Em
1972, no Segundo Ano do Curso Científico, aglutinaram-se os alunos
provenientes das turmas “A” e “B” do Primeiro Ano de 1971,
vários repetentes e alguns transferidos doutras escolas. Com cerca
de quarenta educandos, ficamos numa ampla sala do pavilhão dos
fundos do então C.E.E.S. e originou-se uma compreensível azáfama.
O
Carnaval terminara pouco antes e, naquele calorento março inicial,
os estudantes foliões rememoravam os recentes folguedos
carnavalescos. Folião nunca fui e estando isento daquelas
rememorações, sentei-me silencioso na primeira coluna da direita e
era o terceiro rente à parede da porta. À frente, sentaram-se o
Saul Oliveira e o Luís Fernando Passos. À retaguarda, o Jorge
Eduardo Fonseca, um rapaz recém-chegado de Pelotas, de baixa
estatura. Depois, na sequência, dois “Nelsons”, o Eliseu e o
Bittencourt. Ao meu lado esquerdo, sentou-se o Júlio César Meroni e
de outros pouco mais me ajuda a velhusca memória. Mas me lembro, e
muito bem, da turma do barulho, concentrada ao fundo, do lado
esquerdo da sala, nas proximidades da janela, ponteada pelo
tonitruante Juarez, natural de São Lourenço, se não me engano,
mais o Carlos/Carlinhos Silveira, o Dídio Bezerra, o Jairo Fonseca
entre outros. No meio deles, algumas colegas estudiosas e quietas, as
quais nunca entendi de que maneira foram ali parar. Dessas, lembro-me
da Vera/Verinha, da Neiva Cristina e da Leocádia. Dos meus
companheiros de fileira, desde então, revi apenas o Luís Fernando e
o Nelson Eliseu, os restantes nem imagino como andarão, se andarem.
A
nossa primeira aula do ano foi de Matemática e todos os alunos
presentes podem, ou devem, tê-la esquecido, menos um: eu. A razão é
simples: nela ganhei um ponto extra para a primeira nota. A
Professora Rosa Isolina Nizoli Aguilar concluiu a chamada nominal e
após rápida explicação sobre a matéria a se aprender –
Derivadas e Integrais – perguntou qual era a Equação Fundamental
da Trigonometria, estudada noutro março, o do ano anterior, que
seria de utilidade para o assunto referido. Por um capricho da sorte,
lembrava-me e quieto fiquei, esperando a iniciativa alheia, porque
não queria passar por sabichão. O alvoroço serenou por momentos,
enquanto a professara caminhava lentamente até o fundo da sala,
detendo-se próxima da “turma do barulho”; encostou-se à parede
e repetiu a pergunta. Nova pausa nos cochichos localizados, momescos
ou não, todavia o silêncio fez-se breve, enquanto ela retornava
para frente da turma. Ali, virou-se para a classe e fez-me acionar o
gatilho da ousadia, vencendo a timidez natural, quando, a professora
perguntando pela terceira vez, propôs adicionar um ponto à primeira
prova para quem respondesse; só então respondi. O falecido Dídio,
de espírito vivaz e brincalhão, pilheriava com todo o mundo, logo
me chamou de “éungênio”.
Engano
seu, não me chamo Eugênio!
A Professora Rosa Isolina interagia com extrema fidalguia, jamais usava
palavras rudes para admoestar quem quer que fosse, exibindo um enorme
coração. Além disso, explicava fácil e com cativante simplicidade
a minha matéria favorita de sempre. Ao contrário do Português, meu
eterno algoz, constantemente, mirando-me com excessiva gula e
querendo me puxar para a sua guilhotina. Aqui me permito uma singela
divagação. No primeiro Ano fui a exame final em uma só matéria,
por meio ponto, mas fui. Curiosamente, era ministrada por uma das
minhas professoras favoritas, e por quem nutria imenso desvelo: a
Professora Maria Ceci Bretanha de Moraes. Ao rever as provas
anteriores para me preparar para a derradeira, resolvi somar os
pontos da primeira do ano, uma longa de quatro folhas, dividida e
subdividida em itens e sub-itens. Surpreendi-me ao verificar que a
nota deveria ter sido 8,5 e não a de 7,5 assinalada, o que me
livraria daquele solitário exame. Como 7,5 em Português equivalia,
na minha óptica transversa, a um dez em Matemática, nem sequer me
dei o trabalho de conferi-la à época aprazada. Levei aquela prova
para o exame final e, ao seu término, mostrei-a a Professora Maria
Ceci, que lastimou o ocorrido. Esse fato a ela terá sido esquecido,
a mim, sempre será lembrado. Assim foi: da matéria que mais
gostava, somou-se ponto, da que menos, subtraiu-se; ambos graciosos.
A
essas duas jovens Mestras do nosso tempo, o meu carinho, entremeado
por quarenta anos de saudade, uma eterna reverência e que a vida
lhes seja benfazeja, estejam em que lugar estiverem.
Daquela
heterogênea turma, do Segundo Científico/1972, guardei excelentes
lembranças e a recordação pouco amistosa duma professora que
decidiu realizar suas provas valendo nove pontos, sendo o décimo
rematado por conceito pessoal. Durante o ano letivo foram seis provas
e o correspondente número de pontos creditados conforme o seu
soberano juízo. Por motivos que me escapam à rasa compreensão, os
meus seis pontos de “conceito” foram passear pelos anéis de
Saturno.
Sobretudo dos colegas,
ficou uma sadia camaradagem que a sucessão dos anos não consegue
apagar, embora nunca mais tenha encontrado a maioria deles e,
vagarosamente, as recordações esmaeçam-se nos claudicantes
neurônios. É uma pena, porém daqueles dias nem ao menos fotos
guardamos. Eram caras, o bolso vazio, apenas os profissionais
possuíam máquinas fotográficas, salvo raras exceções, essas, não
eram da nossa turma. Poderiam ter criado esses onipresentes
celulares/câmeras àquela época e teríamos a jovem imagem até
hoje, mas não. Restam-nos fragmentos de lembranças que se apagarão
a qualquer hora, quando nos chegar o momento extremo para rumarmos à
dimensão ignorada, na única viagem inevitável. Enquanto a
abençoada escuridão da noite não pretejar em definitivo as minhas
reminiscências, quero ter o prazer de me reunir com os colegas do
extinto Curso Científico, marcando presença no próximo encontro,
se houver.
Talvez,
noutro capricho da sorte, reencontre algum antigo parceiro daquele
Segundo Ano, o de 1972, e esse reanime as minhas recordações
minguantes, adicione as que me escaparam ou se dissolveram na longa
esteira do tempo. Aí, refrescando o espírito, ser-me-á melhor
escutar em silêncio, as distintas versões sobre aquele simbólico
ano e bem sorver os ecos duma época admirável, da qual tivemos o
privilégio de compartilhar.
Quem
sabe, não encontre alguma historieta perdida, merecendo ser
relembrada?!
Esperemos...
Lino Cardoso
Texto publicado no Jornal Fronteira Meridional, edição do dia 28/3/2012
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