Reproduzimos do Blog DieZeit, magnifica matéria de autoria de Jorge Luiz Stocker Jr.
Ponte
internacional Mauá, entre Jaguarão (RS Brasil) e Rio Branco (Uruguai). (foto:
Jorge Luís Stocker Jr./2011)
A
cidade de Jaguarão(RS) situa-se no sul do estado, e faz divisa
com Rio Branco - Uruguai, limitada pelo Rio Jaguarão e conectada
pela Ponte Internacional Mauá. Sua história e economia sempre
esteve relacionada a sua situação fronteiriça, baseada nas
guarnições militares e nas facilidades do transporte fluvial pelo
rio Jaguarão. O longo período de decadência econômica, pelo qual
boa parte da região sul do Estado tem passado, tem sido revertida
aos poucos. Nesta cidade, um dos fatores é a proximidade com
os free-shops na cidade uruguaia vizinha, para onde afluem
diariamente centenas de brasileiros em busca dos preços mais
acessíveis.
Conjunto histórico no centro de Jaguarão (RS) foto: Jorge Luís Stocker Jr.2011 |
Esse
rápido retorno dos olhares para Jaguarão acabou revelando o
"tesouro esquecido" que a cidade ainda guarda: seus muitos
conjuntos históricos urbanos. São mais de 800 edificações, a
maior parte delas construídas no estilo eclético, distribuídas por
todas as ruas de uma malha urbana em tabuleiro de xadrez. A inclusão
da cidade no PAC das cidades históricas a partir de 2009 já
oportunizou uma série de restaurações. O tombamento federal
do IPHAN em 2011, embora tenha chegado após algumas perdas
irreparáveis nos principais conjuntos, deve garantir continuidade do
legado, o reconhecimento de sua heterogeneidade e a manutenção da
escala horizontal destas áreas.
Embora
tenha exemplares representativos de diversos períodos, a maior parte
do patrimônio cultural jaguarense é relativo a segunda metade do
século XIX, caracterizado pelos casarões ecléticos de porão
alto. Esses casarões ainda são os elementos estruturadores da
paisagem urbana de Jaguarão. Seu ritmo de fenestrações, a escala
horizontalizada, e a implantação característica, ocupando o
alinhamento dos lotes e criando uma continuidade de cheios e vazios,
torna a paisagem urbana de Jaguarão bastante harmônica.
Interessante verificar que mesmo um das edificações mais altas e
significativas, o Theatro Esperança, buscava respeitar o padrão
do conjunto, com a construção do volume mais alto recuado em
relação à rua.
O
Theatro Esperança, cujo volume principal se eleva recuado em relação
à rua,
mantendo a harmonia de escalas. (foto: Jorge Luís
Stocker Jr./2011)
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O
assoalho dos casarões ecléticos de porão alto era construído em
uma cota bastante elevada em relação ao passeio público, o que
criava a necessidade de um espaço peculiar no projeto: o vestíbulo.
Trata-se de um pequeno hall de entrada onde fica abrigada a escadaria
que dá acesso a um patamar, no qual encontram-se três portas que
dão acesso a diferentes dependências da residência.
A
continuidade da utilização destes vestíbulos nos dias atuais
configura uma peculiaridade muito interessante. Passeando pelas
ruas, é comum encontrar muitas portas abertas, convidativas,
revelando um pouco do espaço interno da edificação. É uma valiosa
oportunidade de conhecer alguns aspectos dos interiores das casas,
como os forros e rodaforros decorados, as pinturas murais, as
escaiolas, os lustres e as portas internas esculpidas em madeira.
Detalhes importantes que normalmente passam despercebidos e que são
difíceis de apreciar mesmo em grandes cidades históricas, já que a
arquitetura civil privada costuma ser vista apenas por seu aspecto
externo.
Em Jaguarão,
estes vestíbulos abertos acabam configurando um curioso caso de
espaço coberto "público-privado". Funcionam como uma
continuidade das calçadas, visto que estas portas abrem de frente
para elas, diretamente para a rua. As campainhas, por exemplo, estão
situadas geralmente na parte de dentro destes vestíbulos, e são
acessadas após a subida das escadarias. Em prédios de propriedade
da administração municipal, a caracterização deste espaço como
de uso público é ainda mais marcante: encontramos até mesmo
telefones ("orelhões") instalados nesta parte interna da
residência.
Alguns
vestíbulos de casarões ecléticos de porão alto em Jaguarão
(RS). (fotos: Jorge Luís Stocker Jr./2011)
Desta
forma, a beleza de Jaguarão é complementada pela oportunidade de
apreciação e vivência de espaços interiores, o que torna a
experiência de passear pelas ruas da cidade ainda mais intensa. Além
da incomparável paisagem urbana característica, vivenciada através
da apreciação das fachadas e das paisagens por elas constituídas,
o acervo de Jaguarão ainda é peculiar por oportunizar o
conhecimento do tratamento dos espaços interiores mesmo de
edificações particulares.
Portas
abertas em prédios ecléticos de porão alto em Jaguarão
(RS). (fotos: Jorge Luís Stocker Jr./2011)
Valorizando
o passado e pensando Jaguarão para o futuro
Antiga Enfermaria Militar, futuro
Centro de Interpretação do Pampa - prédio tombado pelo IPHAE-RS. (foto: Jorge Luís Stocker Jr./2011)
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Com
poucas mas bem planejadas iniciativas, Jaguarão poderá vir a se
tornar um importante destino para o turismo cultural no Rio Grande do
Sul. O apelo do turismo de compras no município vizinho pode à
primeira vista não parecer compatível com a visitação cultural,
mas já mostrou-se válido para o reconhecimento da cidade. O
interesse da administração pública local em promover a cultura e a
valorização do patrimônio histórico do município é sem
precedentes, e certamente trará bons frutos, como o futuro Centro de Interpretação do Pampa, projetado pelo escritório Brasil
Arquitetura. Este poderá se tornar mais uma grande referência na
arquitetura do Rio Grande do Sul, assim como tornou-se o Museu do Pão
de Ilópolis, dos mesmos autores.
Estação
Ferroviária de Jaguarão (RS) (foto:
Jorge Luís Stocker Jr./2011)
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Agora
que está devidamente protegido, o centro histórico, além da
restauração dos bens nele situados, como o Mercado Público, a
cidade ainda tem pontos isolados importantes para pensar e
valorizar. Não pode ser destinada ao abandono a Estação
Ferroviária e seu entorno, que curiosamente não integra
nenhuma das áreas de interesse cultural traçadas, e nem aparece nos
roteiros culturais. Situada no limiar da malha urbana em uma área
aberta que tem tanto potencial quanto risco de ser mal utilizada,
precisa ser pensada com urgência. Não podemos esquecer que a
especulação imobiliária foi expulsa do centro histórico pelo
tombamento, mas pode ser transferida para outros locais de forma
destrutiva.
A quadra em frente a orla do Rio Jaguarão encontra-se bastante degradada. (foto: Jorge Luís Stocker Jr./2011) |
A
vista da quadra que faz frente à orla da cidade, visível também a
partir da ponte, encontra-se bastante danificada pela desfiguração
das fachadas. Essa degradação é responsável por uma péssima
primeira impressão do local, mas felizmente, é reversível. O ritmo
de fenestrações pode ser recuperado, pois foi parcialmente mantido
ou pode ser encontrado atrás do reboco.
De
qualquer forma, Jaguarão tal como se encontra já é parada
obrigatória para qualquer turista que queira vivenciar um pouco do
patrimônio cultural gaúcho.
Jorge
Luiz Stocker Jr.
http://dzeit.blogspot.com
2 comentários:
Matéria interessantíssima que contribui sobejamente para a divulgação do turismo cultural em Jaguarão, colhendo-se hoje frutos já plantados há bastante tempo.
Olá, obrigado por terem reproduzido o artigo!
Fico feliz que tenham gostado.
Estava há um bom tempo curioso pra conhecer Jaguarão. Curiosamente, fiquei sabendo da cidade através do projeto do Centro de Interpretação do Pampa, do arq. Marcelo Ferraz, e não pelos free-shops! hehe E desde então fiquei querendo conhecer a cidade.
Fui esperando encontrar muita coisa, mas não tanta! Fiquei muito surpreendido. Esse artigo saiu quase em uma "euforia pós viagem"
Só tenho a parabenizar a cidade e todos aqueles que dela cuidaram até hoje. Jaguarão tem tudo pra ser o maior destaque em preservação histórica e turismo cultural no Rio Grande do Sul.
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