sexta-feira, 17 de setembro de 2010

A TAQUARA


1 A oca Taquara já fora, um dia, destacada do seu subterrâneo alimentador. Fora verde, amadurecida pelo sofrimento e hoje, madura para o uso dos humanos, descansa, repousando ao lado do galpão abandonado. Seu sacrifício, teria sido em vão, lamentava-se ao recordar-se das suas perfiladas irmandades quando ainda se empertigava apontando para o céu das nuvens das bençãos das águas.


2 Abaixo do seu posicionamento, enquanto descansava, nas suas extremidades, entre dois carcomidos postes de aroeira preta, sentia o pulsar dos vermes amantes das carcaças.


3 Será esse o meu breve fim, assobio sem vida, onde somente sonorizarei a canção da despedida abafada pelos gritos da agonia ?


4 Não estão espreitantes os meus verdugos carcereiros ? Seu olhar de espera não é uma prisão do meu olhar de esperanças ?


5 Não fui caniço de alavanca, na alimentação.

Não fui ripa de casa, na construção.

Não fui látego da criadagem, na educação.

Não fui martírio do servo, na escravidão.

Não fui lança da esperança, na salvação.

Não fui marco da direção , na assinalação.

Não fui baliza da guarida, na arrimação

Não fui marco de indicação, na representação.

Não fui flecha envenenada da morte , na certidão.


6 Não fui utilizada nem para elevar a vida, nem para aprofundar a morte.


7 Para que ou porque nasci? Não serias melhor ter ficado somente como desejo enterrado no no bojo do esterco criador? Por que não abortei no seu interior, tendo abortada minha gema apical ?


8 Assim se lamuriava a oca taquara, bambu abandonado sem lembrada humana utilização.


9 Quase ao encostar-se no chão destruidor, eis que forte ventania do oeste dos seus horizontes, gélida sopratura esgadelha-se os rotos restos de cotos de braços das já muito mortas folhas; pensou mais ou menos assim: esta é a minha agonia derradeira; meu suspiro e minha desolação; morro sem significado.


10 Mas, eis que , em suas furadas vestes da sua oca vestimenta , os orifícios mal arrematados e pior concebidos, pelo toque do assopro da desgraçada ventania, primeiro , desafinadamente e, ao depois, harmoniosamente, entoa a canção chamada, aí sim : a minha ( do bambu ) canção da despedida.


11 Seus acordes eram melodiosos. Os seres das proximidades escutaram aquele mavioso réquiem para alguém morto.


12 Essa, a canção do adeus, foi a única canção da sua inútil, para ela, oca vida.

13 Mas foi, a única vez na história, que alguém cantou para a sua própria morte, o aceno melodioso da própria despedida.



Conto extraído do Livro Pingos D`Alma volumes 2 e 3 de autoria de Antônio Carlos Rodrigues Marques.

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