Clio:
A História me resgatou, naquele ano escondeu-se em nossa casa, à
Rua dos Trilhos (Rua Uruguai), uma freirinha uruguaia, adepta
militante da Teologia da Libertação, perseguida pela ditadura
militar uruguaia, que, segundo constou para minha família, estava
jurada de morte.
Erato:
Escutei no toca-fitas, o tape onde eternizaste Herivelto Martins;
recebi o pacote nas escadas da Minervina
– em tons graves e contravenientes. E
eu concluí num repente,/ que o amor é simplesmente/o ridículo da
vida.
Euterpe:
Summertime a la Gershwin.
Sem mate no cais – que nem sempre se
tomou mate na beira do cais. No entanto era esta mesma comunhão com
o rio, de onde os peixes saltavam à flor d’água, saudando, em
elipses prateadas, a primavera. Qualquer mina que olhasse nos olhos
de um cara, depois disso, se apaixonava.
Melpomene:
Teve este estranho estupor que se
experimenta diante das grandes catástrofes. Não se está entendendo
nada direito. Mas algo está acontecendo diante da gente. Do pátio
em que estávamos vimos proliferar gente lembrando os pele-vermelhas
dos filmes de cowboy. De cá, no pé do Cerro da Pólvora, num prédio
da Venâncio Aires, víamos surgirem pessoas de todo o lado, que
assim de longe, eram quase pontos que se moviam e, depois, parecendo
insetos subiam pelas paredes da velha Enfermaria e punham-na abaixo.
Era o patrimônio histórico sendo destruído. Fomos testemunhas
atônitas.
Polyhymnia.
De resto, como em qualquer outro mês, em que fossem celebrados os
nacionais ou religiosos, sempre cantávamos no coro com Professora
Verdina, em cujo repertório figuravam peças de sonoridade
miraculosas, além de um hinário que remetia a obras do pai desta
professora genial. Pois bem, ali, entendi que o universal da música
dissolve as particularidades de cada um, pois éramos tantos e tão
diferentes que nos postávamos à beira dela com seu piano, que isto
me forçava a pensar: como é que ela consegue?

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Carnaval - bicicicletas em cxs de papelão |
Thalia:
A vida era galharda. Turbilhão de dados hilários se amontoa e pede
passagem. Desde a galinha que bebia cerveja no balcão do Bar
Granada, os ursos de barba-de-pau, as vacas-quadradas (que eram
montadas com caixas de papelão, sobre uma ou duas bicicletas), os
mascarado-chocos nariz de gafanhoto, toda a plêiade carnavalesca.
Urania:
Teve um eclipse. Se me afigurou trágica
a reação de um vizinho nosso, ali na Rua Uruguai. Este fulano
presenciara uma conversa de bar em que se dera como certo que estava
por acabar o mundo. Isto, por ocasião do eclipse este, que seria
eclipse e zapt! Pronto o mundo se acabava, sem mais! E nós,
muchachitos
só viemos a saber desta ameaça escatológica depois. Foi, isto sim,
uma maravilha ver o pleno dia ficar esverdeado e, num repente cair a
noite. Foi quando a vizinhança acudiu toda à casa do Sr.
Escatológico. Fomos também. O vizinho ganhara
de baixo da cama pior que tatu na toca e os familiares não
conseguiam tirá-lo de lá para tomar uma água de melissa.
Sérgio Christino
Texto publicado na Coluna Gente Fronteiriça do Jornal Fronteira Meridional do dia 22/09/2011
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