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Fonte da Juventude - Cranach, O Velho
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No bairro em que eu
morava as ruas homenageavam todos os conquistadores da América
espanhola; “La Conquista” era o seu nome. A deferência
estampada na placa de minha rua nada me dizia de especial, em que
pese o nome também remeter-nos ao mundo animal, minha paixão
indisfarçada. Dobrando a esquina, ora cabisbaixo, ora levantando a
cabeça para respirar fundo, achei curioso que o nome da minha rua
estivesse afixado na parede de uma casa em azulejos portugueses.
“Ponce de Leon”. “Quem foi Ponce de Leon”?
Livros de história
e literatura deram-me a resposta: eu era Ponce de Leon. Academias de
ginástica, namoradinhas com metade de minha idade, afrodisíacos,
vitaminas; soldados de um exército pretensamente imbatível;
guerreiros hunos, mongóis, falange macedônica, mercenários. Tribo
cooptada ao sabor do desespero.
Ponce
de León, num quadro anónimo do ano 1513.
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Fiquei eufórico
quando descobri o grande engano de Ponce de Leon. O segredo o
acompanhou por todo o tempo sem que ele percebesse. Às vezes a
proximidade do objeto nos embaça a visão e enfraquece o
discernimento. Mas eu percebi; sim, eu ouvi quem tinha que ser
ouvido; não os matei, não os aniquilei. Valorizei-os, respeitei-os
e obtive o que procurava. Os índios da floresta me mostraram a
verdadeira fonte da juventude: as ervas da mata.
Não ousei fazer o
experimento longe de casa. Em vinte e quatro horas estava recuperado
da longa viagem. Outras vinte e quatro horas e o coquetel estava
pronto. O único “porém” era o último pio da coruja, momento em
que deveria acrescentar o penúltimo ingrediente. Embora vivesse na
cidade, havia corujas à noite, mas silenciosas que era o diabo.
Quando resolveram se manifestar, o fizeram duas quase ao mesmo tempo.
Era uma bobagem pensar nisso. Daria certo. Tinha certeza.
Conforme o ensinado
pelos índios, bebi o preparado de um só gole (ao contrário de
outras mal-sucedidas receitas que prescreviam provar por três vezes)
e fui dormir. Às cinco horas da manhã levantei e senti um
mal-estar; diferente do que sentia desde o início da crise, mas
familiar. O mal-estar evoluiu para o pânico, suor frio, tremor nas
mãos. Ainda assim, familiar. As férias e a licença-prêmio
acabaram; o trabalho me esperava após sessenta dias.
Na repartição,
meus colegas desejaram-me boas-vindas e quiseram saber das novidades.
Como um náufrago que se agarra a um objeto qualquer que flutue e o
sustente, preservei minhas energias e pouco falei. Olhava pela janela
com insistência, como que estudando um roteiro para fuga.
O primeiro dia de
trabalho coincidiu com a reunião mensal, realizada dia cinco de cada
mês. Quando todos se dirigiram à sala, peguei minha pasta, desviei
o caminho e corri para o elevador.
À noite, em casa,
convidei uma ex-namorada para jartarmos e passar a noite juntos. Era
uma amiga especial, que às vezes também me procurava. Mas, ao
contrário do que supunha, sua presença deixou-me ainda mais
inseguro, situação agravada por ser a fuga impossível. Convidei-a
para entrar, embaraçado, sem conseguir sustentar o olhar. O calor
subia-me ao rosto; faltava-me entre as pernas. Disfarçava o
mal-estar mexendo-me muito e levantando-me a toda hora para
mostrar-lhe algo.
Decidi apressar
nossa ida para o quarto. Lá haveria pouca luz; seria menos
observado. Porém, vi-me insensível às carícias e julguei não
poder chegar à ereção. Não querendo que ela percebesse minha
dificuldade, fui ao banheiro e, sentindo-me menos pressionado,
consegui equipar-me.
De volta ao
quarto, achei melhor não prolongar as preliminares e fomos direto ao
ato em si. Após vários orgasmos dela, eu, banhado de suor, insistia
com o corpo, mas vagava em pensamentos, convencido de que o gozo (que
não veio) não viria. “Quase matou-me”, diria-me mais tarde.
Pedi que parasse de me chamar de “meu garanhão” e ela foi embora
feliz, sem se importar com a forma indelicada, seca, com que a ela me
dirigi.
O dia seguinte era
um sábado. Fui à casa de meu pai, a casa onde passei toda a minha
infância, para ajudá-lo a limpar e pôr em ordem o velho porão.
Durante o caminho, logo após passado o efeito que o frescor da manhã
causa às pessoas, minhas mãos começaram a ficar suadas e a
garganta levemente ressecada. No portão, senti-me pequenininho, como
que encolhido, com medo de ser visto pelos vizinhos, os mesmos de
tantos anos atrás; não sabia se entrava, se me anunciava, se
recuava. Meu pai apareceu à janela e mandou-me entrar.
Apertei sua mão
sem olhar em seus olhos e fui direto ao porão. Dispensei sua ajuda,
mas ele insistiu em supervisionar os trabalhos. Desde criança,
quando me dizia “vamos fazer isso, vamos fazer aquilo”, eu já
sabia que sua participação se limitaria a dar ordens e fiscalizar.
Durante três horas permaneci calado, acuado, temeroso de não estar
fazendo o trabalho ao gosto de meu pai. Terminada a tarefa,
despedi-me, recusando o convite para jantar. Em casa,
exausto, derrotado, amargurado, abri uma garrafa de uísque doze
anos, com o que compreendi o que havia acontecido. Definitivamente
era preciso procurar ajuda. Liguei para quem achei que nunca mais
veria, após aquele último encontro, cinco anos antes: minha
ex-terapeuta. No dia e hora marcados, cumprimentei-a e fui logo
deitando no divã.
- Sente-se, por
favor; não estamos em tratamento. – disse ela com delicadeza.
- Oh, desculpe, a
força do hábito. Além disso, receio não poder falar assim, de
frente.
- E por quê?
- Bem, – comecei,
respirando fundo - vou direto ao assunto. Nossos doze anos de
trabalho se perderam, doutora. Voltei a ser o que era antes da
terapia. Voltei a ser o jovem que fui.
Edson Júlio Martins
(1)
O poema ainda existe na memória de um amigo, para quem recitei por
telefone antes de destruí-lo. As fortes emoções por que passei (o
leitor poderá atestá-lo) fizeram com que o esquecesse.
Um comentário:
Congratulo-me contigo confrade Edson Martins!!
Nesta pequena pérola literária que escreves vejo maduro o tributo/escárnio que há na organização e no disciplinamento da sexualidade.
Forte abraço amigo, sinto tua falta e rogo que os deuses se compadeçam deste teu Ponce de Leon.
Sérgio Batista Christino
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