tal Bar do Galo? Inferior em figuras e aparições somente al Bar del Patiño en la Cuchilla.
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