O
parágrafo acima serve como uma primeira apresentação do capítulo
“Uma pequena história ambiental do Pampa: proposta de uma
abordagem baseada na relação entre Perturbação e mudança”,
assinado pelo professor Rafael Cabral Cruz, do Campus São Gabriel da
Universidade Federal do Pampa, em parceria com o pesquisador e
docente Demétrio Luis Guadagnin (UFSM). O capítulo integra o
e-livro A
Sustentabilidade da Região da Campanha- RS: Práticas e teorias a
respeito das relações entre ambiente, sociedade, cultura e
políticas públicas,
coordenado pelos professores Benhur Costa, João Quoos e Mara
Dickel.
O
livro foi publicado pelo PPG em Geografia e Geociências da UFSM e o
capítulo se encontra disponível para download .
Uma
interpretação da evolução do bioma
O
capítulo sistematiza uma linha do tempo para a cobertura vegetal da
paisagem do pampa gaúcho a partir de indícios científicos sobre
como eram - e se modificaram - o nível do mar, o relevo e as formas
animais e vegetais no período a partir de 18 mil anos atrás, tendo
em conta o conceito do Ecossistema Humano Total – ETH, no qual os
elementos da paisagem transformados pelo ser humano interagem com os
demais elementos através de fluxos de massa, energia e
informação.
A
proposta de cronologia engloba quatro marcas temporais, que são
consideradas os ciclos de transformações ambientais. A primeira é
a chegada do ser humano à região do Pampa, processo que teria
levado à extinção de animais herbívoros de grande porte e à
modificação da constituição vegetal, de campos baixos para
plantas de campos altos. A segunda marca é a chegada dos europeus,
que introduziram o gado no Pampa e fomentaram o crescimento
populacional e uma nova forma de organização das coletividades
humanas, com estâncias e cidades.
A
agricultura industrial marca o início do terceiro ciclo, com uma
aceleração das mudanças na cobertura vegetal e a implantação de
uma matriz de agroecossistemas, o que levou a lavoura (incluindo a
silvicultura) a ocupar o espaço de campos nativos, áreas úmidas e
florestas aluviais e a promover uma inserção de espécies para
manutenção do gado. Um dos resultados em termos ecológicos é a
redução da biodiversidade, enquanto ocorre culturalmente uma
desterritorialização do gaúcho, uma vez que se reduziu o espaço
da estância e das vivências que formaram esse tipo humano.
As
mudanças climáticas induzidas pelo ser humano indicam o quarto
ciclo de transformações, com uma sinergia entre alterações
naturais e os aumentos na emissão de gases que alteram o
funcionamento do efeito estufa, por meio do desmatamento e da queima
de combustíveis fósseis, provocando o que se chama de “savanização”
do clima no Pampa, com temperaturas mais quentes, chuvas sazonais e
mudanças na flora e na fauna. O capítulo aponta que ainda existem
incertezas quanto a este cenário, considerado como uma possibilidade
em estudo.
Um
dos apontamentos do estudo indica uma aceleração do ritmo de
mudanças dos elementos do bioma pampa. Enquanto no primeiro ciclo o
período de alterações durou milhares de anos, com a chegada do
homem europeu e o desenvolvimento social e tecnológico, as mudanças
passaram a ocorrer em escalas de centenas e depois, dezenas de anos.
O professor Rafael diz não acreditar que esse processo pudesse ter
sido diferente:
-A
percepção deste processo pela sociedade não é um processo
unicamente de informação, mas depende de transformação das
representações sociais, e este processo envolve a mudança da
cultura dominante e do sistema capitalista que a mantém.
Em
relação ao processo de “savanização” (clima mais quente,
chuvas sazonais) do território que constitui o bioma Pampa, o
professor Rafael ressalta que é um cenário possível, talvez o mais
provável conforme os estudos realizados pelo INPE, não se tratando
de uma “profecia”.
-
A questão não é se a savanização está ocorrendo, mas, sim, como
a sociedade vai lidar com os riscos associados a esta possibilidade,
cada vez mais forte.
Ele
afirma ainda que amenizar os efeitos é uma atitude que vai envolver
muito trabalho de pesquisa para estudar a sinergia entre a mudança
no uso da terra, a mudança climática e as práticas de manejo dos
remanescentes de bioma Pampa.
Sociedade
e natureza
O
professor Rafael explica que uma contribuição do estudo é a
compreensão de uma co-evolução entre o ser humano e os
ecossistemas:
-
Como o clima do RS é florestal, a ausência de manejo pelo ser
humano pode levar ao desaparecimento deste bioma, pois o devir seria
o estado (do Rio Grande do Sul), dado tempo suficiente sem manejo
pelo ser humano, estar coberto pelas formações florestais do bioma
Mata Atlântica. Deste modo, a conservação do bioma Pampa não pode
ser pensada sem o manejo humano. A questão é "qual o manejo
adequado?"
A
discussão é urgente, afirma o professor Rafael, especialmente em
função do quadro de mudanças climáticas - os cenários mais
prováveis podem conduzir a uma savanização do clima, o que
afetaria os esforços para um manejo racional do bioma.
A
leitura histórico-ambiental proposta por estudos como o apresentado
pelos professores Rafael Cabral Cruz e Demétrio Guadagnin propõe
uma visão da Ecologia na qual a relação sociedade – natureza
seja estudada de forma não-dualista.
-
O ser humano é parte da natureza e assim deve ser estudado. Ele é
parte do processo de auto-organização do ecossistema total humano.
Este processo pode conduzir a múltiplos cenários possíveis de
futuro, dependendo da forma como se processam as decisões do ser
humano.
O
professor afirma que a ligação entre a sociedade e a natureza é um
processo auto-organizativo e de caráter histórico, pois os eventos
do passado condicionam, de forma não-determinante, os cenários
possíveis no futuro. Por esta linha de raciocínio, a compreensão
da dinâmica do bioma ou da paisagem não pode ser feita sem a
reconstrução das diversas alterações que o trabalho humano
provocou no processo de auto-organização dos seres vivos do
ecossistema ao longo do tempo.
De
um convite a um capítulo
A
história sobre como surgiu a pesquisa é pitoresca. O professor
Rafael conta que foi convidado para ministrar uma palestra sobre
tradicionalismo e bioma Pampa em um CTG de São Gabriel em 2007, uma
vez que o MTG havia determinado a questão ambiental como tema.
-
Como eu não era vinculado ao MTG, pensei no que um pesquisador na
área da Ecologia de Paisagem poderia contribuir, e resolvi contar
uma história ambiental do pampa, de forma sintética.
A
primeira palestra foi bem recebida a ponto de render convites para
apresentação em vários eventos do MTG em São Gabriel e Santana do
Livramento, e atividades da UNIPAMPA, e em outras ocasiões, como um
encontro de formação de professores no município de Rosário do
Sul, e mesmo em um evento da maçonaria em Dom Pedrito.
As
palestras levaram a um convite para palestrar em um evento do PPG em
Geociências da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Após o
evento, o professor Rafael convidou o professor Demétrio Guadagnin,
professor da UFSM, que é biólogo da conservação e com experiência
no estudo de espécies invasoras no bioma Pampa, para auxiliar na
sistematização e aperfeiçoamento da abordagem, em um trabalho que
levou três anos para chegar ao capítulo publicado.
Heleno Nazário para Assessoria de Comunicação Social
Fonte: http://www.unipampa.edu.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário