Nei Lisboa no III Canto do Jaguar - Jaguarão - 2010 |
Fomos ver Nei Lisboa no Teatro Renascença. Já faz
parte das características de Porto Alegre como o calorão de janeiro e
fevereiro, o friozão de agosto, as flautas entre colorados e gremistas, as
brigas do Cpers com os governos e o muro do Guaíba. Nei Lisboa é dez. Como os
vinhos gaúchos, está cada vez melhor, embora bom mesmo é um bom vinho francês. Está
cada vez melhor por ser o mesmo. Tem humor, ironia, sofisticação e
simplicidade. Não é para poucos. Ver Nei Lisboa em tempos de Fórum Social
Temático, cria do Fórum Social Mundial, faz pensar no slogan do FSM, só que
como pergunta levemente modificada: um outro mundo musical é realmente
possível?
Ao
contrário do que alguns pensam, sou chinelo. Gosto de tudo, até do que não
gosto, depende do dia. Gostar não me impede de criticar. A maior bobagem para
mim é a frase "respeita o gosto dos outros". Desrespeitar é proibir,
chamar a Polícia, sair atirando. Criticar é do jogo. Vejo no funk, no pagode e
até no sertanejo universitário expressões de vitalidade. Gente querendo viver
intensa e facilmente. Talvez facilmente demais. Há em Michel Teló esse
vitalismo da carne, essa pulsão do corpo, esse apelo aos instintos do qual
quase ninguém escapa. Mas isso poderia acontecer de outra maneira? Todo gosto é
relativo? É lícito pensar na existência de gostos mais ou menos apurados? É
preconceituoso pensar em levar o fã de Michel Teló a gostar de Nei Lisboa? Ou,
como diz aquela letra altamente poética que chegou a andar na boca de muita
gente não faz muito, "cada um no seu quadrado?".
Nei
Lisboa é o D''Alessandro da música do Rio Grande do Sul. E D''Alessandro é o
melhor jogador do Inter desde Falcão e Carpegiani. Nei fez a escolha do
verdadeiro artista: a qualidade acima da grana e da fama. Poderia estar rico se
tivesse aderido à ascensão da chinelagem. Oportunidades não lhe faltaram.
Poderia, por exemplo, ter feito músicas melosas para folhetins de televisão. Há
algum tempo, um compositor admitiu que alguém precisa fazer o "serviço
sujo". Por que jogador de futebol não faz gol e pede música de Nei Lisboa?
Essa é pergunta muita séria? Ela pode ser refeita assim: como é formado o nosso
imaginário musical? Chato? Pensar é chato, perguntar é chato, responder é muito
mais chato. Críticos existem para chatear os outros com suas questões chatas.
Todo crítico é mala. Eu sou mala. Mala e chinelo. Só que mala e chinelo com
surtos questionadores. Pior não há.
Quando
ouço Nei Lisboa, penso: é possível fazer música popular e inteligente. Mas
daria para usar embaixo do edredom no "BBB12"? Tenho a impressão que
não. Aí Nei Lisboa é um fracasso. Não atingiu esse nível de criatividade. Não é
fácil fazer música capaz de cair no gosto dos participantes do programa mais
vagabundo da história da televisão brasileira. Até a revista Oia, sempre tão
populista, admitiu que se trata de um caso de escola de baixaria. Por isso, fui
ver o show do Nei Lisboa. Para me limpar. Sair purificado. Uma mala nova.
Juremir Machado da Silva
juremir@correiodopovo.com.br
Coluna publicada no Correio do Povo em 27/01/2012 -
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