Vejo a fotografia que
foi tomada em seguimento à queda do telhado do clube Jaguarense. A circunstância do Finados
influi na minha leitura da imagem. O feriado de finados é de origem pagã,
celta, e, tal qual o halloween, são efemérides que demarcavam ciclos agrários –
passagens. Posteriormente o calendário cristão dedica o último a Todos os Santos e o primeiro aos mortos.
É este aspecto da passagem, da fronteira entre dois tempos, que me assalta.
A foto do desabamento
mostra a fenda ruinosa rasgando, em diagonal, o ângulo superior do prédio. A rachadura
conduz meu pensamento em dois sentidos, ambos perpassados pela memória temporal.
Há muito que li A queda da casa de Usher, do genial
escritor americano Edgar Allan Poe, porém, este conto foi reavivado agora pela
fotografia do infausto acontecimento. Esta obra de Poe inspirou A casa tomada, de Júlio Cortázar,
escritor argentino, cuja leitura e re-leitura me são recentes. Em ambos temos a
evocação de tempos de glória. Temos personagens que estão em desacordo com o
mundo circundante: um irmão e uma irmã isolados de terceiros e ligados por uma
relação afetiva mais forte do que a fraternal.
Uma espécie de confraria secreta, outrora feliz, que teme ser invadida e
sobre a qual forças tempestuosas haverão de se abater. Nos dois relatos, a
justiça ou a injustiça destas forças desestabilizadoras não é questionada pelo
contrário, ocorre um certo alívio perante a ação indesejada delas, o esgotar-se
de uma tensão insuportável. Diante do inevitável, o personagem de Poe apresenta
ao narrador uma cançoneta em que os tempos idos são chorados melancolicamente:
E, em volta do palácio, a glória
Que brilhava e florescia
Não passa agora de mal lembrada história
Dos velhos tempos sepultados.
Que brilhava e florescia
Não passa agora de mal lembrada história
Dos velhos tempos sepultados.
No conto de Cortázar
a casa é invadida, no de Poe a casa desmorona, em Jaguarão o telhado ruiu. Olho
a fotografia, vejo a fenda ruinosa e ameaçadora e penso nos demais clubes
jaguarenses. Retorno aos conturbados anos setenta, o contexto avassalador e
massificante das discotecas. Lembro que por aquela época o Mestre Pino, artista
plástico singular, pintara uma série profética de quadros que retratava os
clubes de Jaguarão - não sei se todos, mas pelo menos o Harmonia e o Jaguarense.
O impactante desta série é que os retratava na sua materialidade e concretude,
porém evanescentes, flanando nas nuvens, sem pontos de aplicação, terrivelmente
vazios.
Clube Harmonia - Luis Carlos Monteiro- Mestre Pino |
A genialíssima Agnes
Heller, em um texto de 2003, diz que memória cultural é construção e afirmação
da identidade. E que, enquanto um grupo de pessoas conserva e cultiva uma
memória cultural este grupo de pessoas existe; caso contrário não, eu presumo.
Sérgio Batista Christino
Texto publicado na coluna Gente Fronteiriça do jornal Fronteira Meridional do dia 24/11/2011
Um comentário:
Saiu ontém na ZH pg. 4 e 5 - Almanaque Especial - matéria que me lembrou do fim dos bailes de carnaval nas sociedades, causa da perda de importante fonte de renda para sua manutenção.
Por outro lado, entre as soluções ali apontadas, recordo-me das adaptações efetuadas no estádio do Esporte Clube Pelotas que abriram espaço para a instalação de pequenos comércios, afora a atual Churrascaria do Lobão.
Naqueles porões ociosos do Clube Jaguarense, já imaginou o que poderia render? E aquele pátio maravilhoso funcionando com "happy hour" ao ar livre nas noites quentes de verão?
Perdão se provoco alguma idéia...
JASaudações.
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