Baldeação
remete aos idos do transporte ferrocarril.
Para mim evoca o trajeto da estrada de ferro Jaguarão-Pelotas. Na
Estação Basílio baldeavam-se os passageiros para o trem que vinha
de Bagé e que ia para Rio Grande passando pela Princesa.
A pequena Basílio – que, na Revolução da Degola, resistiu ao
tiroteio maragato em 1895 – era para mim a fronteira entre o trem
bonachão, pasmo e o outro, a babel de negociantes que iam tratar de
assuntos no Porto de Rio Grande, uma passagem forçada para o frenesi
da vida moderna. Para os basilienses a baldeação era, quiçá, a
celebração do evento histórico da Revolução Federalista –
vinham todos à pequena estação e sempre mofavam um pouco dos
passageiros.
Retomo
o significado e a sonoridade da palavra baldeação no contexto do
vídeo genial de Jorge Passos, que faz a leitura fílmica do poema
Ode à Confraria,
de Martim Cesar. Na verdade, um belo soneto cuja irônica chave de
ouro constata que: O
poeta, enfim, é o caranguejo que se libertou do balde.
O
balde é o avesso,
o
que é imposto.
Ora o baldear-se é fugir disto, da imposição. Bueno em termos da
semântica, se pode dizer que o vídeo arrancou a poesia do balde,
baldeou-a, fez do soneto – rimado, metrificado, disciplinado –
palavra social. Baldeou-se a Ode.
Confesso minha quase fanática admiração pela obra poética de
Martim Cesar. Mas aqui é outro trem. A viagem é que é a mesma, a
linguagem do cinema é o movimento, circulação de palavra-moeda,
palavra sem dono, porém com seu atributo maior que é o valor.
Não
se trata de uma arremetida contra a palavra escrita – são coisas
diferentes. Não que as rebeldias intramuros de qualquer arte sejam
condenáveis, pelo contrário a dialética das formas estéticas é
que impulsiona a criação e o surgimento da renovação em novas
escolas. A propósito, aproveito para saudar a antipoesia de Nicanor Parra – irmão mais velho de Violeta – que, do alto de seus 97
anos, logrou o Cervantes
em 2011. Ele que viveu à sombra e na antítese da poesia bem
escandida de Pablo Neruda. Permito-me seu Autorretrato:
Soy
profesor en un liceo obscuro,
He
perdido la voz haciendo clases.
(Después
de todo o nada
Hago
cuarenta horas semanales).
¿Qué
les dice mi cara abofeteada?
¡Verdad
que inspira lástima mirarme!
Y qué les sugieren estos zapatos de cura
Que envejecieron sin arte ni parte. (fragmentos)
Sérgio Christino
Jaguarense,
radicado em Pelotas, servidor público, advogado, especialista e
mestre em Filosofia, tem trabalhos publicados em periódicos
científicos nacionais, nas áreas de Ética, Filosofia Moral e
Filosofia Política; dedica-se à pesquisa do Idealismo Alemão,
donde traduziu, em co-autoria, o ensaio de Hegel sobre o Direito
Natural, obra até então inédita em Português. Militou no
teatro amador, por dez anos, no grupo "Cabe na sacola", que
se notabilizou pela proposta de um teatro pocket. Perfila-se com a
Confraria dos Poetas de Jaguarão
Artigo publicado na Coluna Gente Fronteiriça do Jornal Fronteira Meridional do dia 15/12/2011
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