Era sábado de carnaval e ela encharcou a sapatilha numa poça de água
ali, perto da Praça da Matriz. Arlene não sabia o que dizer ao noivo que havia
deixado na porta da igreja por causa de Jorge, que viera do outro lado da ponte
para tirar-lhe o sossego, as roupas e desgrenhar o seu cabelo, como um vendaval
de Santa Rosa.
Jorge era um tipo daqueles que não dava vontade de tirar os olhos de
cima. Um corpo pequeno, sem viço, porém atrativo pelo cheiro, pela boca que
dava sede de água, água de qualquer tipo, sede de água da chuva, de água de
poço, de água suja que se atira nas pessoas em dias de entrudo momesco. Água,
apenas água com sabão era o cheiro de Jorge, o castelhano que atravessou a
ponte e veio para a Vila de Jaguarão destroçar o coração de Arlene.
Nada tinha de mais na figura de Arlene. Era loira e alta, mas tinha
viço, o mesmo viço que Jorge não tinha. Era bonita de rosto, um rosto forte de
magricela, magricela por que alta, alta porém elegante no andar. Ela trabalhava
de professora, era de família pobre, dessas que não tem grandes sobrenomes
portugueses para ostentar. Era noiva de um tal Gervásio, que trabalhava no
açougue do Mercado Público.
Não que Arlene gostasse dele, estava noiva por pressão da família que a
queria casada a todo o custo. Arlene gostava mesmo era de Jorge, o castelhano
que cheirava a sabão com água e que não tinha viço no corpo, mas atravessava a
ponte para ter com ela na porta da igreja em dia de carnaval. Ela ali de
sapatilhas encharcadas e ele com aquela boca que dava sede, sede de água de
qualquer tipo, de água de poço, de água suja de se atirar nas pessoas em dias
de entrudo momesco.
Nunca se soube por que Jorge, o castelhano, que cheirava a sabão com
água, atravessava a fronteira para ter com Arlene, de sapatilhas encharcadas,
na porta da igreja. Sabe-se que ela largou tudo por aquele homem que lhe
causava sede, tudo para ter com ele em feliz, felicidade, numa casa modesta,
logo que cruzava o Clube Unión, ali no Río Branco. Ele, Jorge, um homem sem
viço no corpo, que cheirava a sabão com água e que causava sede em Arlene. Ela,
magricela, com uma cabeleira loira, professora do primário, de sapatilhas
encharcadas na porta da igreja, para ter com ele para sempre.
Quando Jorge alcançou Arlene, ali na frente da matriz, no dia em que ela
abandonou Gervásio no altar, apenas disse-lhe ao pé do ouvido:
- Estoy aqui apenas para despeinar teus cabelos, para ser feliz de
felicidade modesta, de coisas modestas. Para que atravesses de vez comigo para
o lado de lá e vivas comigo para siempre!
E assim foi que ela, magricela, de sapatilhas encharcadas, professora
pobre e sem sobrenome português, Arlene de batizado e nascimento, atravessou a
fronteira, vestida de noiva para ter seus cabelos despenteados por Jorge, o
castelhano, que cheirava a água com sabão e que não tinha o mesmo viço no corpo
que ela, mas que a curou da sede, assim como ela lhe deu viço e sorriso, no dia
em que beberam água suja de se jogar nas pessoas em dias de entrudo momesco.
Juliana dos Santos Nunes
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