Parábola sensível sobre a solidão, a morte e os encontros solidários |
As
histórias e situações deste premiado filme (melhor roteiro, Cannes
2007) são em sua grande maioria de difícil digestão. Desencontros
com consequências desastrosas, acidentes fatais que não fazem
nenhum sentido na vida dos personagens (embora possam ser explicados
na trama que se constitui), dores e abandonos intensos como quinhão
que cada um carrega de forma mais ou menos resignada. Além disso, há
uma atmosfera carregada de angústia, pelas separações inesperadas,
mágoas não suportáveis, ódios sangrentos, perdas irreparáveis.
Contudo, não se pode dizer que seja um filme depressivo e/ou
pessimista. Por que?
A
melhor tirada desse encantador trabalho é ser capaz de transitar com
a mesma precisão para caracterizar os afetos destrutivos e os
construtivos, entrelaçando-os muitas vezes, ou então estabelecendo
uma sequência na qual eles se seguem e se substituem, compondo um
cenário de grande riqueza. Trata-se de mostrar as passagens entre
Alemanha e Turquia, vividas no cruzamento de histórias que se
remetem umas às outras, falando de pessoas se encontram e se
desencontram nas idas e vindas entre esses dois países e culturas.
Ocorre que as diferenças são destacadas como fator positivo e os
acasos mais trágicos servem para o engrandecimento humano, em vez de
suscitarem rancores e violência. Claro, eles existem, e não são
periféricos! No entanto, a aposta de Akin é na possibilidade do
perdão, na transformação das vidas pela ousadia do reconhecimento
do desejo do outro, nas ações cotidianas que desbancam as
incitações à intolerância. A onipresença da morte (real e
simbólica) institui a vida como um bem maior, mesmo que nem sempre
ela se faça generosa e pródiga.
Nesta
linha, as cenas – quase sempre muito fortes – destacam as
paixões, sendo elas que na verdade conduzem as escolhas e destinos
dos personagens, delimitando para eles horizontes e caminhos
possíveis. Assim, vemos o filho turco que após distanciar-se do
pai, se reencontra com ele quando, mesmo na ausência, se dá conta
da fundamental presença do pai em sua vida, a mãe alemã que depois
de perder sua única filha, empreende uma revisão de sua caminhada,
através de uma mudança radical do cenário cotidiano e da
proximidade/ajuda da mulher por quem a filha havia se apaixonado e
abandonado o conforto da casa materna. Esta última, guerrilheira
dura e solitária, demonstra uma extraordinária coragem e riqueza
afetiva, inclusive para buscar informações sobre sua mãe, sem
saber do destino desta. Essas três histórias e as outras que se
fazem no decorrer destes (des)encontros são pontuadas com muita
sensibilidade, seja pelo genial roteiro, seja pela interpretação
despojada de todo o elenco, ou ainda pelas tomadas de cena (algumas
de uma beleza estonteante, apesar de carregadas de muita angústia,
como a que encerra o filme) sempre intensas, cores expressivas e
ambientes com uma tonalidade que descreve bem a trajetória tortuosa
dos personagens.
Quando
os personagens da grande diva Hanna Schygulla (ótima, claro) e Baki
Davrak (sincero e intenso na medida certa) brindam à morte, nos
damos conta de que além dos fatos que são aludidos existe o
reconhecimento de que vida e morte não possuem uma relação de
exclusão ou mesmo exterioridade. Ao contrário, tem-se mesmo a
impressão de que este ato de brindar se dirige à própria vida,
renovada a cada momento em que suportamos as perdas e fazemos do
inevitável luto que se segue não um motivo de ressentimento, mas
uma afirmação de amor à própria vida e ao destino, também na
medida em que é possível nele intervir.
Por
tudo isso, “Do Outro lado” é um filme belíssimo, capaz de fazer
pensar e viver afetos positivos e intensos. Sem amarguras, mas sem os
otimismos maníacos que nos assolam nesta pós-modernidade insossa.
Luiz Felipe Nogueira de Faria
Local e Data: Auditório da Casa de Cultura
Data e Horário: 31/05/2012 as 20 horas
Entrada franca
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