Precedidas de uma propaganda tanto misteriosa quanto sardônica, as faturas de Don Plácido Rodrigues vieram à degustação. Era forte do inverno, um foguito de lareira em uma cabana na Laguna Merin. O cheiro da iguaria aquecida e um bom mate. Outra ocasião, igualmente com requintado suspense, provou-se um assado de caça. Nada menos que o quartinho de um capinchão enorme, o bicho que fora abatido mediante o prodígio balístico de Alfredo Silva, castelhano de bueníssima cepa e meu compadre. A este banqueteio a comadre Rosângela, alcunhou de Lanche Conan (o Bárbaro).
Agnes Heller em 1998 - Wikipedia |
Ao mesmo tempo das maravilhas paladares, privávamos de uma muito rica troca de vivência cultural, intelectual e política. Merece registrar nesta crônica que conheci José Carbajal, El Sabalero, por mãos de Alfredo Silva. E mais, por aí tive acesso a los Cuadernos de Marcha, e, por isso mesmo, à sabedoria generosa e também inesgotável da filósofa húngara Agnes Heller.
À época, li nos Cuadernos um artigo dela que esmiuçava as mudanças da instituição familiar ao longo das décadas que sucederam os anos sessenta. Desde então tenho acompanhado o pensamento desta mulher genial, que, a meu ver, suplantou o vaticínio de Jean-Paul Sartre, segundo o qual o marxismo era de impossível superação.
Por conta disto, e em homenagem aos tempos de charla com Don Alfredo Silva, é que esta crônica singela não poderia deixar de cotejar rapidamente uma bela passagem do livro La Revolucion de La Vida Cotidiana, de Agnes Heller. Trata-se de uma entrevista concedida pela filósofa e que foi posteriormente editada. Pois bem, estou falando de Cambiar el Mundo es Cambiar la Vida (sobre Rosa Luxemburg y los jóvenes). O tema tratado aqui é o da conduta, ou comportamento, adotado na vida em sociedade. A autora contrapõe dois modelos, de um lado o comportamento “superpolitizado”, em que se vive no mundo e para o mundo; em que devemos submergir por completo na atividade política, sem dispor do “tempo livre” para a auto-reflexão e para gozar a vida - para conviver com os demais. E do outro um modelo hedonista, que se preocupa somente com superar os medos e frustrações para alcançar uma vida agradável. Anunciando como paradigma Rosa Luxemburgo, Heller propõe um terceiro modelo – ideal para todas as idades. O modelo (se me permitem) estóico-epicurista. Um modelo intermediário, onde é possível viver uma vida plena, uma vida ativa, racional, orientada para o mundo, na qual se aprenda a distinguir entre o importante e o acessório por que não se renuncia nem à auto-reflexão nem ao prazer de viver, da mesma forma, não mergulhamos no desespero (...) por que não alcançamos um objetivo.
Saudações aos compadres Alfredo, Rosângela e hijos. Extensivas à Helen. Esta boa gente fronteriza.
Sérgio B. Christino
Texto publicado na Coluna Gente Fronteiriça do Jornal Fronteira Meridional, edição do dia 04/04/2012
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